Nem os problemas de saúde tiraram a cantora Beth Carvalho dos palcos, nos seus últimos anos. Lutando contra fortes dores na coluna desde 2010, a solução encontrada pela artista foi apresentar-se deitada. Mesmo após sua morte, há seis anos, o legado deixado pela “madrinha do samba” segue intacto: o Sambabook, tributo multiplataforma que lançou um registro audiovisual, no primeiro semestre, chega a João Pessoa hoje, em um show, às 21h, no Teatro Pedra do Reino (Pólo Turístico Cabo Branco). Ingressos no site Bilheteria Digital, de R$ 14,50 (plateia B/promocional/meia entrada) a R$ 100 (plateia A/inteira).
À frente da apresentação estão intérpretes que mantiveram relação estreita com Beth: a filha Luana Carvalho, a sobrinha Lu Carvalho e a dupla Os Prettos, formada pelos cantores e compositores Maurílio de Oliveira e Magnu Sousá. O quarteto estará acompanhado pela Banda da Madrinha: 14 instrumentistas que também trabalharam com a homenageada em algum ponto de sua trajetória. No repertório, faixas conhecidas, como “Coisinha do pai”, “As rosas não falam” e “Andança”.
Tia e mãe
- Beth (à esquerda) deixou um repertório de sucessos e artistas impactados com sua vida e trajetória, como a filha Luana Carvalho (à direita) | Fotos: Washington Possato/Divulgação
Apesar do apelido consagrado, Lu Carvalho diz que nunca a tratou como “madrinha”, mas como tia que era e, simbolicamente, como mãe. Dentre as memórias, mais antigas relacionadas à artista, ainda menina, recorda assistir com atenção Beth nas classes de violão, ofício que manteve antes de consagrar-se como grande nome da MPB.
“Eu morava com ela e sempre a achei uma ‘diva’. Adorava vê-la cantar, ir à praia e à pracinha com ela. Minha mãe trabalhava fora e ela batalhava em casa, dando aula. Então, era com ela que eu passava a maior parte do meu tempo na infância. Mas eu era muito criança ainda e não tinha muita noção da importância dela para a MPB. Sabia da importância dela para mim!”, declara.
Alguns dos shows que Beth fez deitada fizeram parte da turnê 40 Anos de Pé no Chão, celebração de um de seus discos mais importantes, com a participação do grupo Fundo de Quintal. Sua saúde entrou em uma fase mais delicada no último ano de vida. Chegou a ficar internada por quatro meses antes de falecer, em abril de 2019. Mas a incerteza da recuperação não abalou a artista.
“Ela morreu dia 30, e no dia 5 tinha show marcado no Vivo Rio. Isso foi fator decisivo para ela viver o tempo que viveu, suportando todas as limitações e dores. Lembro-me de quando ela teve a ideia de cantar deitada. Ela disse: ‘Ué? Não tem Na Cama com Madonna? Por que não pode ter Na Cama com Beth Carvalho?”, recorda Lu, rindo.
Passeando por momentos diversos da carreira da artista, o Sambabook, em formato de apresentação ao vivo, traz uma configuração mais “enxuta” em relação ao álbum lançado no início do ano, pela quantidade de artistas (que cantam juntos ou solo). Mas o show repete alguns dos números que podem ser ouvidos ou vistos na gravação para o streaming.
Lu, por exemplo, canta o clássico “Camarão que dorme a onda leva”, composto por Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz e João Sem Braço, que representa o segmento bem humorado de seu cancioneiro. “Ela adorava cantar o amor, as lutas políticas, a igualdade pros negros. Ela era, na minha opinião, a maior intérprete que esse país já teve!”, sustenta a sobrinha.
Conselho de padrinho
Os irmãos Maurílio e Magnu estão em atividade com o duo Os Prettos desde 2014 e, assim como Lu, também têm o samba na veia: o pai, Xique-Xique, foi músico da noite paulistana. Receberam as bênçãos da madrinha no período em que estiveram em sua banda, mas, anos antes, chegaram a fazer parte do Quinteto em Branco e Preto.
“Quando Beth visitou o Boca da Noite, nós estávamos tocando justamente no momento em que ela entrou no bar. A sensação foi tão intensa que, por alguns instantes, tive a impressão de estar diante de uma miragem. Até hoje, quando me recordo dessa cena, revivo a mesma emoção: parecia que uma luz contornava o corpo dela. Foi algo quase sobrenatural”, destaca Maurílio.
O convívio com Beth ultrapassou o âmbito profissional, segundo Magnu Sousá: “Os conselhos vinham em várias direções: como nos portar profissionalmente, como nos posicionar política e artisticamente, como dar valor à música, às amizades, ao afeto. Eram conversas longas, atravessando a madrugada”.
A experiência ajudou a consolidar a dupla como dois dos compositores em ascensão na nova geração do samba. Magnu elenca: “André Renato, Xande de Pilares, Thiaguinho, Branka, Fabiano Sorriso, todos têm produzido obras de grande relevância. Mas há uma geração ainda mais nova, muito talentosa, que vem dando continuidade a essa tradição: o grupo 4 Goles de Samba, Igor Neva e Thiago Bispo”.
Os Prettos visitaram Beth no hospital, dias antes de sua morte. De acordo com o relato de Maurílio, a cantora disse que eles seriam os “substitutos” do Fundo de Quintal: “Foi um dos conselhos mais fortes da nossa trajetória. Nós a agradecemos, mas não tivemos a mesma coragem e força que ela tinha para sustentar palavras tão poderosas”.
A homenagem no palco, com o Sambabook, proporcionou, ainda, um presente póstumo da “dinda” à dupla — a proximidade com artistas que Maurílio e o irmão não conheciam presencialmente: “Tivemos a honra de cumprimentar o maestro Rildo Hora e os mestres do Golden Boys, que sempre foram uma referência musical. Não resistimos: pedimos uma foto!”.
O Sambabook foi idealizado por Afonso Carvalho, amigo e ex-empresário de Beth Carvalho, por meio da Musickeria. As versões em áudio e em vídeo dessa edição — disponíveis nas plataformas de música e no YouTube — têm participações de Fagner, Luedji Luna, Zeca Pagodinho e Zélia Duncan. Apadrinhados por Beth, Lu Carvalho e Maurílio de Oliveira compartilham dicas para as novas gerações de “afilhados”.
“Eu diria: ‘Cante sua verdade e vá para a estrada. A persistência e a dedicação é que fazem um grande sambista”, assevera Lu. “Estudem o tempo todo. E é fundamental se impor diante do meio artístico. A madrinha sempre dizia: ‘Se você não falar quem você é, o mundo nunca vai saber’”, conclui Maurílio.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 30 de agosto de 2025.