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O legado de Biliu

publicado: 10/07/2024 09h16, última modificação: 10/07/2024 09h16
Colegas e admiradores falam sobre a arte e a história de um músico que é símbolo de Campina Grande
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A trajetória do artista de Campina foi marcante não só na música em si, mas também na relação com os colegas artistas | Foto: Arquivo A União

por Esmejoano Lincol*

Biliu de Campina, cantor, compositor e poeta, deixou de estar presencialmente no São João da sua cidade natal pela primeira vez em muito tempo, quando, debilitado, não pôde comparecer ao show previamente agendado em Campina Grande, em 22 de junho; aquela que seria sua despedida dos palcos foi assumida por músicos que trabalharam ou que tinham proximidade com o artista, conhecido pelas composições no forró e no coco. Ainda assim, um recado seu previamente gravado ecoou entre os presentes: “Campina, eu te amo. Meu coração é pura gratidão”, disse ele em vídeo. 

O cantor levando seu coco ao Lincoln Center, em NY, em 2012 | Foto: Reprodução Instagram

Quem também se diz grata pelo convívio com o campinense, falecido na última segunda-feira, é a pessoense Renata Arruda. No final dos anos 1990, ela gravou junto de outros artistas de nosso estado o disco O Melhor do Forró no Maior São João do Mundo. Foi nesta oportunidade que conheceu Biliu. “No mesmo dia, ele quis me apresentar no Parque do Povo, dizendo que ele era o ‘verdadeiro avô de Renata Arruda’. Depois deste vieram muitos outros encontros, de forma sempre cordial. Foi uma grande perda para a nossa música”, atestou.

Toninho Borbo, também compositor e diretor de arte do Cineteatro São José, se mudou ainda criança para a Rua 13 de Maio, no Centro de Campina, lugar em que também residia Biliu. Cresceu vendo o artista sair de casa para seu passeio na Praça da Bandeira, onde encontrava fãs e colegas. “Quando gravei meu CD Para Fins de Mercado, ele me disse: ‘Rapaz, tu tem o veneno’. O ‘veneno’ era o talento e a musicalidade. Conversávamos sobre música, política, história e o rumo que a nossa música nordestina tomava diante dos novos tempos”, relembra.

Encontro de amigos

Fã de Jackson do Pandeiro, Biliu homenageou o rei do ritmo no primeiro LP gravado por ele, em 1989: Tributo a Jakson e Rosil (grafado assim, erroneamente), também fazia deferência ao ator e compositor pernambucano Rosil Cavalcanti. A propósito de sua proximidade com o instrumento – de quem era exímio executor – foi através de Lanka, o maior fabricante de pandeiros da Paraíba, que o também poeta Bráulio Tavares estreitou laços com Biliu. “Era uma turma de amigos, faziam batucada nos fins de semana, nas residências dos amigos, cantando samba e forró. Foi minha escola. Todo mundo cantava, todo mundo tocava algum instrumento. Também faziam parte da turma Tadeu Mathias e Elba Ramalho”, explica.

Sobre seu encontro com o mestre e o intercâmbio entre gerações diferentes de músicos que ele frequentemente promovia, ele declara que o amor pela música era capaz de aproximar os artistas que se reuniam no entorno de Biliu, não apenas para trabalhar ao seu lado, mas para se reunir com ele em encontros informais – para comer, beber e cantar entre amigos. “Biliu é uma ponta desse iceberg. Não era música profissional, no sentido de que não surgia com o objetivo maior de ganhar dinheiro. Algumas pessoas trabalham profissionalmente com outras coisas. O objetivo era fazer música comunitária, grupal, a festa da vida”, enaltece Bráulio.

Roqueiro

A propósito da troca com artistas de idades e de ritmos diferentes do seu, a cantora campinense Val Donato recorda que conheceu Biliu, ainda na adolescência, através de disco que encontrou na estante de sua tia. Ela conta que se apaixonou pelos versos ritmados e pela irreverência dos duplos sentidos contidos neles - uma de suas marcas. “Para mim era muito atraente, hipnotizante. Ele sempre foi um cara muito acessível e, já mais adulta, encontrei-o pessoalmente no calçadão da Rua Venâncio Neiva, tínhamos encontros semanais para um café e um papo sobre música”.

Biliu também costumava dar uma “canja” em vários bares underground e outros espaços pouco usuais da Rainha da Borborema, motivo que leva Val a defini-lo como o “forrozeiro mais roqueiro da cidade”. “O show dele era o que eu mais esperava ver no São João do Parque do Povo. Conviver com ele e ouvir suas histórias era uma experiência especial. A obra dele mora no meu coração e carrego no meu repertório. A Paraíba não pode deixar seu nome cair no esquecimento”, declara Val.

Biliu e sua Campina Grande: o artista se apresentava tanto no maior São João do Mundo quanto em palcos underground da cidade | Foto: Arquivo A União

Onde ouvir o artista?

Amazan também rememora a convivência com o conterrâneo campinense, de quem foi próximo desde o início de sua trajetória musical, ainda nos anos 1980, época em que integrou o conjunto Os Três do Forró. Ele assevera que maior do que a falta que Biliu fará é o legado que o poeta deixa. “Biliu que sempre cantou ‘só deixo meu Cariri no último pau de arara’, por vezes parafraseava entoando ‘só deixo Campina Grande no último pau de arara’”.  

Lamentavelmente, a discografia de Biliu de Campina não está completa nas plataformas digitais. Alguns de seus primeiros discos, lançados em pequenos selos paraibanos ou gravados de forma independente, estão fragmentados no YouTube, a exemplo de Matéria Paga, álbum de 1993, disponível em postagens não-oficiais.

Nos serviços de streaming de música, apenas um disco está postado no perfil oficial do campinense: Melhor do Repente Nordestino, Coco de Pandeiro, compilação de 1999 que reúne 11 faixas compostas por Biliu. Quanto às cópias físicas, com poucos vinis e CDs disponíveis para venda, alguns já são comercializados com preço inflacionado: o primeiro LP lançado por ele, produzido, à época, com apoio do Governo do Estado, está anunciado no Mercado Livre por R$ 180.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 10 de julho de 2024.