Notícias

literatura

O ofício da escrita

publicado: 27/05/2024 09h20, última modificação: 27/05/2024 09h20
Políbio Alves fala sobre seu novo livro, ‘Outono – Memórias da Escritura’, em que versa sobre o relacionamento de um autor com a palavra
2024.05.21 Políbio Alves Escritor © Carlos Rodrigo (119).JPG

‘Escrever é um ato de loucura’, afirma o escritor, que ainda tem 10 livros inéditos | Foto: Carlos Rodrigo

por Sheila Raposo*

A palavra como semente, argamassa, fio de linha, fermento. Uma viagem sem desembarque, que dá voltas, transgride, provoca, desafia, abraça, foge. E volta. A palavra como ideia, matéria-prima e produto. A palavra: manifestação que torna cativo o escritor e dele faz o seu lavrador e parteiro, aquele que com ela costura letras e arquiteta fornadas de histórias, numa relação que aprisiona e liberta, na mesma medida. Essa conexão entre palavra e escritor é o mote de Outono — Memorial da Escritura (Mídia, 2024), mais recente obra do poeta e escritor paraibano Políbio Alves.

Trabalhos de Políbio estão em antologias e periódicos do Brasil e de países como Cuba, Alemanha e EUA

Ainda sem data de lançamento, Outono é uma dissertação livre sobre o labor literário e também um relato da formação do autor como escritor e cidadão, desde a infância de privações até a publicação dos seus livros, passando por reflexões sociológicas e culturais, entre lembranças dos lugares vividos e dos personagens que neles trafegaram. Nesse passeio pelo ontem, ele revisita o dolorido período da ditadura militar-empresarial que se abateu sobre o Brasil, em 1964 (Políbio foi preso e torturado no Rio de Janeiro, depois da Passeata dos 100 mil, realizada em represália à morte do estudante Edson Luiz de Lima Souto), e o seu retorno a João Pessoa, já graduado e concursado para o cargo de Auditor-Fiscal do Trabalho, depois de 15 anos na Cidade Maravilhosa — onde realizou um trabalho de educação popular vigoroso, que lhe rendeu o título de cidadão carioca.

A obstinação do menino nascido no bairro Cruz das Armas, órfão de pai e irmão mais velho de seis irmãos, fez com que ele superasse todo tipo de adversidade e se tornasse um dos mais relevantes escritores da literatura brasileira contemporânea. Ao final do seu mais novo livro, espécie de “confessionário” das dores e alegrias que viveu como homem, cidadão e escritor, Políbio não deixa margem para dúvidas: ele não seria o que é se não fosse a palavra. “Escrevo para desanuviar a solidão. Escrevo para não morrer de silêncio. Só conheço o inaudito prazer de ler, escrever. E a paixão de produzir uma escrita que se mantém acesa sob a inebriante chama da emoção”.

"Escrevo para desanuviar a solidão. Escrevo para não morrer de silêncio. Só conheço o inaudito prazer de ler, escrever"
- Políbio Alves

Em vários momentos dos cinco capítulos do livro, percebe-se o quanto as questões sociais pesam no escritor, que sofre pelos injustiçados e pela situação de miserabilidade e violência em que se encontram tantos brasileiros, sujeitos a todo tipo de exploração, sem jamais se darem conta do quanto são vítimas de um sistema perverso e enganador. “Os dirigentes do país estão imbuídos em realizar obras eleitoreiras. Nunca um projeto educacional para despertar a consciência do povo, que conduza a população à analise análise crítica do contexto social e às soluções dos seus problemas”.

Outono é um livro dividido em duas partes, sendo a segunda uma espécie de fortuna crítica da primeira, composta de oito textos assinados por outros “operários da palavra”: Roselis Batistar, João Adalberto Campato Jr., Hildeberto Barbosa Filho, José Mário da Silva, Marcus Alves, Carlos Alberto Azevêdo, Ronilson Ferreira dos Santos e Peterson M. A. Araújo. “Enviei uma cópia do livro a cada um deles, com antecedência, para que o resenhassem. E assim compus a segunda parte do livro”, conta o escritor.

Ato de loucura

Ficcionista e poeta, o carpinteiro das letras, Políbio Alves dos Santos, nasceu em João Pessoa, no dia 8 de janeiro de 1941. Formado em Administração e aposentado como servidor público federal, ele apostou nos estudos para mudar a realidade de garoto pobre que morou no mangue para escritor cuja obra foi reconhecida, em 2022, como Patrimônio Cultural Imaterial do seu estado natal.

Aos 83 anos, ativo e altivo, Políbio anuncia que tem mais 10 livros inéditos, prontos para serem levados ao prelo. “Já com essa idade, será que ainda terei tempo? Quero publicar pelo menos dois ou três. Para isso, saldarei uma conta e entrarei em outra”, diz ele, referindo-se aos custos da publicação de Outono. “Escrever é um ato de loucura. É muito difícil conseguir publicar”, acrescenta.

Foto: Roberto Guedes

Cidadão do mundo

Mesmo com todos os obstáculos à produção cultural no país, o escritor nunca parou. Trabalhos seus estão publicados em antologias e periódicos do Brasil e do exterior, a exemplo de Cuba, Alemanha, Portugal e Estados Unidos. Tornou-se verbete da Enciclopédia de Literatura Brasileira, de Afrânio Coutinho e J. Galante de Sousa, e é dono de vários prêmios literários, alguns internacionais. Em 2001, recebeu a Medalha Poeta Augusto dos Anjos, da Assembleia Legislativa da Paraíba. Um ano depois, veio a Comenda Cidade de João Pessoa, da Câmara Municipal, e o título de Doutor Honoris Causa, concedido pela UFPB.

Além de Outono — Memorial da Escritura, Políbio Alves é autor das obras O que Resta dos Mortos (1983); Varadouro (1989); Exercício Lúdico – Invenções & Armadilha (1991); Passagem Branca (2005); Os Objetos Indomáveis (2013); Os Ratos Amestrados Fazem Acrobacias ao Amanhecer (2014); a trilogia La Habana Vieja: Olhos de Ver, A Leste dos Homens e A Traição de Hemingway (2016); e Acendedor de Relâmpago (2019).

Com textos traduzidos para inglês, castelhano e francês, o paraibano foi destaque internacional em uma coletânea publicada em Trento, na Itália, onde se reuniram mais de 400 autores de diversas nacionalidades, em 2000. Mais adiante, em 2002, na Argentina, foi um dos 120 finalistas do prêmio Nuevos. Sobre sua trajetória, há o documentário Eis Aí o Poeta! (2017), do publicitário Hélio Costa.

OUTONO – MEMORIAL DA ESCRITURA
- De Políbio Alves. Editora: Mídia Gráfica e Editora. 186 páginas. Formato: 12,5 x 17,5 cm.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 25 de maio de 2024.