Avenida Ruy Carneiro ainda mantinha espaços vazios em janeiro de 1989. Por lá, naquela época, foi montado o palco do Squenta Verão, evento que trouxe à cidade, Cazuza, para a sua última apresentação no estado. Cercado de “lendas” — o cantor teria se apresentado sentado ou teria desmaiado em determinado momento da noite —, esse show permanece na memória do público paraibano, 35 anos depois da morte do cantor (ocorrida em 7 de julho de 1990). Embora não confirmem o rumor de que o artista teria passado mal, algumas pessoas que estiveram no show atestam a tristeza que sentiam, à época, com o estado debilitado da saúde do artista.
A União reportou o fato na data da apresentação: 19 de janeiro de 1989, uma quinta-feira. O Segundo Caderno publicou duas matérias não assinadas, dando conta do valor do ingresso da turnê O Tempo Não Para (5 cruzados) e a estimativa de público para aquele evento (10 mil pessoas). Também divulgou orientação da organização do show: todos os presentes deveriam vestir branco, cor que o próprio intérprete também usaria no figurino.
“No ano de 1988, Cazuza foi, sem sombra de dúvida, o artista em maior evidência na música do país, conseguindo críticas elogiosas dos mais exigentes profissionais da imprensa”, disse o texto. “Seu LP Ideologia (Polygram) vendeu uma barbaridade”.
Presente na plateia, o escritor e compositor Nelson Barros, pernambucano radicado na Paraíba, situa o local em que palco estava: o terreno, antes baldio, abriga hoje o Supermercado Bemais. Ele recorda ter ido sozinho ao show, que foi concebido e dirigido por Ney Matogrosso. A magreza do artista alimentava as teorias de que ele escondia sua condição de soropositivo.
“A gente tinha uma noção, né? E o filme Homem com H (cinebiografia de Matogrosso) deixa isso tão claro. Vivíamos devastados com essas notícias, com essas mortes de amigos, famosos. O diagnóstico de HIV, naquela época, era mesmo uma sentença de morte”, sinaliza.
Cazuza assumiu que estava com Aids apenas um mês depois desse show em João Pessoa, numa entrevista publicada em 13 de fevereiro de 1989, na Folha de S. Paulo. “Estou com a ‘maldita’”, disse ao repórter Zeca Camargo. Barros compara o martírio do cantor na época com o da artista britânica Amy Winehouse, que lutou contra o vício em entorpecentes até a data de sua morte, em julho de 2011; Barros compareceu ao show dela em Pernambuco, meses antes.
“A plateia se dividia em duas. Pessoas loucas por ela, que estavam querendo ver e ouvir aquela moça extraordinária, e pessoas que estavam ali para ver o circo, sabe, esperando ela cair no palco”, declara.
Entrevista em Tambaú
Sílvio Osias, então jornalista na TV Cabo Branco, entrevistou Cazuza nas dependências do antigo Hotel Tambaú, onde ele se hospedou para o show de 1989 e recorda que ao tentar marcar o encontro que seria exibido no programa A Palavra É Sua, encontrou resistência da assessoria de imprensa do cantor, que andava preocupada com a insistência de jornalistas no assunto Aids.
“Falei que conversaríamos apenas sobre música e nada mais. Quando cheguei, encontrei Cazuza saindo de um mergulho da piscina. Ele estava acompanhado do amigo e produtor Ezequiel Neves. Vestiu uma regata e um boné e começamos uma conversa amistosa, fui recebido afetuosamente por ele”, lembra.
Durante o papo, Cazuza compartilhou a admiração que tinha por Caetano Veloso. Silvio retrucou com o relato de uma conversa que teve com Gilberto Gil, anos antes: este via em Herbert Vianna uma versão mais atual de si mesmo, ao passo que enxergava em Cazuza uma variante mais jovem do compositor de “Sampa”.
“Os olhos dele brilharam na hora”, afirma Sílvio. O jornalista também não confirma as versões de que o artista teria cantado sentado ou que teria desmaiado. “Não tive essa impressão. Em certa altura do show, ele deitou no palco, como era comum na época e hoje em dia também”, assevera.
Show no Espaço Cultural
Luiz Antônio Mousinho, hoje professor, costumava passar as férias de verão no Rio de Janeiro, estado de origem de seu pai. Não esteve presente no show de Cazuza em João Pessoa, mas recorda de ver o início da trajetória do cantor na Cidade Maravilhosa, antes de quaisquer rumores sobre doença, e o anúncio de apresentações da turnê O Tempo Não Para — a derradeira — na capital fluminense, de forma ostensiva, no ano anterior; uma delas no Canecão, mítica casa de show carioca.
“Por lá, ele caiu numa das apresentações. Quando anunciaram aqui, pensei, ‘Não vou, não vou vê-lo morrer no palco’. Hoje, eu me arrependo um pouco, sabe? Porque, no fim, foi um show tão emblemático, tão histórico...”, confessa.
O docente prefere manter memórias positivas de Cazuza em shows na Paraíba: um deles na Praça do Povo do Espaço Cultural; outro no Clube Astréa, no Tambiá. No primeiro, em 1985, ele estava se despedindo do Barão Vermelho, antes de rumar para a carreira solo. No segundo, já consolidado como intérprete, cantando faixas do álbum Só Se For a Dois, de 1987.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 27 de julho de 2025.