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O vaqueiro em cena

publicado: 04/07/2024 09h19, última modificação: 04/07/2024 09h19
Antônio David abre nesta sexta-feira exposição fotográfica que retrata uma figura icônica da cultura nordestina
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O foco não se reduz ao personagem das vaquejadas, mas ao “herói das pegas de boi” em Sumé | Fotos: Divulgação/Antônio David

por Daniel Abath*

Nascido e criado em Taperoá, Antônio David se encantou ao avistar o mar pela primeira vez e, muitos anos depois, homenageou o objeto de seu fascínio em O Ser e o Mar (2014), seu segundo livro de fotografias. Agora, o premiado fotojornalista regressa seu olhar deslumbrado para o interior da Paraíba, com a exposição O Vaqueiro — A Alma do Sertão, dentro da jornada cultural Sesc Grandes Nomes. Com entrada gratuita, o vernissagem acontece nesta sexta-feira, às 19h, na galeria do Sesc Cabo Branco.

Na ocasião da abertura, também haverá o lançamento de um catálogo da mostra, contendo aproximadamente 30 fotos, acompanhadas por textos e poemas dos autores Sérgio de Castro Pinto e Hildeberto Barbosa Filho. Ao todo serão expostas 44 fotografias, feitas com impressão fine art — material de alta durabilidade — em tamanhos que variam de 20 cm a 4 m, com curadoria de Paulo Aurélio.

Antônio especifica que o vaqueiro visado por sua objetiva não se reduz ao personagem das vaquejadas, mas (em suas palavras) ao “herói das pegas de boi”, manifestação cultural que representa o trabalho dos vaqueiros no campo. “Hoje o tanger do gado é feito com moto. Como sou de Taperoá, começo a ver a descaracterização do vaqueiro, mas em Sumé ainda existe a tradicional pega de boi. É uma identidade cultural que eles criaram, de se reunirem uma vez por ano e fazerem uma festa, com competição e premiação”, explica.

O VAQUEIRO — A ALMA DO SERTÃO
- De Antônio David
- No Sesc Cabo Branco (Av. Cabo Branco, 2788, Cabo Branco, João Pessoa – 3219-3400)
- Abertura na sexta-feira, às 19h. Entrada franca.

Pega de olho

A exposição é fruto de três anos de produção, dado que a pega de boi de Sumé só acontece uma vez a cada ano. Vestidos a caráter — com gibão, botas, e chapéu de couro —, os vaqueiros da região são convidados a encontrar o boi desgarrado, ao pé da porteira, às 15h. Nesse horário, a rês é solta para percorrer os caminhos espinhosos da Caatinga, entrecortados pela densa cobertura da jurema-preta. Dali em diante, os vaqueiros se lançam à captura do animal, embrenhados na mata fechada em busca da glória de sagrar-se campeão, pois quem consegue sair primeiro da mata, vence.

Enquanto os vaqueiros se concentram em resgatar a rês, Antônio lança o olhar perscrutador sobre as minúcias do evento. “A gente fica olhando de perto, mas não entra. Pego a entrada e a saída dos vaqueiros”, explica. Num processo criativo cuidadoso, quase científico, David vai muito além do manejo técnico da câmera. Ele conta que, primeiro, faz um estudo étnico de suas personagens, dos formatos do rosto e de suas vestimentas, o que acaba por revelar as distintas personalidades dos sujeitos envolvidos a um nível antropológico.

Antes do instante mágico do clique, o fotógrafo precisa articular um planejamento e o estudo de ângulos, sombra e luz que deseja extrair daquele ambiente. Afinal, só foram três oportunidades anuais para a construção do trabalho. Fotógrafo experiente, calejado nas trilhas dos diários por onde passou, a exemplo do extinto O Norte e de  A União, aprendeu a laçar o olho do espectador com esmero, como bem denota a descrição de algumas das cenas que grafou com luz: “O vaqueiro tem um diálogo muito intenso com o cavalo. Ele acaricia a orelha do cavalo, seu lombo; demonstra carinho. Quando a rês passa, o cavalo corre atrás em disparada. O cavalo é uma coisa possante. Ele tem uma resistência e encosta mesmo em cima, não tem medo do gado”.

A vitrine de David

Antônio David considera uma exposição como sendo uma vitrine, feita para “mostrar aquilo que está escondido, lá no cantinho do interior”. Como ele observa, as pessoas do lugar dialogam entre si e conseguem transformar a festa em um evento de importância para toda a comunidade. Os três anos de observação deixaram claro para o fotojornalista que a pega do boi é muito mais do que o ajuntamento de pessoas com a finalidade do puro entreter, como acontece no caso das vaquejadas. Em Sumé, o propósito é fortalecer os vínculos sociais, em prol da construção de uma identidade cultural. “Além de tudo, é um esporte muito bonito, porque eles são uns verdadeiros heróis em cima da cela. Você se emociona ao ver o vaqueiro destemido enfrentar a jurema-preta”.

Gregório Diniz, pai de Antônio David, era fotógrafo profissional em Taperoá e deixou para o filho a magia de enxergar o mundo a partir de outros ângulos. “Comecei a aprender a fotografia com o meu pai. Eu terminei o ginásio, saí para Campina para fazer o primeiro e segundo científico e comecei a me meter em movimentos fotográficos. Depois fiz teste no jornal O Norte e lembro que, quando chegavam os jornais do Sul (revista Manchete, JB, Fatos e Fotos), eu sempre olhava a primeira página. Aprendi muito também com o cinema”, rememora.

De lá para cá, Antônio já ganhou diversos prêmios, dentre os quais o primeiro lugar no cobiçado Prêmio Nacional do oitavo concurso Leica — Revista Fotografe Melhor (2011), e publicou os livros Antonio David — 30 anos de Fotojornalismo (2007) e o já citado O Ser e o Mar. Para ele, só se pode denominar alguém como fotógrafo quando este consegue nos emocionar com suas fotos, mostrando o lado humano por trás do registro: “Eu tento mostrar que existe muita injustiça, e a fotografia, para mim, sempre foi denúncia. Ela existe para dizer: ‘Estou aqui e estou testemunhando tudo’”.

Ele diz que O Vaqueiro rendeu fotos suficientes para montar um novo livro com o tema abordado na exposição, mas que é necessário o financiamento por meio de projetos junto a parceiros maiores, como bancos, já que as publicações de trabalhos fotográficos são quase sempre onerosas. Ao convidar o público para prestigiar a sua vitrine, Antônio ressalta a importância da troca de olhares e sentimentos como parte do objetivo de suas fotos, qual seja o de transportar o espectador para a realidade da pega de boi: “Espero transmitir para as pessoas a mesma sensação que eu senti, já que a fotografia é a expressão do que você viu com um olhar seletivo”. 

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 04 de julho de 2024.