Quando o jornalista, escritor e antropólogo pessoense Phelipe Caldas estava escrevendo O menino que queria jogar futebol: uma história de fé e superação (2018), ele já percebia a carga cinematográfica que o enredo possuía. “Em diálogos com amigos e escritores durante o processo de produção do livro, numa espécie de ato falho, eu sempre me referia a trechos do livro como cenas”, lembra o autor. Esse potencial se confirmou, e hoje começam, em São Paulo, as filmagens de Inexplicável, obra que conta a história real de um paraibano jogador de futebol mirim que escapou da morte por um tumor cerebral depois de ser desenganado pelos médicos.
A direção é do cineasta carioca Fabrício Bittar, que em parceria com Danilo Gentili já lançou as comédias Como se tornar o pior aluno da escola (2017) e Os exterminadores do além contra a loira do banheiro (2018). Produzido pela Clube Filmes, o elenco é formado por Eriberto Leão e Leticia Spiller, interpretando os pais de Gabriel Monteiro, o menino que queria jogar futebol. Ele, por sua vez, será vivido por Miguel Venerabile, ator que estava no ar recentemente na novela Mar do Sertão. O longa deve chegar aos cinemas apenas no primeiro semestre do ano que vem, mas o interesse pela adaptação do livro – que vinha sendo mantido em sigilo até então –, começou há três anos, e de uma forma inusitada.
“Eu estava no Twitter e chegou uma mensagem privada. ‘Meu nome é Fabrício Bittar, sou cineasta, conheci seu livro e estou com interesse de adaptar a história para o cinema’. E o primeiro contato foi assim, nós nem nos conhecíamos”, conta Caldas. E foi também através de buscas na internet que o realizador do Rio de Janeiro encontrou a obra que inspira Inexplicável. “Durante a pandemia, o diretor estava buscando boas histórias que pudessem virar filme. Ele colocou algumas palavras-chave no Google, encontrou meu livro e resolveu comprá-lo”. O roteiro é assinado por Bittar, em parceria com Andrea Yagui, mas contou também com a colaboração do escritor paraibano.
“Quando eles já tinham partes do roteiro pronto, eles me enviavam e eu dava uma lida. Fiz algumas sugestões e boa parte delas foi acatada. Mas, desde o início, eu dizia que entendia que se tratava de uma outra linguagem e que eles tinham liberdade para adaptar, e o filme está bastante fiel ao livro”, afirma Phelipe Caldas. Apesar de os direitos da obra serem exclusivamente dele, o autor só os negociou depois da autorização da família de Gabriel Monteiro. Caldas é amigo de infância dos pais de Gabriel e acompanhou de perto todo o processo de luta pela vida do menino, então com oito anos.
Apaixonado por futebol, torcedor do Fluminense e do Botafogo da Paraíba, ele chegou a ser campeão paraibano de futsal pelo Clube Cabo Branco, em 2013. Poucos meses depois da conquista, Gabriel recebeu o grave diagnóstico, apontado como irreversível. A criança chegou a ter uma parada cardiorrespiratória e teria atingido um estado clínico de morte encefálica. Mas, inexplicavelmente para o corpo médico que o acompanhava, ele sobreviveu. Gabriel superou um quadro próximo à falência de múltiplos órgãos e a um coma profundo. Seus pais são católicos e acreditam que a fé em Deus tenha sido fundamental para a recuperação do filho.
Phelipe Caldas sempre reconheceu que a história tinha força para render um livro, mas nunca havia sugerido escrever a respeito do caso por não saber como a família do garoto poderia lidar emocionalmente com isso. Mas, cinco anos depois, em 2013, depois de confirmada a remissão completa do câncer, o próprio pai de Gabriel pediu que Phelipe Caldas escrevesse aquela história. O processo levou quase um ano para ser concluído depois de mais de 50 horas de entrevistas com médicos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, religiosos, parentes, jogadores de futebol, além de prontuários médicos e acervos da família do menino.
Apesar de seu ateu, Caldas traz em O menino que queria jogar futebol relatos que relacionam a cura a uma intervenção divina, algo que é afirmado por profissionais de atuação internacional e por pesquisadores de universidades brasileiras. “O cirurgião que acompanhou Gabriel diz que a medicina não consegue explicar o que aconteceu. Que o que viu foi um milagre. Ele falou que Gabriel chegou a um ponto em que a literatura médica indica que é uma morte encefálica, e que poderia ter declarado a morte dele, mas que tentou reanimá-lo e Gabriel voltou”, conta Phelipe Caldas. Sem negar o caráter religioso desse discurso, a preocupação do autor foi para que o texto não ganhasse um véu de autoajuda.
Gabriel Monteiro completou 18 anos ontem. Hoje, está bem, saudável, jogando bola, tendo uma vida normal para um jovem de sua idade. Já Phelipe Caldas, autor de livros como Sobreviventes: contos sobre uma pandemia que parou o mundo, Academias de Bambu: boemia e intelectualidade nas mesas de bar, Além do Futebol: paixões, dores e memórias sobre um jogo de bola, se prepara agora para, nos próximos dias, ir a São Paulo. Ele vai se juntar a Gabriel Monteiro e a sua família para visitar o set de filmagens de Inexplicável e encontrar com a versão cinematográfica de cada um deles.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 20 de junho de 2023.