O Prêmio Oceanos de Literatura em Língua Portuguesa, sob a regência do Itaú Cultural, divulgou, há uma semana, os livros laureados em sua 23ª edição. Pela primeira vez em uma década, todas as obras premiadas são de autores brasileiros — autoras, para ser mais exato. Na categoria prosa, venceu o romance Ressuscitar Mamutes que a paulista Silvana Tavano publicou pela Autêntica Contemporânea. Já o segmento poesia reconheceu Longarinas, coletânea da alagoana Ana Maria Vasconcelos, lançamento da 7 Letras. Elas superaram mais de três mil concorrentes, que estiveram sob análise de três júris distintos.
Em Ressuscitar Mamutes, Tavano ressignifica um dos clichês mais utilizados pela literatura ocidental — a relação do filho com as memórias do pai morto. No caso do romance em questão, a autora modifica o gênero dos personagens principais, mas mantém, em foco, as relações familiares fraturadas pelo falecimento da matriarca e por outros acontecimentos anteriores ao fato. O texto é composto por um amálgama de referências e gêneros, que passeiam, inclusive, pela ficção científica.
O título curioso foi extraído de um dos trechos do livro, em que uma mulher madura, absorta nas lembranças da mãe, distrai-se com a possibilidade (e as implicações) de se trazer um animal pré-histórico de volta à vida. Mas, para Tavano, o personagem principal de seu projeto laureado é outro.
“O protagonista é o tempo, e quem conduz esse personagem é uma narradora que escolhe a mãe para encenar o enredo, já que a figura da ‘mãe’ contém todos os tempos em si mesma, uma eternidade presente em todas e todos nós”, revela.
Munida por 39 poemas, Ana Maria Vasconcelos, atomiza em poemas sucintos observações diversas sobre o cotidiano. Questionada pela reportagem sobre qual poema desta antologia é mais significativo para si, ela confidencia que teve de parar por alguns minutos para reler o livro todo, algo que não fazia desde o lançamento, em 2024.

- Ana Maria Vasconcelos faz observações sobre o cotidiano em poemas sucintos | Foto: Mik Moreira/Divulgação
“Em ‘7. Véspera’ eu articulo o mito que o nome do meu companheiro evoca, Ícaro, a ideia de queda amorosa e a própria Vênus e outros símbolos. É um poema especial por motivos óbvios, cuja resposta é a foto de capa do Longarinas, de autoria dele. Um diálogo habitando o livro”, pontua.
Ao longo dos anos, o Oceanos modificou sua configuração mais de uma vez — dos múltiplos premiados da primeira edição, passando pelo ranking de três obras, desaguando na dupla premiação para prosa e verso. Em 2020, a escritora Maria Valéria Rezende, santista radicada na Paraíba, amealhou o terceiro lugar com o romance Carta à Rainha Louca (Alfaguara). Celebrando e comentando o prêmio, Silvana Tavano ainda aponta para o fato de que, também pela primeira vez em mais de duas décadas, ambas as vencedoras são do sexo feminino.
“Destaca-se essa presença na literatura e a participação cada vez maior e mais relevante de escritoras que hoje se fazem ouvir com múltiplas vozes”, assevera.
Ana Maria Vasconcelos, por sua vez, assinala o fato de estar dividindo esse momento com Tavano, sustentando ainda que a visibilidade do Oceanos serve não somente a elas, mas a todo o segmento feminino da literatura lusófona. “Estamos numa época em que o retrocesso nos assombra; portanto, esses momentos de vitória são sim muito importantes. Fico feliz de poder, além de tudo, levar o nome do meu estado e de alguma forma incentivar a leitura e a escrita entre os meus conterrâneos e as minhas conterrâneas”, conclui.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 17 de dezembro de 2025.

