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‘Baile do Menino Deus’

Ópera popular terá paraibano no palco

publicado: 20/12/2023 09h03, última modificação: 20/12/2023 09h03
Tradicional espetáculo natalino pernambucano, que já teve as participações de nomes como Elba Ramalho e Chico César, celebra 40 anos de criação
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Auto de Natal tem referências teatrais e musicais na cultura do Nordeste brasileiro, como o frevo e o maracatu - - Foto: Hans Manteuffel/Divulgação
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Iniciativa foi criada há quatro décadas pelo diretor Ronaldo Correia de Brito (foto) - Foto: Hans Manteuffel/Divulgação
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Foto: Hans Manteuffel/Divulgação
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Evento será realizado gratuitamente no Marco Zero de Recife Antigo (PE), no próximo fim de semana; cantor e compositor Elon é um dos responsáveis pela abertura do espetáculo - Foto: Edson Matos
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por Joel Cavalcanti*

Todo final de ano, uma multidão se reúne no Recife (PE) para assistir ao Baile do Menino Deus, um auto de Natal que representa o nascimento de Jesus com referências teatrais e musicais genuinamente brasileiras, em especial nordestinas. O espetáculo acontece há exatos 40 anos e há duas décadas se apresenta gratuitamente para mais de 70 mil pessoas no Marco Zero do Recife Antigo. Durante esse tempo, nomes paraibanos contribuíram para o sucesso da encenação, a exemplo de Elba Ramalho e Chico César. Nos próximos dias 23, 24 e 25, sempre às 20h, será a vez do cantor e compositor Elon seguir esses mesmos passos.

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Evento será realizado gratuitamente no Marco Zero de Recife Antigo (PE), no próximo fim de semana; cantor e compositor Elon é um dos responsáveis pela abertura do espetáculo - Foto: Edson Matos

A ópera popular ocorre sob música e dança, conduzida por dois Mateus e um palhaço. Pastoris, presépios, lapinhas, cantigas e danças tradicionais se encontram com passos de frevo, maracatu, cavalo marinho e boi para criar uma versão única da história bíblica. Elon será um dos responsáveis pela abertura do espetáculo, cantando ao lado da recifense Surama Ramos. “É um espetáculo realmente grandioso e para a cidade do Recife toda. É um espetáculo muito bonito, de luz, de música, de grandes artistas, de dança, de orquestra, então para mim é uma maravilha e fico com o sentimento de alegria e de gratidão pelo convite para poder participar”, pontua o paraibano, que também formará o coro que acompanha outras diversas cenas no palco.

Elon recebeu o convite diretamente do maestro Rafael Marques a pedido do diretor e criador do Baile do Menino Deus, Ronaldo Correia de Brito. Eles procuravam uma voz mais grave, como a do baixo-barítono do paraibano natural de Pombal. “Eu vim de uma cidade de muita brincadeira. Participar disso remonta à minha infância, me leva de volta àquilo que eu observei na minha cidade, vendo o reisado se apresentar e todas as brincadeiras que fazem parte da cultura popular”. Mesmo sem saber desse histórico, o diretor do auto estava certo que Elon seria a pessoa certa para o que eles estavam procurando.

“Elon foi eu que descobri. Claro que escutei sugestões de dois diretores, um diretor musical e de um diretor técnico, porque são pessoas muito antenadas com a cena. O que nós temos tentado é trazer a cena brasileira contemporânea”, destaca Ronaldo Correia de Brito, escritor premiado que, em 1983, desenvolveu o auto de Natal ao lado de Assis Lima e Antonio Madureira, a partir de um disco com nove composições musicais e um livro com o texto dramatúrgico. A intenção era recuperar o universo do Natal brasileiro, que já vinha perdendo espaço com a influência da cultura dos Estados Unidos. Essa referência criou uma espécie de “Natal congelado” de Papai Noel, trenó, renas, pinheiros e muita neve durante o verão nordestino.

Um mundo sem porta

Durante os 60 minutos de encenação que mobilizam cerca de 60 pessoas no palco e outras 300 trabalhando diretamente na produção do Baile do Menino Deus, se narra uma história em que dois Mateus saem com 12 crianças à procura de uma casa onde estariam José, Maria e o menino Deus. A tentativa de abrir a porta dessa casa leva a um imaginário antropomórfico com a participação de três figuras clássicas do reisado: Jaraguá, Burrinha e Boi. “É um tema bem metafísico, que, na verdade, não é uma invenção minha, é um aproveitamento do reisado. Toda dramaturgia é construída em torno da busca por essa casa para que se faça a festa, para abrir essa porta. Tem uma questão muito desse nosso tempo. Na verdade, é uma busca por um mundo sem porta. Continuamos com essa mesma questão de achar a casa que seja de todos, o mundo de todos, e abrir a porta para celebrar um mundo sem porta, sem fronteira”, compara o diretor Correia de Brito.

Para representar essa inclusão, todos os anos o auto de Natal se renova para incorporar temas urgentes que estão em pauta na sociedade. Entre as novidades desse ano está a participação, pela primeira vez, de um ator indígena no papel de José. Neste ano, o escolhido é Caique Ferraz, que faz parte da etnia Fulni-ô, do município de Águas Belas, no Agreste de Pernambuco. Já Maria será interpretada por uma artista negra: Laís Senna, cantora, compositora, bailarina popular e atriz de 26 anos. Todos eles estarão caracterizados com figurinos afrofuturistas e terão a participação dos bailarinos de Okado do Canal, além do hip hop e do break.

Com todos esses elementos inseridos na cena da natividade, a produção abraça a cena urbana e periférica brasileira. Uma forma única de representação que deixa seu legado depois de 40 anos de história. “O que aconteceu durante esse período foi uma apropriação das pessoas de todas as classes sociais nesse espetáculo. Foi um reconhecimento do poder e da força da cultura popular. Hoje, quem participa do Baile do Menino Deus fala com propriedade disso, como algo apropriado e pertencido. Elas se orgulham porque essa é uma forma de expressão que foi valorizada”, conclui Ronaldo Correia de Brito.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 20 de dezembro de 2023.