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Opressão urbana em Cidade Cão

publicado: 18/09/2025 08h47, última modificação: 18/09/2025 08h47
Espetáculo nascido na Funesc tem duas apresentações amanhã, no Teatro do Sesc, em João Pessoa
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Peça foi montada como conclusão do Curso de Teatro da Fundação Espaço Cultural | Foto: Vitória Trajano/Divulgação

por Daniel Abath*

O espetáculo Cidade Cão tem nova apresentação em João Pessoa, amanhã, em duas sessões (às 15h e 19h), no Teatro do Sesc Centro, trazendo ao público uma narrativa fragmentada em quatro cenas independentes, mas unidas por um mesmo eixo: a violência em contextos urbanos. A entrada se dá mediante ingresso solidário (1 kg de alimento), destinado ao banco de alimentos do Sesc. A classificação é 14 anos.

Financiada pela Lei Aldir Blanc, a montagem é inspirada em contos de Luiz Vilela, Silvio Fiorani, Artur Azevedo e Gregório Bacic, e reúne 11 artistas, sendo oito atores e atrizes e três ‘traduartistas’ — uma atriz surda e dois intérpretes de Libras.

“A primeira cena é do conto ‘A cabeça’, que aborda a violência contra a mulher no ambiente urbano”, relata o diretor de Cidade Cão, Léo Palma. “Depois vem ‘Nunca é tarde, sempre é tarde’, que trata da produtividade incessante, de um movimento que não para e de uma personagem que está sempre atrasada para chegar ao trabalho”.

“De cima para baixo” é cena que aborda as relações de trabalho e as hierarquias que sustentam opressões verticais. A última, “Pequenas distrações”, mostra uma família que, movida pelo medo da violência, acaba tornando-se ainda mais violenta. As histórias escolhidas pelo grupo têm origem em textos que o diretor conhecia desde sua juventude, especialmente por meio de Contos da Meia Noite, extinto programa da TV Cultura.

A estreia da peça ocorreu no fim de 2023 como atividade de conclusão do curso de teatro da Fundação Espaço Cultural (Funesc), mas a receptividade levou os artistas a manterem o projeto em 2024. Sem um nome formal para o grupo, eles seguiram apresentando-se com recursos próprios até conquistarem o financiamento via edital.

O elenco atua lado a lado com profissionais que não apenas traduzem o texto para Libras, mas também integram a cena. “Eles são mais do que intérpretes. A gente usa o termo ‘traduartista’, porque eles fazem parte do elenco”, explica o diretor.

É o caso de Giselle Virginio, que ressalta a importância da acessibilidade no palco. “Quando a tradução não está à margem, mas se funde com a dramaturgia, o público surdo não apenas acompanha o enredo, mas vivencia a obra em sua totalidade”, ela diz. “Essa imersão amplia as possibilidades de leitura e de emoção, gerando pertencimento e garantindo que a experiência artística seja compartilhada de forma igualitária. O impacto é muito positivo: o espectador surdo se reconhece na cena e passa a ter acesso a camadas de sentido que só emergem quando a acessibilidade é pensada como parte essencial da criação artística”, acrescenta a atriz.

Conforme o diretor, o futuro do coletivo ainda é incerto após a circulação da peça, mas, por enquanto, o coletivo segue incitando o debate de um mundo cão pelos palcos da cidade.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 18 de setembro de 2025.