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Para começar a “aruandar”

publicado: 03/12/2025 09h42, última modificação: 03/12/2025 09h45
Fest Aruanda começa hoje com Fernando Morais autografando “Lula – Volume 1”

por Esmejoano Lincol*

Fernando Morais - Créditos para Eduardo Knapp.jfif
Fernando Morais está terminando o segundo volume da biografia do presidente Lula: ponto final será dado em João Pessoa? | Foto: Eduardo Knapp/Divulgação

A 20a edição do Fest Aruanda abre sua programação hoje, em João Pessoa. Quem também comemora esse momento é o escritor e jornalista Fernando Morais. Ele chega à capital para autografar o livro Lula – Volume 1, biografia lançada há quatro anos com a história pregressa do presidente brasileiro; ele encontra o público às 18h30, na área VIP do Cinépolis do Manaíra Shopping. Numa entrevista exclusiva para A União, ele revela que o segundo volume da obra está quase pronto e que o “ponto final” deste novo projeto será dado aqui, durante o festival. A cerimônia de abertura do Aruanda está marcada para as 20h; na sequência, serão projetados dois filmes: o curta-metragem Index, de João Lobo; e o longa-metragem Ary, de André Weller.

De 2011 a 2021, Morais teve encontros presenciais com Lula. Durante as entrevistas, o biógrafo extraiu informações essenciais do passado do presidente. Ao mesmo tempo, ele acompanhava e reportava, em tempo real, tudo o que acontecia nesse período: o rescaldo de seu segundo mandato e os primeiros quatro anos com Dilma Rousseff na presidência; a derrocada de sua sucessora e as acusações perpetradas pela Operação Lava Jato; a frustrada candidatura em 2018, seguida de sua prisão; e, por fim, a anulação da condenação. Lula é sempre surpreendente. Cada vez que tenho a oportunidade de falar com ele vem com um mosaico a mais de sua personalidade grudado na minha memória”, ele resume. 

O primeiro contato com o seu futuro biografado aconteceu em 1975, durante visita ao sindicato dos jornalistas do qual Morais fazia parte. “Chamou a atenção que aquele metalúrgico se abalasse lá do ABC para se solidarizar com uma categoria profissional que não era a dele e que, naquele momento, estava sob a lupa da mais cruel repressão. Naquele gesto, era possível identificar nele um personagem singular”, rememora. O escritor continuou acompanhando, a princípio como espectador, momentos-chave da trajetória de Lula, como sua primeira prisão, em 1980. “Foi uma clara lição a respeito de qual era o país em que estávamos vivendo: uma ditadura a serviço dos patrões, contra os trabalhadores”, sustenta.

Paralelamente à ascensão de Lula na política, Morais trilhava trajetória similar, como deputado e gestor público, sem abandonar o ofício da escrita, trazendo a público relatos sobre figuras relevantes. Alguns dos títulos remontam: Olga Benário Prestes (em Olga, de 1985); Assis Chateaubriand (Chatô, 1994); e Paulo Coelho (O Mago, 2008).

“Cada autor escolhe seu biografado por suas razões pessoais. Para mim, o personagem deve permitir que, por meio de sua vida e de sua trajetória, seja possível contar um pouco da história do Brasil. Lula, como Getúlio e como Dom Pedro II, é desses personagens que nascem uma vez a cada 100 anos. E personagem que não dá susto no leitor não me interessa tanto”, justifica a escolha.

A proximidade entre Morais e o entrevistado numa década em que o pernambucano e filho de dona Lindu foi do “céu ao inferno”, antes de resgatar sua popularidade e seus direitos políticos, permite ao biográfico analisar a evolução de seu personagem. Assim como o primeiro cárcere, a segunda estadia na prisão, por mais de 500 dias, foi crucial para Lula.

“Escrevi que o homem que deixava a cela de Curitiba era melhor do que o que entrou. Lá ele leu centenas de livros, anotando eacompanhando a narração em um grande atlas e tendo à mão um dicionário. Lula saiu da cadeia com uma clara noção do caráter imperialista das grandes potências e com um sentido agudo do papel que o Brasil joga”, assevera o biógrafo.

Numa entrevista anterior para A União, quando do lançamento de Lula – Volume 1, Fernando Morais confidenciou para o repórter Guilherme Cabral que o presidente não havia interferido de maneira alguma no material bruto e que, àquela altura, não tinha dado qualquer feedback sobre o resultado final. De 2021 para cá, pouca coisa mudou: o personagem principal segue em silêncio. E o autor também não espera mais.

Lula 2 está praticamente pronto. Estou nos capítulos finais dele. Comecei a escrever em Ilhabela (cidade paulista) e vou terminar em João Pessoa. Aliás, devo confessar que João Pessoa é a única capital que me faria mudar de São Paulo. Morar aí é uma tentação da qual ainda não me livrei”, concluiu. 

Filme de abertura é doc sobre Ary Barroso

O longa de abertura do Fest Aruanda, Ary, do músico e diretor André Weller, mescla documentário e ficção para trazer à tona a trajetória do compositor Ary Barroso. A descoberta do legado de seu personagem por Weller deu-se por meio das regravações de faixas clássicas por ases da MPB — o maior exemplo, o disco Aquarela do Brasil, de Gal Costa.

“Meu primeiro curta, No Tempo de Miltinho [sobre o mítico intérprete] ganhou o festival É Tudo Verdade. Na volta pra casa, me perguntei qual dos grandes músicos e musicistas brasileiros poderia ser personagem no meu próximo projeto: surgiu a ideia de Ary”, aponta.

O mergulho na história de seu novo biografado deu--se por meio do jornalista Sérgio Cabral, que lhe apresentou Mariúza Barroso, filha de Ary. Por meio desse laço, Weller acessou a casa da família e conseguiu dedilhar, ele mesmo, o piano que pertenceu ao instrumentista — performance incluída no corte final do filme.

“Marcio, neto de Ary, não só acompanhou a produção como fez parte da equipe, atuando como um importante consultor e parceiro. Assistiu ao resultado final e se emocionou bastante. Estivemos juntos recentemente fazendo o lançamento, na terra natal de Ary: a cidade de Ubá, Zona da Mata mineira”, informa.

Dentre as curiosidades assinaladas no documentário, estão a indicação ao Oscar por “Aquarela do Brasil”, em 1943, e o posterior sucesso em terras estadunidenses, bem como seu ofício exitoso, mas pouco mencionado, como locutor esportivo. Todas essas informações são pontuadas por meio de cartas e colunas jornalísticas, sob a narração do ator Lima Duarte, que faz as vezes do protagonista.

“Ambos vieram do interior de Minas Gerais, começaram nas rádios [onde trabalharam juntos uma ou outra vez] e foram para a televisão. Venceram no Rio de Janeiro e explodiram no mundo: Lima com as novelas, Ary com as músicas”, compara.

Essas “conversas” ao pé de ouvido, conforme define Weller, são ilustradas com imagens do século 20, entrecortadas por sequências encenadas. Nestas, atores complementam a trama, ficcionalizando lances da vida de Ary antes do estrelato. O diretor justifica a linguagem mista por meio da personalidade plural do compositor — “fora da caixinha”, define.

“Ele é ‘filho’ da cultura poderosa do rádio brasileiro, daí começar o filme com uma cena de radionovela, encenada por Dira Paes e Stepan Nercessian, que conta a trágica história do menino Ary, orfão de pai e mãe aos oito anos de idade”, declara.

Sobre o público mais jovem, que pouco sabe ou que mesmo desconhece as histórias retratadas no longa, André Weller sentencia que Ary, o filme, é uma importante ferramenta de conexão deles com Ary, o artista.

“As Olimpíadas do Rio de Janeiro (em 2016), começaram com Caetano e Gil cantando ‘Aquarela do Brasil’ e encerraram com Anitta interpretando ‘Isso aqui o que é’, ambas escritas por ele. Por que não ligar as composições ao seu autor? É mais do que necessário conhecer este homem que inventou o ‘Brasil brasileiro’, ainda mais no momento em que estamos recuperando os matizes da nossa bandeira”, resume.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 3 de dezembro de 2025.