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Para descobrir Santa Rosa

publicado: 08/09/2025 08h45, última modificação: 08/09/2025 08h45
O histórico designer, pintor e cenografista paraibano ganha exposição com diversas de suas obras no Sesc Cabo Branco
2025.08.29 Exposição Tomas Santa Rosa © João Pedrosa (7).JPG

Obras de Tomás Santa Rosa na exposição que está em cartaz | Fotos: João Pedrosa

por Daniel Abath*

Entre as décadas de 1930 e 1950, um intelectual afro-paraibano decidiu deixar de lado os cálculos frios da matemática financeira para revolucionar a história das Artes Visuais no país, sendo por muitos considerado como o pai do moderno design gráfico no Brasil. A mostra Da Linha e da Cor, aberta à visitação pública desde o dia 28 de agosto, na galeria de exposições do Sesc Cabo Branco, na orla da capital, propõe elucidar a apaixonada existência e a produção atemporal de Tomás Santa Rosa Júnior (1909–1956), por meio de um raro acervo de suas criações. Integrante do projeto Sesc Grandes Nomes, a exposição pode ser vista todos os dias, das 9h às 17h, e segue aberta até o final de setembro.

Procurado pelo colecionador Gottfried Stützer Júnior, o Sesc Paraíba atendeu à demanda do aficionado pela obra do paraibano, que ora promove uma série de eventos lembrando os 70 anos de morte do artista. “Ele propôs ao Sesc iniciar essa série de comemorações com a exposição de um recorte do acervo de Santa Rosa”, afirma Paulo Aurélio, curador da mostra.

“A minha linha de pensamento teria de ser bem didática porque as pessoas não sabem quem foi Tomás Santa Rosa”, atesta ele que, auxiliado pelo coordenador de design gráfico da Editora Universitária da UFPB, Rildo Coelho — pesquisador de vida e obra do artista há mais de uma década —, pôde encontrar caminhos para abordá-lo.

Dada a variedade de interesses e paixões de Santa Rosa (música, teatro, carnaval, literatura), a solução foi subdividir a exposição em três núcleos temáticos — design, cenografia e pintura. De tal forma que a mostra reúne objetos, esboços de figurinos e cenários teatrais, pinturas e desenhos de sua lavra, totalizando 35 obras da diversificada coleção.

“Foi um desafio porque partimos de um acervo de colecionador. Uma coisa é você fazer uma curadoria de um artista vivo, porque você dialoga com ele, tudo é construído junto com o artista. Nesse caso foi mais complicado, mas eu tenho certeza de que onde Tomás Santa Rosa estiver, ficou muito feliz”, diz o curador. Afinal, como registra Walmir Ayala em Dicionário de Pintores Brasileiros (editora UFPR, 1997), citado pelo professor Luís Bueno em seu Capas de Santa Rosa (Ateliê Editorial e Edições Sesc, 2015), não há qualquer registro de exposição individual do artista em vida.

Quem foi Santa Rosa?

Nascido em 20 de setembro de 1909, na capital então chamada Parahyba, Santa Rosa foi uma personalidade migratória. Assumiu primeiro, no palco da vida real, o papel de bancário, trabalhando em agência do Banco do Brasil do Recife, da qual tentou transferência para o Rio de Janeiro. Negado o pedido, foi movido para Maceió (AL) — vindo a ser colega de trabalho do marido de Rachel de Queiroz (1910-2003) — mas não desistiu de seu desejo de ser artista: largando o emprego, fez morada no Rio, em 1932, e alguns meses depois, já em 1933, iniciou sua carreira na indústria editorial de livros.

Nessa época, mesmo entre os autores modernistas, as capas dos livros eram dominadas pelo design meramente tipográfico, mesmo que já houvesse trabalhos com o emprego de ilustrações.

Capas de Santa Rosa apresenta-nos sobretudo o intelectual como um leitor minucioso (em vários idiomas) das obras de seu tempo. Em cerca de 300 artes, algumas minimalistas, outras rigorosamente elaboradas, suas vinhetas e ilustrações estabeleceriam os moldes de layout de capa dos principais livros brasileiros das décadas de 1930 e 1940, como os do conterrâneo José Lins do Rego (1901-1957), em Menino de Engenho e Banguê.

Sintetizando enredos, em exímia capacidade de fazer dialogar o leitor--artista com os inumeráveis leitores da época, Santa, como era conhecido entre os amigos, faria história na editora José Olympio (mas não apenas nela, visto que colaborou com a Editora Pongetti de 1937 a 1955, entre outras). Quase todas as capas das obras de ficção dos anos 1930 vieram pelas mãos dele, o que o coloca na posição de artista gráfico mais importante de sua geração, em trabalhos com autores nacionais como José Américo de Almeida (1887-1980), Jorge Amado (1912-2001) e Graciliano Ramos (1892-–1953), bem como de romances estrangeiros e biografias.

Pós-moderno

Santa Rosa apareceu para Rildo Coelho em 2013, quando o designer visitava uma feira de livros em Olinda, no lançamento da 100ª edição de Menino de Engenho. “Eu me encantei com o projeto de capa, com uma ilustração belíssima. Fui verificar na ficha técnica quem era o autor daquela ilustração”, relembra ele, que foi “googlar” ao chegar em casa. “Eu me deparei não só com um ilustrador, mas com um gênio da cultura e da arte brasileira e comecei a me indagar como é que eu não conhecia esse grande ilustrador, cenógrafo e artista plástico. Fiquei chocado”. 

Santa Rosa: um pós-modernista quando todos eram modernistas

Tornou-se uma boa obsessão. Rildo logo acessou um sebo e descobriu uma biografia do artista — Santa Rosa em Cena (1982), de Cássio Emannuel Barsante. Comprou o livro, tomou pé da grandeza de Santa, escalou em leituras e descobriu um núcleo de pesquisa que guardava cerca de 23 cartas pessoais de Santa Rosa, no que veio a se tornar sua dissertação de mestrado em Ciência da Informação, intitulada “Santa Rosa da linha e da cor: o passado presente por meio da escrita autobiográfica”.

“Eu já não tinha mais alguém falando sobre Santa Rosa. Era possível ‘ouvir’ Santa Rosa pela escrita”, comenta. De lá para cá, Coelho vem costurando o que chama de “colcha de retalhos de Santa Rosa”, imerso em diversos estudos espalhados pelo país. Apesar de não ter dificuldade em amar Van Gogh (1853-1890), é muito caro o amor ao mestre que andou pelas mesmas calçadas da Rua da Areia que ele pisou.

“Santa Rosa está junto de Candido Portinari, de Tarsila do Amaral, de Lasar Segall. Convivia, almoçava com essas pessoas, mas ele tem a particularidade de ter trabalhado com diversas frentes de criação, o que fez com que sua obra não se aprofundasse tanto. Mas isso não diminui a obra dele. Santa Rosa foi pós-moderno quando todo mundo era moderno”, conclui Coelho, que participou, em 2023, do evento “Da Kutanda ao Quitandinha”, maior exposição de Santa Rosa nos últimos anos — realizado no Hotel Quitandinha, em Petropólis (RJ), que abriga em suas dependências o maior afresco pintado pelo artista.

Além de artista gráfico, Santa Rosa foi ilustrador de ficção e poesia em livros, revistas e jornais. Também exerceu importante papel na fundação do Teatro Experimental do Negro, de Abdias do Nascimento (1914-–2011), colaborando com figurinos e cenários junto à iniciativa.

O ano de 1939 foi o de maior produção para o artista enquanto capista. Café-Society Confidencial (1956), livro de crônicas de José Mauro Gonçalves, foi sua derradeira capa.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 7 de setembro de 2025.