por Joel Cavalcanti*
"O que significa para você um corpo-xepa?” Essa é a fagulha que dá início ao processo de pesquisa do novo espetáculo da companhia Parahyba Rio Mulher, grupo de teatro paraibano formado exclusivamente por mulheres. Depois do experimento cênico virtual Eu-Casa, o grupo vai ter como grande novidade a direção de Eliana Monteiro, renomada diretora do Teatro da Vertigem, de São Paulo. Denominada de Xepa, a nova montagem vai explorar as questões que cercam o corpo feminino marcado por traumas, abusos e violência sob a óptica de um mundo pós-pandemia.
Na feira livre, os produtos perecíveis são manuseados e rejeitados pela população devido à sua imagem e formas imperfeitas para, então, terem o seu valor depreciado no mercado e serem vendidos a um preço inferior. O que sobra e é descartado ao fim da feira? E o que sobra dos abusos sofridos no corpo da mulher? Essa é a imagem criadora da metáfora que alimenta a montagem de Xepa. Sendo planejada para ter apresentações nas ruas da cidade, o espetáculo vai investigar também como o corpo se relaciona com o espaço urbano.
A criação da dramaturgia ocorre de forma coletiva e é costurada a partir das provocações causadas pela diretora. “Nós não sabemos qual é o destino final. A gente se joga no processo para, a partir dessas histórias, minhas e das outras atrizes, ir cruzando-as para que a gente vá montando esse trabalho conjunto. A gente não sabe pra onde vamos, mas vamos juntas”, descreve Jinarla, que participa do Parahyba Rio Mulher com Natália Sá, Kassandra Brandão, Cely Farias e Gabriela Arruda.
“Tudo se resume ao que a gente vive, as bagagens que vamos acumulando. Quando a gente recebe esse tipo de provocação a gente olha pra dentro para enxergar qual ímpeto que nos move para encontrar uma resposta”, complementa Jinarla, que também é percussionista no grupo de maracatu chamado Coletivo Maracastelo, e tem na música uma das linguagens de suporte para a criação de suas intervenções cênicas. A atriz tem usado da performance para buscar os argumentos artísticos para responder aos questionamentos sugeridos. Outras atrizes têm ainda utilizado de seus repertórios pessoais e reagido através de textos, dança e recursos audiovisuais.
Com encontros realizados inicialmente apenas de forma virtual, Eliana Monteiro deve vir a João Pessoa no mês de maio para a realização de uma imersão completa para o desenvolvimento da linguagem de expressão representativa de Xepa. Na oportunidade, a profissional deve realizar um workshop para 20 mulheres artistas paraibanas com a intenção de investigar as questões do feminino a partir do processo de criação do teatro. Com montagens que ganharam prêmios Shell e APCA, a diretora se notabiliza pela utilização de espaços urbanos não convencionais e com base no depoimento pessoal dos seus integrantes, investigando uma maneira de fazer teatro colaborativamente entre atores, dramaturgos e encenadores. Eliana vem, ao longo dos últimos anos, consolidando também um trabalho sobre a temática feminina e antimachista.
A parceria entre ela e o grupo paraibano começou ainda em 2018, quando a profissional, que é coordenadora de Centros Culturais e Teatros da Cidade de São Paulo, assistiu à peça Parahyba Rio Mulher, que fazia turnê na capital paulista. O simples encontro informal das atrizes com a diretora fez com que desencadeasse uma série de novos questionamentos que levou o texto do espetáculo a ser modificado. “Ela acrescentou muito nesse trabalho e, como essa perspectiva de voltarmos à rua, foi o primeiro nome que pensamos para colaborar. Somos fãs que se tornaram colegas de trabalho”, considera Jinarla.
O primeiro ensaio aberto de Xepa, que não significa a finalização do processo criativo, está programado para ser apresentado gratuitamente no mês de junho em espaço público de João Pessoa. Esse projeto foi contemplado pelo edital Parrá da Secretaria de Estado da Cultura da Paraíba (Secult-PB), através da Lei Aldir Blanc.
O grupo com três anos de fundação carrega em seu histórico a montagem do espetáculo Parahyba Rio Mulher, que apesar de ser um espetáculo de rua, foi quase que completamente construído de maneira remota, através de chamadas de vídeo. A peça contava a história do estado da Paraíba por meio do olhar de Anayde Beiriz. Já a experiência Eu-Casa consolidou a metodologia de trabalho já experimentada pelas atrizes, no qual os lares do elenco eram percorridos ao vivo de forma virtual e interativa através da plataforma digital Zoom, e utilizando-se também do WhatsApp, Instagram e YouTube.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 02 de março de 2022