por Gi Ismael*
Juntos, os termos blockchain, hardware, criptomoedas e robótica remetem, imediatamente, à computação e às ciências exatas. Para o artista plástico H4wnee, nome artístico de Raunny Souza, 30 anos, essas palavras são ferramentas de trabalho para quadros e esculturas que retratam o mundo através do incômodo.
Nascido em João Pessoa, H4wnee trabalhou durante 10 anos como designer e diretor de arte no ramo publicitário. Nesse meio tempo, percorreu por áreas artísticas como a música e a literatura até que, em 2016, mudou-se para São Paulo e hoje atua como artista plástico em tempo integral. “Venho de uma família ortodoxa cristã, sou cria do bairro Ernani Sátiro, zona periférica de João Pessoa. Na adolescência, fui morar em Cabaceiras com minha mãe e irmãos e lá tive meus primeiros contatos com artesanato e cultura popular. Mais tarde, volto para João Pessoa onde eu começo a desenvolver minha percepção sensível e uma pesquisa estética”, contou.
Termos ligados à computação são ferramentas de trabalho para quadros e esculturas que retratam o mundo pelo incômodo. Foto: Divulgação
“Eu me reconhecia como potencial criativo e era o suficiente para transitar nas bolhas artísticas e na coleta de símbolos. Expressei-me em várias linguagens por inquietação genuína, mesmo, e até hoje continuo nesses exercícios de liberdade. Percebo que tudo isso ajuda em minhas criações”, comentou.
Em maio deste ano, o artista lançou sua primeira exposição solo, a ‘Utopias Piratas’, na Nós Galeria, em São Paulo. As obras escolhidas abordam temas como desigualdade social, religiosidade e tecnologia através de sobreposições de materiais. “Eu não faço muitas paisagens esperançosas na minha arte. Na verdade, é uma visão do mundo em total colapso. Não busco o belo, busco o ruidoso. São especulações sobre para onde está indo a humanidade”, explicou. Com linguagem que aponta para a ironia, ele disse ainda que tenta mimetizar as coisas para ser tão ridículo ao ponto das pessoas não quererem seguir esses passos”.
Sua vida em terras paraibanas é presença forte em suas obras. “A paisagem sertaneja sempre me influenciou, principalmente o lado da escassez; ver meus irmãos e amigos criando com quase nada ou trabalhando com a matéria prima do que a terra dava… Já o Ernani Sátiro me propôs muita bagagem visual. A moda, as pessoas daquele lugar e como conseguiam se reinventar num processo também de escassez. As motos, as roupas, esses signos aparecem de forma diluída e fragmentada na minha arte”, contou.
Foi no Ernani Sátiro onde H4wnee teve seus primeiros contatos com eletrônica, uma vez que seu pai é eletricista. Mas a autopercepção enquanto artista-hacker só veio anos depois, quando passou a explorar diferentes possibilidades em suas obras. “Quando cheguei em São Paulo, e tive contato com cerâmica e com componentes eletrônicos, eu não pensava em robótica. Era algo que me fazia discutir a estética das coisas e como esses equipamentos se comportavam. Senti que a evolução natural do meu trabalho seria se eu fizesse parte ativamente da comunidade robótica e não apenas especulando o design das coisas. Quando senti essa necessidade, fui na Santa Ifigênia, que é um pico de São Paulo onde existem muitas possibilidades de coisas eletrônicas e tudo se encontra lá. Fiz uma feirinha de equipamentos de robótica. Comprei livros e comecei a estudar”, contou.
“Eu sempre tive a curiosidade de saber como as coisas funcionam, desde os meus brinquedos de criança. Hackear é entender a lógica de como algo trabalha e subverter o uso de alguma forma. Nos últimos tempos tenho estudado robótica e meu próximo passo é trazer movimentos interativos para os meus projetos artísticos”, complementou.
Enquanto está na Paraíba para as férias de verão, H4wnee trouxe em sua bagagem algumas de suas obras, que pretende reunir para realizar, em breve, sua primeira mostra individual na Paraíba.
NFTs e criptomoedas: a revolução no mercado das artes
Um gorila azul, de três metros de altura, no meio de uma estação de metrô em São Paulo: uma das mais recentes obras do artista paraibano
Um gorila azul, de três metros de altura, no meio de uma estação de metrô em São Paulo. Uma das mais recentes obras de H4wnee foi destaque na mídia nacional quando levou discussão social para uma das mais movimentadas linhas da cidade. A instalação foi feita com fibra de vidro, tinta acrílica, ferro e peças mecânicas. “Há cinco anos, uma parte desse tempo sendo camelô, eu percebo a hostilidade praticada pelos seguranças dos metrôs contra os ambulantes e isso sempre me causou repúdio. Observava de perto a política preconceituosa desses espaços. Um dia, surgiu a oportunidade de expor umas obras na linha amarela, a mais hostil, e me veio à ideia de colocar um ambulante gigante na entrada da estação, uma espécie de Diógenes de Sinope negociante de criptomoedas”, contou. O cínico filósofo da Grécia Antiga, contam os livros de história, uma vez foi visto pedindo esmolas para uma estátua e se justificou dizendo que fazia isto pois, eventualmente, ele se acostumaria a ficar de mãos vazias e a não depender de ninguém.
As criptomoedas não fazem parte apenas figurativamente do trabalho do escultor. Em 2021, H4wnee tornou-se o primeiro artista paraibano a lançar uma NFT, em outras palavras, um “token não fungível”. O termo que virou assunto mundial simboliza uma espécie de certificado digital de autenticidade e começou a revolucionar o mercado dos colecionadores de arte mundialmente. “NFT é um novo modelo de mercado. Não apenas de trabalhos artísticos ou itens virtuais, mas de qualquer coisa que possa ser fotografada ou gravada de alguma forma. NFT é também um ativo financeiro e suas transações funcionam por meio de uma tecnologia chamada blockchain”, explicou.
Isso acontece porque cada obra que possui o certificado pode ser revendida inúmeras vezes e o artista sempre recebe uma porcentagem em cima disso. O assunto tem sido polêmico, gerando inúmeras especulações acerca do impacto ambiental ou até da utilidade das NFTs. “O que não podemos negar é que as criptomoedas descentralizam o monopólio do Banco Central e podem gerar anomalias na economia mundial nos próximos anos”.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 31 de dezembro de 2021