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Vinil inédito marca as quatro décadas do programa de rádio responsável por projetar o rock dos anos 1980

Paralamas celebram o ‘Ronca Ronca’

publicado: 25/12/2022 00h00, última modificação: 29/12/2022 15h32
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Gravado originalmente no estúdio do ‘Ronca Ronca’ (RJ), em 1999, o LP apresenta um repertório com pegadas mais puxadas para o blues e possui músicas em inglês, além de composições como ‘Caleidoscópio’, ‘A dama e o vagabundo’, ‘O homem’, ‘Navegar impreciso’ e ‘Mensagem de amor’ - Foto: Foto: Divulgação

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por Joel Cavalcanti

por Joel Cavalcanti*

O que a gente vai tocar? Sugere uma aí, Maurício. Uma que seja simbólica da nossa relação”, pede Herbert Vianna antes de cantar ‘Caleidoscópio’, na primeira faixa do LP inédito Ronca Ronca apresenta Os Paralamas do Sucesso Ao Vivo, gravado em 1999, e que acaba de ser lançado em comemoração aos 40 anos da banda fundada no Rio de Janeiro e do programa musical Ronca Ronca. O Maurício em questão é Maurício Valladares, o radialista, fotógrafo e DJ que, em 17 de dezembro de 1982, lançou os Paralamas no programa de rádio responsável por projetar a geração do rock nacional da década de 1980.

O formato é o mais old school possível. O vinil, que apela para quem gosta de música e de senti-la com as mãos em sua versão física, com as capas, encartes e textos, possui áudio mono resultante de uma sessão realizada ao vivo há 23 anos nos estúdios da rádio Fluminense FM – “A Maldita”, e registrada inicialmente em fita K-7 que mantém as nostálgicas vinhetas da atração radiofônica. “Olhei para essa fita todos os dias desde 1999. Sempre me surpreendi com a interpretação da banda e com o repertório”, conta Valladares ao Jornal A União. Para receber os Paralamas naquele dia havia uma produção e aparelhagem de qualidade técnica superior ao que geralmente se tinha disponibilidade. Para gerar o vinil foi utilizada, ainda, uma tecnologia moderna de masterização para aprimorar o áudio.

“Esse disco ficou com esse caráter especial com um registro muito espontâneo e muito ousado das nossas experiências”, afirma o Paralama João Barone, que desde quando surgiu na cena musical chamou atenção de Valladares pelo virtuosismo com a bateria. O trio com Herbert Vianna e Bi Ribeiro teve a primeira chance de se tornar conhecido depois que o antropólogo pessoense Hermano Vianna, irmão de Herbert, levou uma fita demo com o trabalho do grupo para o radialista. “Quando ouvi a demo, eu percebi essa condição de sonorizar a história deles de uma forma muito atual, como estava sendo feito lá fora, porque o que dominava no Brasil em 1982 era o rock’n’roll clássico, tradicional”, lembra o radialista, que viria a se tornar o fotógrafo oficial da banda. É de Valladares, por exemplo, a autoria do livro de fotografias com 300 imagens que contam a história da banda em seus primeiros 25 anos.

A principal característica deste LP é que ele eterniza um momento singular na história dos Paralamas. O repertório tem pegadas mais puxadas para o blues, possui quatro músicas em inglês e conta com ‘Sunshine of your love’, do trio inglês Cream; ‘The tears of a clown’, de Smokey Robinson; ‘Sweet sixteen’, cantado por B. B. King; e ‘The end’, do The Doors, em uma fusão com ‘Eu quero ver o oco’, dos Raimundos. Além da já citada ‘Caleidoscópio’, as nove faixas no total têm ainda canções do “lado B” do grupo, como ‘A dama e o vagabundo’, ‘O homem’ e ‘Navegar impreciso’, além de ‘Mensagem de amor’. “O fã radical pode até estranhar e não gostar [do vinil] porque os caras sempre usaram o Ronca Ronca para poder colocar na pista algo que eles não fariam em nenhum outro lugar”, alerta Valladares. E o repertório escolhido já era em si uma forma de homenagem da banda ao seu fotógrafo, responsável por apresentar no início da carreira bandas de ska, as de rock mais modernas dos anos 1980, além de outras mais clássicas.

A apresentação funcionou como uma espécie de treino para a banda que começava a desenhar o que seria o acústico da MTV, a ser gravado naquele mesmo ano. “Na época, a gente resolveu fazer uma leitura menos óbvia do acústico, porque era um projeto que todo mundo repetia a mesma fórmula, de colocar músicas conhecidas com um violãozinho e bongozinho. E a gente resolveu fazer uma coisa mais ousada artisticamente”, remonta Barone, que levou para o estúdio uma experimentação instrumental com um tambor de música do Oriente Médio chamado derbake. O registro fonográfico é uma peça viva da história musical brasileira, que acerta ao preservar seus aspectos mais característicos daquele período. É só fechar os olhos e tudo vem, como diz a música de abertura.

Os Paralamas do Sucesso representa um momento crucial no qual o rock passou a ser visto como algo de fato brasileiro, com influências e estéticas próprias. Em um contexto histórico-musical que foi antecedido por Raul Seixas, Mutantes, Gilberto Gil, Caetano Veloso, que faziam a batida de rock com guitarra elétrica, a geração de 1980 ancorou o rock como algo nacional. São os méritos que os Paralamas dividem com Cazuza, Titãs e Cássia Eller, entre muitos outros. Mais do que compor esse cenário, o grupo influenciou de forma direta no universo cultural que completa quatro décadas, com detalhes que só quem acompanhou todo esse processo, como Maurício Valladares, é capaz de testemunhar. “Quando os Paralamas levaram ‘Você’ para o álbum Selvagem?, ninguém do público jovem da banda tinha ouvido falar em Tim Maia. Também não sabiam quem era Jorge Ben. Eu falo isso e as pessoas não acreditam: Tim Maia e Jorge Ben não eram nada”, assevera Valladares, que emenda: “Assim como eles levaram Chico Science. Eu me lembro de uma porrada de shows com Chico Science sentado ali do lado para dar uma canja. Assim como a primeira bateria do Marcelo Yuka, do Rappa, foi dada por Barone. Assim como eles trouxeram a Legião Urbana de Brasília. Se não fosse Os Paralamas, não existiria a Legião”.

Para Barone, que viu a maioria das bandas contemporâneas aos Paralamas serem encerradas, paradas ou estarem com as formações originais desconfiguradas, o rock nacional continua muito presente nos dias de hoje. “A gente continua vivo e pulsando. Por mais que, uma hora ou outra, tentem comparar equivocadamente o rock com outros fenômenos muito comerciais e representativos da grande massa populacional, mas os eventos do rock estão sempre muito concorridos”, pondera o músico, que admite um problema na renovação dos quadros de artistas, o que acaba deixando uma sensação de que as coisas estejam um pouco rarefeitas, pouco oxigenadas. “Mas tem muita coisa boa sendo feita e uma hora isso vai para o mainstream”, acredita Barone.

Depois de passar alguns anos com adaptações da turnê do álbum Brasil Afora (2009), os Paralamas decidiram fazer uma reformulação nos shows de estrada ainda antes da pandemia com Paralamas Clássicos. Com a abertura das restrições de distanciamento social, eles vêm com um repertório que continua focando nos maiores sucessos da carreira para celebrar as quatro décadas de fundação. “Esse ano a gente fez bastante shows e pudemos comprovar que ele estava muito bem costurado. Então, a gente está nesse momento mais efusivo, e estamos vendo isso acontecer com todos os nossos amigos, como os Titãs, o Ira! e o Biquíni Cavadão. Estamos nos encontrando na estrada como se fosse nos velhos tempos”, compara o baterista dos Paralamas do Sucesso.

João Barone garante que, na alta estação de verão, deve estar com esse show em João Pessoa, quando muito provavelmente os Paralamas devem passar pelas capitais do Nordeste. “O mundo mudou muito. Nós mudamos como pessoas, cada um com sua vivência e experiência de vida. Mas tem uma coisa que não mudou, que é a nossa entrega para a música, a nossa extremada satisfação com o que a gente faz. Esse disco, Ronca Ronca apresenta Os Paralamas do Sucesso Ao Vivo, é uma prova disso”. 

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 25 de dezembro de 2022.