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Pedra sobre pedra

publicado: 27/05/2025 08h29, última modificação: 27/05/2025 08h29
Samy Sah apresenta instalações, pinturas, vídeos ensaísticos e até poesia bordada na mostra em cartaz no Espaço Cultural
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A artista visual parte da própria palavra “pedra” para compor a sua exposição - Foto: dyodyo

por Daniel Abath*

“Quem inventou a palavra ‘pedra’?”. Reverberante, como som que se projeta às profundezas de uma recôndita caverna, o eco da pergunta lançada a si mesma pela multiartista campinense Samy Sah resolve encontrar, senão resposta plausível, ressonância refletiva em sua mais recente exposição, Do Caminho das Pedras a um Lugar Singular. A mostra está em cartaz desde a semana passada na Galeria Archidy Picado do Espaço Cultural, em Tambauzinho (JP), e segue aberta à visitação até o dia 27 de junho.

Os horários de funcionamento da galeria variam de segunda à sexta-feira, das 8h às 12h e das 13h às 21h, enquanto nos fins de semana e feriados vão das 10h às 16h. A curadoria é assinada pelo artista visual Dyógenes Chaves.

Vídeos ensaísticos, monotipias (técnica de gravura que cria uma imagem única e irrepetível) com giz de cera, pintura sobre papel e pedras e até mesmo uma poesia bordada sobre tecido compreendem as múltiplas linguagens da mostra, composta por oito obras que atribuem centralidade à pedra, tanto enquanto objeto material de intervenção artística quanto como metáfora para os temas da memória, linguagem e desconstrução.

A ideia para a exposição surgiu em 2022, quando Samy finalizou um produto para seu trabalho de conclusão do curso superior, o filme Ensaio sobre o Desastre. No processo de edição da obra, uma porção de arquivos ficou de fora do corte experimental do projeto, convertendo-se em material potencialmente aproveitável.

“Eu sempre soube que queria fazer algo maior com esse material, nesse formato de instalação”, afirma ela. “Quando surgiu o edital da galeria, acreditei que seria uma chance de fazer isso. Analisei a planta, tudo dentro da galeria, e vi que combinaria muito com o que eu queria fazer, que era inserir a questão dos vídeos, da linguagem cinematográfica, com elementos mais voltados para a instalação, como as pedras que foram inseridas e a inclusão de novos vídeos”, detalha.

Elaborada a partir do filme e igualmente inspirada por ele, a instalação trata da quebra de conceitos, definições, ideais e padrões, um impulso natural para Sah, que desde criança já se questionava a respeito da origem de algumas palavras que sempre lhe pareceram curiosas e intrigantes.

“Justamente a palavra ‘pedra’ era uma delas. Eu começo o filme através disso – quem criou a palavra ‘pedra’? Na verdade, acho que quando eu era criança queria saber quem definiu que aquilo era uma pedra e o que é que tem dentro dessa definição? Quem legitima essa definição?”, explica.

Cônscia no presente de que a linguagem engendra discursos e que o discurso é permeado por relações de poder que nos informam (leia-se ensinam) sobre as coisas, a artista percebe a solidificação dos múltiplos significados no mundo da vida. Entanto, contrapõe-os: “E a gente cresce com essas definições; vai crescendo, fazendo nosso próprio caminho, e descobrindo que nem toda definição é exata”.

Quebrando paradigmas

Samy Sah passou a se dedicar profissionalmente ao mundo da arte em 2016, ano em que entrou para o curso de Bacharelado em Arte e Mídia da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Antes da graduação, em outubro de 2016, já havia realizado uma primeira exposição que envolvia ilustração e bordado no Teatro Municipal Severino Cabral, na Serra da Borborema.

Depois disso, as experiências profissionais em paralelo ao curso começaram a aparecer – sua última mostra, Entre Telas, adentrou os salões em novembro do ano passado, focada na interligação entre coisas, pessoas, culturas, cores e sentidos.

A atual exposição é considerada pela artista como um salto qualitativo em relação ao caminhar por entre as pedras da sua trajetória. “Bem significativo entre os meus trabalhos, porque eu vejo que eu consigo elaborar artisticamente melhor essa questão de estar nas fronteiras das linguagens artísticas”, diz Samy.

Ela explica que seus trabalhos sempre se valem de técnicas variadas, desde a sua primeira incursão artística, dada com ilustração e bordado. Em outras ocasiões, propôs bordado, monotipia corporal e pinturas, além de pintura a óleo com fotografia.

“Eu sempre trabalhei assim, com técnicas de linguagens diferentes. No entanto, nessa instalação agora eu acredito que está muito mais costurada. Muito melhor situado esse espaço da fronteira. Está melhor entendido, melhor resolvido, vamos dizer assim”, destaca, atentando para uma crescente autoconsciência em sua produção.

Apesar das distintas obras, discerníveis no espaço da instalação, a multiartista enxerga as várias peças da mostra como uma única obra, compreendendo o todo como dotado de unidade concisa.

“A exposição transita em torno da dúvida”, afirma Dyógenes Chaves. “Nos vídeos que estão acessíveis na galeria por projeção em looping, a multiartista quebra uma pedra, literalmente, e mostra todo o processo de desconstrução do material. É um caminho de histórias pessoais e experiências imersivas, pesquisas e obras que já estavam em sua vida”, declara o curador, para quem as obras em vídeo, as monotipias em giz de cera e os pigmentos de terra sobre pedras que perfilam caminhos na instalação parecem erigir uma trilogia de perpétuo exercício experimental.

O produtor da exposição, Kal Yoga, afirma que a proposta alenta ainda a organização de visitas guiadas com escolas, uma oficina de monotipia e quem sabe a promoção de um diálogo com outros artistas que tenham poéticas e processos semelhantes.

“Samy é uma pessoa muito dedicada e muito coerente aos processos artísticos dela”, atesta Kal. “Foi um grande esforço de produção e logística, porque requereu muitos materiais, pedras de grandes dimensões, e toda uma equipe para conseguir estruturar essa exposição no tempo que nos foi dado. Mas deu certo e ficou muito bom”, ele considera.

Satisfeita com sua nova exposição, Samy Sah enaltece o lugar singular que vem trilhando ao longo do caminho, mirando a assunção do sensível pelo público:

“Eu espero duas coisas, em dois níveis diferentes. O primeiro é que o público realmente se entregue para a experiência da instalação, independente de ser um público voltado para a arte de forma profissional. Mas que o público esteja sensível ao texto que está no filme, às imagens dos vídeos extras – de quebra das pedras. Que toque de alguma forma e que saiam da exposição com esse sentido de que é possível quebrar e transformar coisas que parecem impossíveis de serem interrompidas no nosso caminhar”.

Onde:

  • GALERIA ARCHIDY PICADO (Espaço Cultural, R. Abdias Gomes de Almeida, 800, Tambauzinho, João Pessoa).

 

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 27 de maio de 2025.