Os dromedários são animais adaptados aos ambientes mais áridos, quase sempre transportando cargas enquanto atravessa o deserto em condições de escassez. A resistência às adversidades enfrentadas pelo mamífero de corcova oferece à recém-criada editora paraibana a metáfora ideal para quem se vale dela para cumprir a sua missão literária. “O dromedário carregando livros me faz imaginar o que era uma biblioteca nos tempos antigos e como os califas podiam levá-las pelo mundo. Sempre tive um fascínio pelo dromedário por conta da imagem da travessia. É um misto de simbologia com simpatia pelo animal”, explica o escritor e agora editor paraibano André Ricardo Aguiar.
Esse movimento de caravana literária vem ganhando cada vez mais novos adeptos. Mesmo que seja um processo tímido, está havendo uma diversificação de selos independentes na Paraíba, como provam casas como Arribaçã, Matria, Triluna, Ideia e Sanhauá, dentre outras – grupo que agora ganha a companhia da Dromedário. A demanda, porém, é ainda maior e permanece crescente, em um processo que se acentuou durante os anos de pandemia. Segundo dados do Clube dos Autores, plataforma de autopublicação, em 2019, a média desse tipo de produção era de 30 livros por mês no país. No ano seguinte, o número saltou para mais de mil obras mensais, fazendo a plataforma ultrapassar 72 mil títulos ao todo.
Esse parece ser mais um dos sintomas do monopólio no mercado editorial brasileiro, que tem sido marcado nos últimos anos por fusões em grandes empresas e redes de livrarias, com a dominação de atores internacionais, como a Amazon. As editoras independentes têm tomado para si o papel de promover a diversidade livrista em suas interfaces raciais, linguísticas, regionais e de gênero. “Não quero parecer uma editora genérica em que a pessoa chega com um dinheiro e com o interesse de publicar. É uma corda-bamba porque a gente precisa trabalhar de forma crítica. Essa é uma responsabilidade para se ter uma lógica que envolve a qualidade do material que estamos divulgando”, explica o escritor de Itabaiana radicado em João Pessoa e que é autor de livros de poemas, contos, crônicas e infantojuvenil.
“Estou mais na linha das editoras alternativas, seguindo um modelo de outros amigos editores. No futuro, eu não quero cobrar pelo livro, mas o livro vender e se pagar. Um dos meus influenciadores é o Eduardo Lacerda, da Patuá”, assume Aguiar. Eduardo Lacerda, a quem ele se refere, é um poeta paulista, dono de bar e já chegou a trabalhar até como camelô. A editora que inspira a Dromedário foi criada em 2011, não tem sede própria e nem vende os exemplares em livrarias. Nesse tipo de negócio, a tiragem dos livros é mínima e respeita uma demanda previsível. Mesmo quase sem ter outros funcionários, a Patuá já publicou mais de 1.700 títulos, conquistando três vezes o Prêmio São Paulo de Literatura, três vezes o Prêmio Jabuti, o Prêmio Açorianos, entre vários outros.
Nesse primeiro ano de atividades, Ricardo Aguiar tem procurado trabalhar com escritores que ele já conhece, que possuem livros inéditos concluídos ou que já foram publicados por outras editoras, mas estão fora de catálogo. Os planos para o futuro próximo é abrir uma chamada para obras originais. “Não vou me fechar em compartimentos estanques. Estou querendo me focar na literatura brasileira. Vamos priorizar gêneros como o romance, poesia, conto e crônica. Não vou arriscar ainda com a literatura infantil, mas é claro que dentro dessa lógica eu possa também receber obras de não ficção, memória, diário e autoficção”.
Primeiros passos
A mensagem sobre as vocações da Dromedário foram dadas com a obra escolhida para inaugurar o selo. Trata-se de um livro de poesias, Carapuça, da também compositora, artista visual e professora aposentada da UFPB, Eugênia Correia. O livro tem uma primeira edição delicada e bonita. “A mensagem que se passa é de resistência porque esse é um gênero que não tem plena aceitação por grandes editoras. A lógica é que o romance é sempre o mais cultuado”, destaca o editor.
Outros estão no horizonte para esses primeiros momentos da editora. O próximo deve ser o de Maria Valéria Rezende, com previsão de ter o lançamento anunciado já em outubro. Intitulado de Toda palavra dá samba, este será um livro de contos que deve repaginar Histórias nada sérias (Escaleras), lançado pela autora em 2017. Na mesma fila estão também as autoras Valeska Asfora e Débora Dornelas. “Tem que ter coragem para abrir uma editora. Esse é um mercado bem competitivo, em que a gente tem que lidar com as dificuldades de distribuição. Vou ter muito gosto em publicar bons autores inéditos porque esse é um dos motivos que me fizeram criar a Dromedário”, afirma Aguiar.
O autor paraibano criou uma editora a partir de um sonho de um homem só, que tem se juntado a uma rede de outros escritores, ilustradores, capistas e diagramadores. Agora, ele busca contribuir com a formação de leitores conscientes e se mira na figura adaptável do Dromedário para prosperar em um mercado em constante mudança. “Sempre tive esse sonho por ser muito ligado ao livro. Mas existe uma questão prática também. Quero cada vez mais entrar nesse meio e trabalhar com isso paralelamente a minha literatura”, conclui André Ricardo Aguiar.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 29 de setembro de 2023.