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Pelos caminhos multidimensionais do hip hop

publicado: 13/03/2023 13h05, última modificação: 13/03/2023 13h47
Conheça as diversas facetas do marginalizado movimento de rua reconhecido como patrimônio cultural imaterial da PB
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Veterana grafiteira desde 2000, Witch está sempre presente nas apresentações de hip hop, produzindo os desenhos e painéis durante os eventos. Foto: Rafael Passos
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Jéssika Andrade, mais conhecida como b-girl Pekena, é a única atleta paraibana integrante da seleção brasileira de breaking, que sonha com as Olimpíadas de Paris. Foto: Roberto Guedes
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Um dos nomes de destaque nacional do slam, a cantora, poeta e compositora Bixarte já venceu uma edição do Festival de Música da Paraíba, em 2020. Foto Edson Matos
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Rapper, poeta e MC Pertnaz atua na educação social, já tendo alfabetizado mais de duas mil pessoas, além de oferecer oficinas de literatura, ritmo e poesia. Foto: Leo Accioly/Divulgação
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Veterana grafiteira desde 2000, Witch está sempre presente nas apresentações de hip hop, produzindo os desenhos e painéis durante os eventos. Foto: Acervo Pessoal/Instagram
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tags: Hip Hop ,

por Joel Cavalcanti*

O que define a identidade cultural de um local ou de um povo nem sempre está representado no que ele produz de forma tangível, que pode ser tocado. Existe um nível muito mais subjetivo numa comunidade que se organiza e se diferencia pelos seus costumes, pelos seus saberes, pelos seus modos de fazer e de celebrar. Com a publicação no último dia 6 da lei que definiu o hip hop como patrimônio cultural imaterial da Paraíba, ficam salvaguardadas as atividades do graffiti, do rap, do DJ e do beatbox; dos MCs e suas batalhas, das manifestações poéticas do slam, assim como o breaking das b-girls e dos b-boys. Um ecossistema rico que agora passa a ter a proteção institucional, garantindo o reconhecimento e a legalidade aos integrantes do movimento historicamente perseguido e criminalizado por produzir arte.

“Essa lei dá um fôlego para a gente. Sou mestre da cultura popular e do hip hop e agora me sinto contemplado. Vou imprimir e andar com essa lei toda vez que for fazer uma atividade a céu aberto porque isso pode até resguardar a vida da gente”, afirma o rapper, poeta e MC Pertnaz. Ele foi o primeiro representante da Paraíba em uma batalha de rima, em 2007, e afirma que jamais havia vivido tantas formas de silenciamento como durante os últimos quatro anos governado por políticos de extrema-direita no país. “Foi um momento perigoso para quem faz cultura”, define ele. É por esse motivo que o artigo segundo da Lei nº 12.579 prevê que qualquer ação discriminatória, preconceituosa e desrespeitosa, seja de natureza social, racial, cultural ou administrativa, contra o movimento hip hop, estará submetida às penas da lei.

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Jéssika Andrade, mais conhecida como b-girl Pekena, é a única atleta paraibana integrante da seleção brasileira de breaking, que sonha com as Olimpíadas de Paris. Foto: Roberto Guedes

 

Nas culturas ocidentais, acostumou-se a perceber as linguagens artísticas como algo independente e separado: a música, a poesia, a dança e a pintura. O hip hop tem uma multidimensionalidade que funde todos esses elementos de forma que eles não se equivalem à soma dessas partes separadas, pois só em conjunto elas criam essa característica da expressão humana. “O hip hop é um estilo de vida, não apenas uma cultura. Por isso abrange tantas áreas. É o cara que mora na periferia, vê uma arte perto dele que expressa o que ele pensa sobre a vida e resolve se utilizar disso para si”, detalha Pertnaz, que atua também na educação social, já tendo alfabetizado mais de duas mil pessoas, além de oferecer oficinas de literatura, ritmo e poesia. “O rap (um dos pilares do hip hop) é uma ferramenta de transformação social, resgatando e redirecionando jovens e adultos”, complementa.

Mapeando as áreas de maior incidência dessa expressão artística, a Zona Sul de João Pessoa se destaca entre as demais. A maior e mais conceituada batalha de rap da capital ocorre na Praça do Coqueiral, no bairro de Mangabeira, e na Praça da Paz, nos Bancários. “É aí onde estão tradicionalmente os maiores celeiros de poetas e poetisas. Mas tem batalhas ainda em Campina Grande, Bayeux, Santa Rita e Cabedelo”, aponta o rapper pessoense. Com a popularização do hip hop, o perfil dos seus praticantes tem mudado com a ajuda da internet e das mídias mais tradicionais. Nesse fluxo, nomes de destaque nacional como Bixarte e Fúria Negra se juntam a artistas como o cantor e compositor João Carlos Jr. Todos eles vencedores de suas respectivas edições do Festival de Música da Paraíba. É assim que se mede a expansão do público, que passa a reproduzir as batalhas até no Alto Sertão. “Quando você vê as batalhas acontecendo em Cajazeiras, por exemplo, ou MCs surgindo em Mari e Patos, no interior paraibano, a gente percebe esse crescimento. São sementes que são plantadas”, exemplifica Pertnaz.

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Um dos nomes de destaque nacional do slam, a cantora, poeta e compositora Bixarte já venceu uma edição do Festival de Música da Paraíba, em 2020. Foto Edson Matos
Esse crescimento é percebido por todos que compõem o movimento, como é o caso da campinense radicada em João Pessoa, Jéssika Andrade, mais conhecida como b-girl Pekena. “Acredito que o hip hop é uma cultura onde todas as pessoas podem acessar. Sobretudo a população periférica que muitas vezes é marginalizada, ou deixada de lado na sociedade. A população enxerga através da cultura hip hop uma forma de criticar os problemas sociais, mas também é uma forma de se sentir pertencente à arte, ao mundo”, afirma a dançarina e única atleta paraibana integrante da seleção brasileira de breaking, que sonha em representar o estado nas Olimpíadas de Paris, em 2024. “Cada linguagem tem sua própria singularidade, sua própria técnica, apesar de muitas vezes o mesmo artista transitar nessas diferentes linguagens”, acrescenta ela, que se dedica há mais de 13 anos ao breaking com treinos diários e muita preparação.

Já a grafiteira e tatuadora Witch está no movimento desde o começo dos anos 2000 e percebe que este momento atual é o de maior relevância para o hip hop. “Antes, os artistas tinham que ser patrocinados por gravadoras ou produtores para serem reconhecidos nacionalmente, o que era difícil, pois cultura preta nunca foi bem quista pela sociedade. O rap, o graffiti e o break não eram todos que ouviam ou olhavam que gostavam. Graças à internet temos uma divulgação gratuita e vemos cantores de rap e DJ fazendo shows por todo o território nacional”, compara a artista que está sempre presente nos eventos de hip hop, produzindo os desenhos durante as apresentações.

“Minha vida profissional está atrelada ao movimento hip hop. Consigo colocar mensagens através da minha personagem Catrina nos muros. As minhas maiores realizações profissionais foram ter participado de algumas exposições e eventos que considero importantes, como o Meeting Of Favela e o Recifusion. Ter promovido o maior festival de arte urbana aqui no estado, o De Ponta a Ponta, onde ocorreu em um mês oficinas e murais pela cidade de João Pessoa com mais de 100 artistas da Paraíba. E estar nos livros de arte do 7° do ensino público do Brasil”, cita a artista que vem ganhando também os muros e os painéis de toda a cidade.

O patrimônio imaterial é disseminado de geração para geração, e passa por constantes processos de ressignificação pelas comunidades e grupos, alterando sua história e as interações sociais e com a natureza. É isso que gera um sentimento de identidade e continuidade, contribuindo para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana. “Esse é um reconhecimento não só da minha luta, mas de muitos irmãos e muitas irmãs que vêm batalhando em suas periferias, em suas quebradas, para mudar a realidade onde o poder público não chega de forma significativa para oferecer uma outra perspectiva à população”, finaliza Pertnaz.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 12 de março de 2023.

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