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Pesquisador paraibano revela curiosidades sobre João Gilberto

publicado: 10/07/2019 10h01, última modificação: 10/07/2019 10h01
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Cantor e compositor reconhecido por ser um dos criadores da bossa nova, o baiano João Gilberto era envolto em excentricidades, como sua exigência na qualidade do som onde fosse tocar, chegando a cancelar shows diante do público - Foto: Foto: Leo Aversa/Reprodução

tags: joão gilberto , bossa nova , cultura , josé cardoso

por Hilton Gouvêa*

João Gilberto, um dos criadores da bossa nova, morreu no último sábado, dia 6, no Rio de Janeiro. Ele estava com 88 anos e, nos últimos dois acabou interditado pela justiça para assinar documentos, a pedido de sua filha Bebel Gilberto, que acusou outros familiares de tentarem contra o patrimônio do pai, “que se encontrava facilmente manipulável. Suas dívidas, orçadas em R$ 9 milhões eram taxadas por Bebel de impagáveis. “Meu pai atravessava um estado de penúria”, revelou.

O menino sonhador e excêntrico que nasceu em Juazeiro (BA) em 10 de junho de 1931, queria ser um cantor de vozeirão, como o seu ídolo Orlando Silva, mas, na hora de alterar a voz, como crooner da Rádio Nacional, a nota não saía. Foi então que João Gilberto de Prado Pereira de Oliveira voltou do rio para seu torrão, dedilhou o violão com calma, até encontrar “o tom do canto calado” e, em vez de valorizar “a grande voz”, achou o que queria influenciado pelo jazz norte-americano. Foi a consagração da bossa nova, que nasceu em 1958 no Brasil e brilhou fixamente em 1962, no “Carnegie Hall de Nova Iorque”, reconhecida internacionalmente pela Biblioteca do Congresso dos EUA, como “uma das 50 Obras musicais da humanidade”, incluindo aí a canção “Garota de Ipanema”.

Quem diz isso é o pesquisador musical advogado e radialista José Cardoso, o D. Cardoso dos ambientes intelectuais, que possui razoável acervo sobre os maiores artistas da música popular brasileira, um hobby que iniciou quando era sargento do serviço reservado da FAB, no auge da ditadura militar [período em que artistas eram perseguidos, torturados e mortos pelos militares]. “Como eu gostava de música, me colocaram para estudar as letras das músicas antigas e recentes de cantores brasileiros e, então, juntei essas relíquias”, diz, orgulhosamente, exibindo um álbum, ao qual poucas pessoas têm acesso. Recentemente, Cardoso iniciou um programa radiofônico em João Pessoa, que discorre sobre a vida de Nelson Gonçalves, e, coincidentemente de João Gilberto, além de outras personalidades famosas.

Segundo D. Cardoso, “João Gilberto criou, com a bossa nova, não só um jeito de superar limitações cantando baixinho para soltar a voz, mas um novo timbre, preciso nos acordes, entrelaçado às cordas do violão, numa quase perfeita união musical”. Em Juazeiro (BA), quando adolescente, ele cantava a plenos pulmões na rádio alto-falante da Praça Matriz e, depois, em Salvador, na Rádio Sociedade. Não vingou. Nem quando chegou ao Rio, nos anos 50 e se tornou vocalista do Conjunto “Garotos da Lua.” Outro fiasco: “João se atrasava nos ensaios, e ele pouco ligou para isso, pois receava ao tentar imitar o vozeirão de seu ídolo, Orlando Silva. Outra: Na última entrevista que Nelson Gonçalves concedeu, antes de morrer, ele assinou embaixo que João Gilberto não cantava nada”, endossa D. Cardoso.

Excêntrico, mas de ouvidos excelentes, João Gilberto cancelou um de seus principais shows, no Rio, em 1979, por detectar problemas no serviço de som. Entre os familiares conta-se que aos sete anos, ele apontou um erro de nota do organista da igreja de Juazeiro (BA) isto em meio às dezenas de vozes dos coristas. Mas, para Nelson Gonçalves, ele sempre foi “um cantor de voz de travesseiro”. Mesmo assim, ele, que enfrentava casas cheias, também cancelou o show do Theatro Municipal de Rio, em 2011, por problemas de saúde. Era o início da sua turnê de show, para comemorar seus 80 anos. D. Cardoso admite que “embora, neste momento, depois de mais de 20 anos esquecido, tentem criar um mito de endeusamento a João Gilberto, ele nunca foi um destacado campeão de vendas, mesmo sendo divulgado massivamente pela mídia”

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João Gilberto morreu longe dos holofotes, com dívidas de R$ 9 milhões a ele atribuídas e, impedido pela Justiça, de realizar suas próprias vontades. Do início de 2018 para cá a vida do cantor e compositor virou uma disputa judicial entre Bebel e Marcelo, dois de seus três filhos. O baiano estava recluso totalmente há alguns anos e não recebia nem os seus familiares. A Justiça autorizou o arrombamento de seu apartamento, pedido por Bebel, e o afastamento de sua empresária, Cláudia Faissol, a fim de comprovar o frágil estado de saúde do pai e para que ele não fosse forçado a assinar documentos com foros de legalidade, ignorando o que estava fazendo. João Marcelo, afirmou que o pai não tinha mais controle sobre suas finanças. Este ano, João Marcelo acusou Bebel de estar roubando o dinheiro do pai.

Bebel justificava o pedido de interdição do pai devido as condições físicas e financeiras de João Gilberto. Segundo ela, “o pai estava com confusões mentais e era facilmente manipulável”. E acrescentou: “Ele estava correndo o risco de despejo de seu apartamento no Leblon, (Rio)”. “O caso era discutido na Quinta Vara de Órfãos e Sucessões (RJ) em sigilo de Justiça”, observou D. Cardoso. Bebel também alegou que a ação intencionava afastar Cláudia Faissol de João Gilberto, principalmente nas questões financeiras. João Marcelo, meio-irmão de Bebel, a acusa de roubar o dinheiro do cantor e de fazê-lo prisioneiro. Faissol, a ex-empresária e companheira do cantor, respondeu que “o agravamento da situação vulnerável do João muito se devia ao método como Bebel Gilberto” vinha conduzindo o processo da interdição.

João Gilberto sumiu das redes sociais de seus familiares no 88º ano de seu aniversário, em 10 de junho deste ano. A neta Sofia, deitada sobre seu colo, foi a última foto que ele bateu, após dois meses do processo que Bebel abriu na Justiça para a interdição do pai. D. Cardoso sustenta que o termo bossa nova não foi invenção do baiano. “Em 1930 Noel Rosa já tinha gravado um samba denominado ‘Nossas Bossas Novas’, daí muitos acreditarem que a Bossa Nova começou a ser chamada assim”.

 

*publicado originalmente na edição impressa de 09 de julho de 2019