Zé da Luz, paraibano expoente da chamada poesia matuta, rumou para o Rio Janeiro na década de 1930, em busca de melhores condições de trabalho. Caminho similar fez a atriz Suzy Lopes: partiu do Nordeste com o intuito de abraçar projetos mais audaciosos em outras regiões do país, a exemplo da novela Mar do Sertão e do filme Geni e o Zepelim — a sua próxima estreia, em 2026. Os caminhos do escritor e da artista cruzam-se no Sarau de Suzy, que homenageia o autor de “Ai se sêsse”, numa das atrações gratuitas deste fim de semana do Natal na Usina, em João Pessoa. O público confere esse tributo hoje, a partir das 21h, na Sala Vladimir Carvalho, situada na Usina Cultural Energisa (em Tambiá).
Como de costume, Suzy convida amigos para contribuírem com o sarau. Ela confirma as presenças de Ely Porto, Ernesto Loewenbach, Flávio Lira, Jorge Félix, Juzé, Lili Sanfoneira, Myra Maya, Natália Sá, Nyka Barros, Paulo Vieira e Silvinha Xavier. Apesar do destaque dado a Zé da Luz, o poeta nascido em Itabaiana já fazia parte do seu repertório.
“Eu escrevi uma abertura pegando pedaços de poemas dele. É difícil de fazer isso, porque ele é um poeta muito rimado e, às vezes, se você tira uma frase, nem sempre vai ficar bom, mas acho que eu fiz uma boa carpintaria. Depois, eu vou declamar dois textos completos dele, pelos quais eu tenho muita paixão. Eu peguei pelo viés romântico e da brincadeira”, afirma.
Os primeiros contatos de Suzy com a poesia de Zé da Luz deram--se também por meio de um sarau — o Poeteia, projeto que o ator e produtor Ubiratan de Assis manteve a partir dos anos 1990 e do qual participou tempos depois. O que chamou a atenção da artista naquele momento foi a cadência dos textos, cuja leitura declamada os aproximava do teatro.
“Havia também a questão da familiaridade. Nasci no Sertão da Paraíba, mas a minha família vem do interior do Ceará, de um sítio próximo a um lugar chamado Baixio. E, certamente, o meu primeiro encanto foi o reconhecimento do som que ouvia na infância, a forma como ele escreve sobre esse Brasil, diferente das capitais, sobre esse Brasil nacional”, destaca.
Fora do estado normal
A proximidade com os colegas do Poeteia e com os autores frequentemente declamados por lá — incluindo Zé da Luz — forneceu a Suzy a experiência necessária para estrear no evento organizado por Ubiratan de Assis, substituindo um dos membros. Não foram necessários quaisquer ensaios: de tanto assistir, Suzy acabou decorando todos os poemas.
“Os saraus aconteciam nos fins de tarde, na Associação Paraibana de Imprensa [API]. Lá eu conheci o ‘Cheirinho cheiroso’, poema que declamo até hoje e que as pessoas mais se encantam em me ver falando. Lá eu vi as pessoas darem vida, realmente, aos poemas. Eu fiquei muito impressionada com aquela forma de fazer e de dizer poesia. E de teatralizar”, rememora.
Apresentado agora esporadicamente, o Sarau de Suzy foi criado há duas décadas com o nome de “Café em Verso e Prosa”, sendo montado mensalmente no Empório Café, em João Pessoa. Com inspiração no Poeteia e no CEP 20.000 (iniciativa coletiva e similar do Rio de Janeiro), o derivado paraibano dedicava-se, no início, a homenagear expoentes da literatura local.

“Nesse sentido não houve uma mudança, mas uma volta àquilo que o sarau era. E cada sarau é uma coisa diferente, depende das pessoas presentes, dos poemas que são ditos. Podem ter três pessoas que vão falar o mesmo poema, às vezes porque uma não ouviu o que o anterior falou. O sarau tira a pessoa do seu estado normal de ser e de viver”, sustenta.
Sobre ter perseverado com o projeto nesses quase 20 anos, Suzy diz que é pautada por sua paixão pela poesia e pelos encontros que apenas essa empreitada lhe fornece, sempre improvisados e inesperados. Mas muitos dos convidados que estarão hoje, no palco, com a atriz, garantem participação desde o lançamento do sarau, entre eles Ely Porto e Nyka Barros.
“Fui ver o show da Maria Bethânia, por exemplo. Aí um amigo meu me chamou para ver de novo. E eu fui mais uma vez. E era a mesma coisa, as mesmas canções. O que mudava era o estado de Bethânia. Tem algumas pessoas que me disseram que vão e que a única certeza no Sarau de Suzy é Suzy. Enquanto tiver gente querendo ouvir poesia, haverá sarau”, analisa.
Cidadã pessoense
Fazendo um paralelo entre as trincheiras que Zé da Luz e tantos outros conterrâneos percorreram em direção ao Sudeste e as estradas pelas quais ela mesma passou, décadas mais tarde, a atriz ressalta que o autor do livro Brasil Caboclo desbravou aquela trincheira “com um machado”, mas que muitos deles seguiram por essas vielas a fim de construírem suas carreiras do zero.
“Quando eu saí da Paraíba, em 2021, foi a minha própria carreira que me levou. Saí para fazer uma novela, fui emendando outras novelas e fiquei no Rio. Mas, para você ter ideia, até hoje, mantenho a minha casa em João Pessoa. E, quando eu penso em casa, nunca penso no meu apartamento no Leme, mas no apartamento do Aeroclube”, revela.
Depois de encerrada sua participação na novela No Rancho Fundo, há pouco mais de um ano, Suzy dedicou-se à divulgação de outra trama, Guerreiros do Sol, e do longa-metragem O Agente Secreto. Apesar do papel pequeno neste filme de Kleber Mendonça Filho, ela celebra a repercussão que o projeto tem alcançado fora do Brasil e a possibilidade de êxito no Oscar em 2026.
“Entramos nas shortlists, inclusive na direção de elenco! Amo o cinema, mas sinto falta do teatro, já que meu último espetáculo foi Mercedes [peça de Paulo Vieira]. A sede pelo palco é grande. E talvez seja por isso também que eu continuo fazendo sarau, porque eu preciso pisar no palco, ao vivo, com as pessoas. Teatro é a arte da presença!”, ratifica.
Suzy Lopes não descarta aceitar convites para a TV e infere que encampará uma iniciativa literária, sem data de estreia. O que compartilha de concreto está no cinema: além de Geni e o Zepelim, realizado por Anna Muylaert, promessa para o ano que vem, ela acaba de filmar Mensagem no Funeral, de Breno Ferreira, e deve começar as gravações de outro longa — este paraibano.
Celebrando o fato de constar, novamente, no Natal na Usina e de estar, mesmo que brevemente, no município onde residiu por três décadas, confidencia: “Estou sonhando com o dia em que João Pessoa vai me dar o título de Cidadã Pessoense. Toda a minha formação foi forjada aqui. Fica aí a dica!”, conclui, com bom humor.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 18 de dezembro de 2025.
