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Poemas para um mês ‘mal falado’

publicado: 11/04/2024 09h30, última modificação: 11/04/2024 09h30
Escritor Carlos Newton Jr. lança, amanhã, na Livraria A União, o livro ‘Redenção de Agosto’
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Carlos Newton Jr. reuniu na obra 80 poemas escritos entre 2022 e 2023 | Foto: Divulgação

por Esmejoano Lincol*

Agosto é um mês cercado por lendas sobre “desgostos” e pelas tragédias atreladas a ele. Foi em agosto que os presidentes Getúlio Vargas (em 1954) e Juscelino Kubitschek (em 1976) faleceram; as bombas de urânio e de plutônio que desceram sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, respectivamente, também foram lançadas numa mesma semana de agosto, em 1945. O livro que o professor recifense Carlos Newton Júnior lança amanhã, na Livraria A União, traz um título e dois poemas que procuram desmistificar os supostos maus-agouros do mês: Redenção de Agosto, que reúne cerca de 80 poemas com temáticas diversas. O evento com entrada franca está marcado para às 19h, com mediação dos professores Hildeberto Barbosa Filho e Cláudio Brito; a livraria está localizada dentro da Fundação Espaço Cultural, no bairro de Tambauzinho, em João Pessoa.

Redenção de Agosto é um conjunto de poemas (sonetos, versos decassílabos e livres) cujos textos foram produzidos por Newton Jr. durante um ano – entre agosto de 2022 e agosto de 2023. Consequentemente, a obra busca inspiração no cotidiano do autor durante este período e em eventos ocorridos neste ínterim, a exemplo da morte de Pelé, em dezembro de 2022, a partir de paralelo traçado entre a trajetória do atleta e a vida do poeta Manuel Bandeira. “Morreu o atleta/com a mesma idade/do poeta/O atleta cultivou o físico/O poeta era culto e tísico/Como entender o destino/e seu arrazoado/De glória e desatino (...)?”, entoa o autor em “Destino”. “Eu estava em um restaurante, almoçando, quando vi pela televisão a notícia da morte de Pelé. Peguei um guardanapo e rapidamente escrevi os versos de ‘Destino’”, rememora o autor.

O título do livro e do poema homônimo que abre sua obra é sugestionado pelo poema “Ode ao mês de agosto”, do chileno Pablo Neruda: “Agosto/Austral/Agosto/Limpo e frio/sua coluna/sobe/da terra ao céu/e te coroam/pelas pedras estreladas/da noite de safira”, em tradução nossa. O próprio Newton Jr. faz uma “Ode ao mês de agosto”, poema que encerra sua compilação de textos. “Drummond tem dois grandes textos em homenagem a maio, que é incensado por todos como o mês das flores, das noivas, das mães. A minha ideia é tirar de agosto a impressão de que ele é um mês aziago, me redimindo com ele. Eu tenho grandes amigos que nasceram em agosto” detalha o autor.

Poesia vende?

O tempo e a memória são dois dos temas prediletos do autor e são eles que conduzem sua produção poética. Ele também costuma se inspirar em fotografias antigas para entender e argumentar melhor os textos sobre o destino do ser humano. “A literatura funciona para mim como escape, é como se fosse uma autoanálise. As pessoas no geral fazem terapia, eu escrevo, apesar de o meu eu poético não ser o mesmo Carlos que está fora, escrevendo”, brinca. Redenção de Agosto foi lançado oficialmente no final do ano passado. O autor, que tem pai paraibano, conta que desde então esperava uma oportunidade para lançar o livro por aqui, surgida com o convite da Editora A União.

Além de livros de poesia e ficção – outra dezena foi publicada ao longo dos últimos 30 anos, – Carlos Newton Jr. também se dedica ao desenvolvimento de ensaios e de textos acadêmicos sobre suas áreas de pesquisa. “Essa multiplicidade de temas abordados nos meus livros surge naturalmente como fruto do meu trabalho. Sempre que tenho oportunidade vou direcionando o assunto do produto para o tema que pesquiso. Este ano, vai sair um livro que escrevi no ano passado sobre o escultor Armando Lacerda, responsável pela estátua de Padre Cícero, em Juazeiro e que hoje está esquecido pelas novas gerações”, revela o autor.

Apesar de ser uma de suas atividades de escrita predileta, Newton Jr. se ressente pelo fato de a poesia ser um gênero pouco vendido hoje em dia. Ele conta que os livros são bem distribuídos pelas editoras, mas que com exceção dos cânones – Drummond, Cecília Meirelles, Vinícius de Moraes – o número de consumidores é muito menor. “Infelizmente é um público restrito. Nunca pensei a respeito do motivo pelo qual se vende tão menos. Mas se você for pensar na trajetória dos poetas brasileiros, lembramos que Manuel Bandeira pagava para publicar seus próprios livros”, exemplifica.  

Além de Redenção de Agosto, ele ainda planeja a publicação de dois livros de poesia infantil, que também serão editados pela Nova Fronteira. Sua produção autoral vem se tornando profícua nos últimos tempos – em cinco anos foram cinco livros publicados. “Eu sempre tenho coisas na gaveta e a gente vai publicando à medida em que consegue uma boa editora e uma boa edição”, aponta.

Através do link, acesse o site oficial da Livraria A União

Reeditando a obra do professor Ariano Suassuna

Foi quando ingressou no curso de Arquitetura, na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que Carlos Newton Jr. conheceu Ariano Suassuna, que durante muitos anos deu aula de Estética na instituição. A relação entre aluno e professor se tornou uma amizade, que durou até a morte de Ariano, em 2014.

“Eu devo a ele o meu direcionamento para as artes. A arquitetura é uma área que possui uma interface muito próxima da arte em geral. E quando eu percebi que eu ia pelo caminho da história das artes, decidi fazer também uma graduação em História. Minhas pós-graduações foram nas áreas das artes e das letras, de forma multidisciplinar”, rememora.

O livro saiu pela Nova Fronteira | Imagem: Divulgação

Newton Jr. conta que o Ariano que se tornou público em suas aulas-espetáculo não era diferente do Ariano professor de universidade e do Ariano que passou a conhecer pessoalmente, depois que se formou. “Ele tinha uma capacidade de trazer para as aulas de Estética situações do cotidiano e explorá-las de maneira engraçada. Ele era um professor excepcional e me cativou de uma forma perene”, explica o escritor, que pagou outras cadeiras com Ariano ao longo de sua trajetória acadêmica.

O legado de Suassuna seguiu sendo mantido com a colaboração do autor de Redenção de Agosto. Entre 2012 e 2018, Carlos Newton Júnior publicou no Correio das Artes, suplemento literário de A União, uma coluna mensal intitulada “Novo Movimento Armorial”, em homenagem à iniciativa de Ariano em torno da formação de um coletivo de arte no Nordeste. “Eu liguei para ele pedindo permissão para usar este nome”, recorda Carlos.

As edições recentes da obra de Ariano, que são editadas hoje pela Nova Fronteira, do Rio de Janeiro, também são gerenciadas por Newton Jr. “Em 2017, a família me elegeu como uma espécie de curador do catálogo literário dele. O filho de Ariano, Manuel Dantas Suassuna, está na coordenação artística do projeto da Nova Fronteira, junto com o Ricardo Correia de Melo, na programação visual”, detalha Carlos. Para este ano, a equipe que gere esse projeto junto à Nova Fronteira projeta a publicação de um livro inédito de Ariano, intitulado Poesia Completa.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 11 de abril de 2024.