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Poesia bilíngue

publicado: 19/04/2024 12h13, última modificação: 19/04/2024 12h13
João Batista de Brito lança hoje ‘Traduzir-me’, livro em que verte poemas de Sérgio de Castro Pinto para a língua inglesa
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A velha amizade entre João Batista de Brito e Sérgio de Castro Pinto agora inclui a tradução dos poemas do segundo no livro, que será lançado na Livraria do Luiz | Foto: Leonardo Ariel

por Sheila Raposo*

Meses atrás, numa tarde preguiçosa, João se deitou em sua rede e começou a folhear um livro de Sérgio. Do nada, decidiu fazer uma versão em inglês de alguns dos poemas ali reunidos. Quando contou a travessura ao autor e amigo, este lhe devolveu: “Se você fizer o mesmo com outros 10 poemas, já dá um livro”.

E assim nasceu Traduzir-me (Ideia), livro em que João Batista de Brito traduziu 13 poemas de Sérgio de Castro Pinto para a língua inglesa. O lançamento acontece às 18h de hoje, na Livraria do Luiz (MAG Shopping), com apresentação de Maria de Fátima Duques.

Em versão bilíngue, o livro entrelaça poemas com ilustrações do artista plástico Flávio Tavares (também responsável pela capa) e conta com prefácio do escritor e jornalista Astier Basílio. Na apresentação, João Batista discorre sobre o processo de tradução de cada um dos poemas escolhidos — todos saídos do livro Folha Corrida (Escrituras), lançado por Castro Pinto em 2017 — e esmiúça os desafios apresentados nesse processo.

TRADUZIR-ME - TREZE POEMAS DE SÉRGIO DE CASTRO PINTO

- Poemas de Sérgio de Castro Pinto; tradução para o inglês de João Batista de Brito
- Editora: Ideia
- Hoje, às 19h
- Na Livraria do Luiz (MAG Shopping, Av. Gov. Flávio Ribeiro Coutinho, 115, Manaíra, João Pessoa)

“As soluções que encontrei foram, às vezes, precárias. Embora mais de metade das palavras em língua inglesa tenham origem latina, a estrutura fônica é muito diferente da que temos em português” diz ele. Como exemplo, ele cita a palavra “samambaia”, presente em um dos poemas. “Em inglês, essa palavra é traduzida com ‘fern’. Veja como há perdas em relação ao ritmo”, avalia.

Além do ritmo, segundo João Batista, tem ainda a sintaxe, a regência verbal, a sonoridade... Tudo difere. Mesmo ciente do árduo trabalho de transpor um texto de uma língua a outra — em especial, sendo esse texto poesia —, ele topou a parada. “A rigor, poesia é intraduzível. É enxerimento  da gente, tentar traduzi-la”, diz. Para enfrentar o desafio, ele apostou no que o filólogo, tradutor e crítico literário Paulo Rónai ensinou: confiar na intuição.

Intuitivamente, mas ancorado em uma história de 35 anos como professor de Literatura Anglo-americana e de teoria do texto poético (UFPB), João Batista fez, em Traduzir-me, uma espécie de enlace entre a sua dissertação de mestrado, fundamentada em Shakespeare, e a sua tese de doutorado, na qual estudou a poesia de Sérgio de Castro Pinto. Não imaginava ele que, anos depois, elementos de uma pesquisa (a Língua Inglesa) e de outra (o autor a ser traduzido) se condensariam em um livro.

E foi assim que “noturnos”, “aos quarenta”, “o jardineiro francisco g. da silva”, “o argueiro”, “cemitério de automóveis”, “intertextualidade”, “improviso”, “quase em braille”, “diante de um filme de carlitos”, “outono”, “ o caranguejo” e “simbiose” (os títulos dos poemas são propositalmente sem letras maiúsculas) ganharam versão no idioma estrangeiro. “Ninguém melhor do que João Batista propagou o talento de Sérgio de Castro Pinto como poeta, na condição de ensaísta e de fino leitor de poesia, que sempre foi e é. Agora o faz como tradutor”, ressalta Astier Basílio, no prefácio do livro.

Traduzir-se

O título da obra, segundo os dois escritores, veio depois de muita divagação. No final, acataram a ideia dada por um genro de Castro Pinto. “Quem traduz o outro também se traduz, pois coloca a sua visão pessoal no que é traduzido”, observou Sérgio.

Isso explica, por exemplo, a experiência malograda de uma tradução anterior de um poema seu. “A pessoa que traduziu não soube interpretar os vários significados que dou à palavra ‘papel’, no poema ‘papel de jornal’. E João quem fez a crítica a essa tradução, na tese dele”, lembra Castro Pinto.

Presente

‘Traduzir-me’ tem poemas extraídos do livro ‘Folha Corrida’, de 2017, mas que agora comparecem em versão bilíngue | Imagem: Leonardo Ariel

Os dois amigos se conhecem de longa data. A parceria e a intimidade são tantas, que eles tiram sarro um do outro o tempo inteiro. “Acompanho a trajetória de Sérgio desde o final dos anos 1960, mas não éramos amigos nessa época”, conta João. “E era inimigo?”, provoca o poeta. “Ele só me via pelo olho cego, nunca tinha me reparado”, acrescenta o tradutor, entre risos, ao fazer referência à deficiência visual do outro. E Castro Pinto: “Ele diz isso aí só como frase de efeito”, revida, também rindo da situação.

Traduzir-me será lançado seis dias antes de Sérgio de Castro Pinto completar 77 anos de idade. O lançamento será não somente a celebração de uma amizade cheia de zombarias e admiração mútua, mas, de certa forma, um presente de aniversário para o poeta. “Que essa tradução sirva para evidenciar a riqueza da poesia de Sérgio”, salienta João Batista.

Currículos vastos

Professor aposentado da UFPB e crítico de cinema, João Batista é, também, autor de vários livros, entre eles, Poesia e Leitura - Os Percursos do Gozo, Signo e imagem em Sérgio de Castro Pinto e Hollywood em Outras Línguas – A Tradução de Títulos de Filmes e Seus Problemas.

O poeta Sérgio de Castro Pinto também é professor aposentado da mesma instituição, além de ser, ainda, jornalista e ensaísta. É autor de vários livros de poesia, como Domicílio em Trânsito, O Cerco da Memória, Zoo Imaginário e A Flor do Gol, entre outros. Em breve, estará lançando mais uma obra poética: Brando Fogo das Palavras, programada para julho.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 19 de abril de 2024.