William Costa
Um título tenta definir um livro. Consegue? Nem sempre. E se logra alcançar tal meta coloca o leitor entre a cruz e a palavra: para que prosseguir no sacrifício, se já tem o cérebro nas mãos? Talvez por esse e outros motivos o poeta Guilherme Delgado elegeu o sinal gráfico : (dois-pontos) para título de seu primeiro livro. A síntese, o esclarecimento, enfim, o que o autor tem a dizer vem a seguir, sem gastar versos à toa. Com selo da Editora Patuá, a obra é lançada nesta quanta-feira (19), às 19h30, n’A Bodega Arte Café, no Bairro dos Bancários, em João Pessoa.
A poesia de Guilherme não é labiríntica. Trata-se, no entanto, de uma obra de engenharia poética cujas fundações assentam-se nos vastos e diversificados campos das “linguagens de ruptura”, daí a importância de, precedendo a dos versos, se proceder à leitura dos textos-bússolas, assinados pelos poetas Amador Ribeiro Neto e Claudio Daniel. Amplia os sentidos das duas apresentações o poema-epígrafe de Affonso Ávila, que define o poeta como um “plagiário”, por se apropriar, deslavadamente, da linguagem de outros poetas.
: é mais que uma simples reunião de poemas. O livro em si - seus vinte e dois poemas, divididos em dois blocos textuais que dialogam entre si (outro sentido para os dois-pontos) - é um grande poema. Um metapoema. Uma declaração nada piegas de amor à poesia, e de amizade àqueles que o fizeram apaixonar-se por ela. Guilherme o dividiu em duas partes, explorando, também, as possibilidades, digamos assim, sígnicas da relação entre as manchas gráficas representadas pelos poemas e os espaços em branco das páginas.
Na primeira parte - “caligrafias” -, o autor revela, de próprio punho, sua intimidade com a vida e a obra (o estilo) de poetas e prosadores e um diretor de cinema - Adília Lopes, Murilo Mendes, Jorge Luís Borges, Carlos Drummond de Andrade, Haroldo de Campos, Stanley Kubrick... Na segunda - “aqui o eco” -, o poeta traz o diálogo com seus eleitos para dentro do próprio verso, cuidando das sutilezas formais que diferenciam a sua dicção, nesta interlocução de vozes altissonantes, não raro ábsonas, contrastes necessários ao novo.
Em entrevista exclusiva, Guilherme explicou que, ao começar a escrever as “caligrafias”, logo percebeu que também precisava de uma “resposta” a essa abordagem. Segundo ele, porque mesmo que houvesse uma apropriação dos autores “caligrafados”, ainda assim ficaria faltando uma tentativa mais explícita de “voz própria”. Foi aí que surgiu, então, a necessidade de uma segunda seção - “aqui o eco” -, cujo título é anterior à composição de seus poemas. Evidencia-se, aqui, o projeto poético minuciosamente pensado que é.
Mais tarde, Guilherme iria descobrir, também, que se tratavam de poemas que enfrentariam o esboço de uma linguagem. “Daí o fato de serem poemas tão secos e elípticos. Quando entendi isso, pude dar a organização que o livro pedia”, esclarece. Poemas, aliás, que estão longe de serem simples “armações” - meros jogos de palavras, de preferência, minimalistas, feitos para divertir ou distrair o leitor. A metalinguagem não é explícita, nem o autor de : abusa das metáforas - lugares comuns em tantos poetas, desta e de outras gerações.
Uma poesia menos sonho, mais pensamento. “Concordo quando você diz que não abuso de metáforas”, prossegue o poeta. “Acho que a imagem é a dimensão menos evidente nos :. Houve uma preocupação maior com a música e com as ideias”, salienta. E cita o texto crítico de Cláudio Daniel, que chama atenção justamente para a dimensão da logopeia na sua poesia. “Tentei fazer música sem fugir do sentido. Mas como a poesia é um aprendizado sem fim, penso em evidenciar outras dimensões em uma futura publicação”, ressalta.
Aponto as preocupações de Guilherme com a palavra, o verso, o ritmo, a musicalidade - falo até em rima -, e o poeta confessa todas. “Para mim, o poema se realiza verso a verso. Palavra por palavra. Som por som. Uma vez dentro da palavra, sua semiótica. Aquilo que há de sugestivo em seu signo. Com isso, ritmo, musicalidade e rima oferecem a dimensão exata de sua importância”, pontua. “Escrever - arremata - passou a ser uma resposta às provocações que senti durante essas leituras - resposta, ao meu ver, mais honesta e natural”.