Hilton Gouveia
O menino Boy, que seria filho de Tarzan e Jane nos filmes originais, foi proibido de aparecer em outros da série, porque, no enredo, o casal não era legalmente casado. Então Boy se tornou Korak, e Edgar Rice Borroughs teve que achar um jeito de unir em matrimônio o casal das selvas, para que tudo ficasse legal, sem problemas com a censura. Isso é contado na história que fala do primeiro Tarzan oficial do cinema, Elmo Lincoln, ator do filme pioneiro da série, 'O Homem Macaco', lançado em 1918. Além de Lincoln, o personagem das selvas também foi interpretado por Gene Pollar e James Pierce. Este ano, Tarzan completa um século de surgimento nas telas.
Mas quem inaugurou o herói Tarzan no cinema sonoro foi o nadador norte-americano Johnny Weissmuller, que representou este papel em pelo menos 12 séries. Com seu físico de Apolo, Weissmuller disse em entrevista que aquele belo grito dado por Tarzan, em situações especiais, não saía de sua garganta. Era produto de uma hábil mixagem de sons, produzidos pela voz de um barítono, um soprano e os latidos de cães treinados. Weissmullher também nunca disse a frase “me Tarzan, you Jane, em 'O Filho das Selvas'. De sua goela apenas saiu “Tarzan... Jane”, que o ator pronuncia apontando para ele e depois para Jane Porter, aquela que seria sua mulher e viveria para sempre feliz com ele, numa casinha construída em cima de árvores.
Outro truque bem dissimulado nos filmes subsequentes foi o da macaca Sheeta (Chita), que na verdade era um macho. E a MGM e a RKO sempre ocultaram que a censura exigia que os trajes de Weissmuller e Jane a cada filme aumentassem de tamanho. O ator usava um calção minúsculo de pele de animal e Jane - representada pela atriz Maureen O’ Sullivan -, uma tanguinha generosa e um corpete. Depois, o menino Boy, já com 16 anos, teve que dar adeus ao papel por ser contratado pela Monogram, que patrocinou-o em 12 filmes da série Bomba, 'O Filho das Selvas'. Inspirado em Tarzan, o personagem Boy foi publicado numa série de livros, nos períodos de 1926 a 1938 e de 1949 a 1955.
Romantismo e racismo
Maureen O’ Sullivan, que participou dos primeiros filmes da série Tarzan, com Johnny Weissmuller, resolveu, depois, sair deste clichê, alegando que não queria ficar com sua imagem presa à personagem que representava. Jane aparece cinco vezes nos filmes de Tarzan estrelados por Gordon Scott e ficou ausente das produções onde o Homem Macaco era estrelado por Jock Mahoney, Mike Henri e Ron Ely. A visão romântica desses filmes, com ambientes paradisíacos e uma casinha sobre as árvores, também denunciava algo de racismo: Tarzan, na maioria das vezes, lutava contra tribos africanas de negros e baixava o pau sem dó nem piedade. Apesar de tudo, Gordon Scott é considerado pela crítica como o melhor autor que interpretou o herói, embora Mike Henry fosse visto como o mais parecido com os desenhos de Burne Hogart.
Ambientes salutares, homem criado com macacos e casado com a filha de um lorde e arqueólogo inglês apaixonado pelos segredos da África, foram ideias do escritor norte-americano Edgar Rice Burroughs, criador de Tarzan, entre outros personagens. Autor de mais de cem livros, apesar dos detalhes que inseria nas suas histórias sobre as selvas africanas, ele dizia que nunca esteve lá. Seus escritos geraram 41 filmes de Tarzan e 57 episódios de televisão. Um dos filmes, 'Tarzan dos Macacos', lançado em 1918, foi o primeiro da história a arrecadar mais de um milhão de dólares. Mas Burroughs ficou decepcionado com eles. E muitas vezes nunca foi vê-los.
O escritor morreu numa cidade da Califórnia, Tarzana, que tinha o nome de um rancho que lhe pertencia. Em 1923 Burroughs já tinha vendido milhões de revistas em quadrinhos e uma série de rádio de Tarzan que emocionava ouvintes do mundo inteiro. A filha dele, Joan, fazia o papel de Jane e o marido dela, James Pierce, o de Tarzan. Hoje, este material é distribuído para mais de 200 emissoras de tevê nos EUA e no exterior. E o mito Tarzan, que saiu da pena de Burroughs, continua vivo e sendo apreciado até em países avessos à cultura ocidental, como a China, Tailândia, Vietnã e Coreia do Norte.