por Guilherme Cabral*
A ligação afetiva tem levado a artista, professora e pesquisadora carioca Letícia Damasceno Barreto a desenvolver o projeto de dirigir seu segundo filme com laços aqui, na Paraíba: o documentário Areia, Memória e Cinema. Natural da cidade de Niterói, ela está na cidade de Areia, localizada na região do Brejo paraibano, para continuar as gravações de cenas do curta-metragem, que remonta aos primórdios da divulgação da Sétima Arte no município e a atuação do seu avô, o cinematógrafo Gutemberg Barreto, como projecionista no Cine-Teatro Minerva, entre os anos 1920 a 1930.
A previsão de lançamento é para o mês de setembro, mas quem se interessar em colaborar na realização dessa produção independente pode contribuir até o dia 7 de julho na campanha de financiamento coletivo na plataforma Vakinha (vide o QR Code acima).
Além da direção, Letícia Barreto também assina o roteiro do curta-metragem, cujo tempo de duração ainda não foi definido. “Voltar ao destino significa eternizar”, disse a cineasta, ao justificar o motivo que a levou a realizar o filme, que resgata a dimensão memorial, afetiva e identitária da Sétima Arte não apenas na vida do avô, mas também dela própria e da cidade de Areia. Ela informou que o documentário faz parte do seu Pós-Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais (PPGAV) - Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), onde é professora do Curso de Dança, mas, por enquanto, está na Paraíba, produzindo o curta-metragem.
“O argumento do filme se deu a partir da lacuna, da indagação e do desejo de conhecer melhor a história do meu avô tão particular, na tentativa de me aproximar do seu universo ligado à arte e ao cinema”, explicou Letícia Barreto. Para isso, ela disse que o filme parte das vivências do cinematógrafo Gutemberg Barreto para contar uma história sobre o amor pelo cinema e traçar um panorama histórico da cultura audiovisual da cidade Areia.
Uma parte do documentário já foi feita. “Captei imagens de habitantes mais antigos da cidade de Areia que frequentaram o Cine-Teatro Minerva, que foi o primeiro teatro criado na Paraíba, em 1859, e é uma joia, e que também funcionou como cinema por volta de 1915 até final dos anos 1950. A partir de 1920, meu avô e Abdon Chianca adquiriram equipamento para projeção de filmes. Meu avô exerceu essa função até 1930 e, dois anos depois, se mudou com a esposa para Niterói, onde continuou a manter sua paixão pela Sétima Arte”, contou a realizadora. “Quis saber dos entrevistados a respeito da importância do cinema para a cidade, que tipo de filme era exibido e a relação social do cinema, como a de propiciar namoros, por exemplo. Dar voz a essas pessoas é muito importante, porque é uma forma de trazermos essa afetividade e torná-la palpável, como se a sentissem novamente”, explicou Letícia, acrescentando que ela mesma fará a narração do filme na primeira pessoa.
Filmes no lombo do burro
Durante esta semana, a cineasta informou que deverá permanecer com sua equipe em Areia para dar continuidade às filmagens. Letícia Barreto pretende captar imagens de pontos que considera importantes, a exemplo da entrada da cidade, o Cine-Teatro Minerva e o casario, dentre outros lugares.
A diretora e roteirista também pretende retratar o fato do seu avô e seu pai trazerem latas de filmes de João Pessoa para Alagoa Grande de trem e, a partir dessa cidade, levá-las em lombo de burro para exibição no cinema, em Areia, bem como incluir crônica do jornalista carioca Aurélio Albuquerque falando sobre a programação do Cine-Teatro Minerva publicada no Jornal A União, em 1958.
A previsão para concluir a etapa das gravações é para a próxima semana, em estúdios na Uninassau e na UFPB, em João Pessoa. “Depois, virá a finalização. edição e montagem para o lançamento, que pretendo fazer no Teatro Minerva, em Areia, e em seguida sair circulando por João Pessoa, Recife e Rio de Janeiro”, disse a cineasta. “Saber que meu avô faleceu dentro do Cine Odeon, na Cinelândia, no Rio de Janeiro, em 1960, é ao mesmo tempo triste e interessante, porque era algo pelo qual ele era apaixonado. Toda terça-feira, ele atravessava na balsa que ia de Niterói para o Rio junto da esposa, Dona Edite, a deixava à porta do Convento de Santo Antônio, onde ela assistia a missa, e ia direto para o Cine Odeon, que ficava a poucos metros de distância, na região central da cidade. Mas, numa terça-feira, Gutemberg estava numa poltrona e uma funcionária tentou acordá-lo, mas ele havia morrido durante a sessão. Eu tinha apenas dois anos de idade. Isso me suscitou a curiosidade de adentrar nessa história, me fez desejar reconstruir, recriar e narrar de forma afetiva esse acontecimento, me trazendo, desse modo, a sensação de pertencimento”, apontou Letícia Barreto.
A produção do documentário conta com apoio logístico e de equipamento do Núcleo de Documentação Cinematográfica da Universidade Federal da Paraíba (Nudoc-UFPB), mas também é apoiada por empreendimentos turísticos da cidade de Areia e, de forma institucional, pela Associação de Turismo Rural e Cultural de Areia (Atura).
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 8 de junho de 2022