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Princesa Carla Camu longe da Disney

publicado: 26/09/2025 08h38, última modificação: 26/09/2025 08h38
Carla Camurati conversa com A União sobre “Carlota Joaquina”, que o Bangüê exibe hoje, em cópia remasterizada
Carlota Joaquina Princesa do Brazil - 01.jpg

Cenas do filme considerado o ponto de reinício para o cinema brasileiro numa época em que a produção nacional chegou a praticamente zero | Fotos: Divulgação/Copacabana

por Renato Félix*

Pode conferir no Em Cartaz, na página 12: hoje, os cinemas de João Pessoa estão exibindo seis filmes brasileiros. Esse número, no país, era perto de zero em 1995, quando Carlota Joaquina, Princesa do Brazil foi lançado. O sucesso do filme dirigido por Carla Camurati é tido como o ponto de partida para a fase do cinema brasileiro conhecida como “Retomada” e que nos traz à efervescência atual. Pois Carlota Joaquina é o sétimo filme nacional que pode ser visto hoje nas telonas, em uma exibição especial no Cine Bangüê, às 19h, de sua cópia remasterizada em 4K, celebrando seus 30 anos de lançamento. Os ingressos custam R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).

“Momento lindo, né?”, celebra Carla Camurati, em conversa com A União. “Eu acho que a gente está vivendo um processo que é muito interessante ver como ele aconteceu nesses 30 anos. Quando a gente fez o Carlota, não tinha nem Ancine ainda. Não tinha lei nenhuma. Então, você tem um processo muito importante de investimento num segmento da arte e da cultura que foi sendo lapidado e que hoje a gente tem ele numa plenitude muito boa”.

A diversidade do que se encontra hoje em cartaz a anima. “Grande parte são filmes muito legais. Você tem filmes de vários estados, tem um retrato do Brasil interessante, tem cineastas de todas as idades, tem um mercado muito mais interessante do que qualquer outra coisa”, opina. 

O projeto de Carlota Joaquina surgiu no vácuo deixado pela extinção, pelo Governo Collor, da produtora e distribuidora estatal Embrafilme. Como a diretora lembra, não havia ainda a Agência Nacional do Cinema (Ancine) ou leis de incentivo: Camurati e sua equipe fizeram um trabalho de formiguinha para conseguir patrocínio e depois lançar o filme Brasil afora. Deu certo: alcançou 1,2 milhão de espectadores e foi o pontapé para uma reignição do cinema brasileiro.

O interesse por história moveu Carla Camurati — então atriz de novelas como Livre para Voar (1984-1985) e de filmes como Eternamente Pagu (1987) — a dirigir. “Eu queria que o meu primeiro filme fosse sobre a história do Brasil. Eu sempre gostei muito de história, desde pequena eram as aulas em que eu mais era feliz”, lembra.

Ela encontrou sua trama na história da vinda da família real portuguesa para o Brasil, em 1808, fugindo de Napoleão Bonaparte. O então príncipe (e logo depois rei) Dom João, medroso e comilão, era casado com uma explosiva espanhola: Carlota Joaquina. Estava aí sua personagem.

A ideia surgiu, sobretudo, a partir do livro O Trono do Amazonas, de Bertita Harding, que ela encontrou em um sebo. “Era um viés muito interessante, porque era uma relação histórica boa e, ao mesmo tempo, com situações muito pitorescas. Era muito saboroso de ler”.

O primeiro argumento ganhou um prêmio para desenvolvimento de roteiro. Depois, Camurati passou a ter a parceria de Melanie Dimantas no roteiro. Para encabeçar o elenco, Marieta Severo e Marco Nanini, um par que viria a ser constante na TV, sobretudo na série A Grande Família (2001-2014).

“A gente filmava, eu mostrava o material filmado para o departamento de marketing de uma empresa ou outra, como o Banco do Brasil, as pessoas assistiam ao que estava filmado e investiam, entendeu?”, explica a diretora. “O planejamento era estratégico no sentido de que aquilo era um material que comprovava, primeiro, que nós estávamos fazendo o filme e qual era a qualidade que o filme tinha”.

Dessa forma e contando com empresas que entravam com serviços, como transporte de equipamento e passagens aéreas, o filme foi sendo rodado. “Foram cinco semanas ao longo de seis meses”, conta.

Desde o começo, estava presente o formato narrativo do filme: a história é contada a uma garotinha na Escócia. O filme é visto, então, pela imaginação dela, com exageros e não necessariamente com um compromisso rígido com os fatos históricos.

“Hora nenhuma o Carlota segue fato histórico ipsis litteris porque ele acontece na imaginação de uma criança de 10 anos”, afirma. “O que a gente queria era exatamente ter o sabor do pitoresco, do engraçado que essas situações todas têm”.

Carla Camurati esteve muito perto no lançamento original, percorrendo várias capitais — esteve em João Pessoa em maio daquele ano. Agora, acompanha o retorno do filme à tela grande.

“É muito emocionante vê-lo na tela grande, remasterizado, imagem, som, e poder oferecer isso não só para as pessoas reverem, mas acima de tudo para as pessoas verem, porque é um filme que foi pensado em cinema”, diz ela. “Para mim, está sendo uma alegria ter ele na sala de cinema e mostrar uma cópia linda do jeito que está. Quando você olha o Carlota hoje, ele tem uma coisa surpreendente, muito único num certo sentido, exatamente porque ele não é realista e porque ele tem atores incríveis. Então, ele tem uma química que mistura teatro e cinema e ópera, eu acho”.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 26 de setembro de 2025.