por Joel Cavalcanti*
Nem sempre uma câmera na mão e uma ideia na cabeça bastam para fazer cinema. Raramente é assim que funciona. Mas no interior da Paraíba, há 10 anos, um projeto independente simples tem oferecido oficinas de roteiro a jovens e mudado o patamar das produções audiovisuais no Estado. Denominado Jabre – Laboratório de Jovens Roteiristas da Paraíba, e idealizado pelo cineasta Torquato Joel, a iniciativa tem sido responsável por criar uma geração de profissionais premiada em festivais e movimentado o setor cultural fora dos grandes centros.
Com o intuito de interiorizar o cinema e de estimular uma percepção crítica sobre o audiovisual, já passaram pelo Jabre cerca de 150 jovens que são selecionados a partir de suas ideias para a criação dos argumentos de um roteiro. Durante quatro dias intensos, os participantes ficam imersos em todas as etapas de desenvolvimento do documento que norteia tudo que se vê na tela de forma colaborativa e sob orientação de profissionais com larga experiência na área.
“O mais surpreendente foi ver que havia um retorno muito imediato. Desde as primeiras edições, a gente começou a perceber que tinha gente realmente interessada e com um potencial fantástico no interior, tanto que vários filmes foram premiados dentro e fora do Brasil. Chegou um momento em que a produção estimulada pelo Jabre passou a ter mais reconhecimento fora do estado que nos grandes centros da Paraíba, como João Pessoa e Campina Grande”, garante Torquato Joel. Participam da criação do projeto também a professora da UFPB Virgínia Gualberto e o fotógrafo Saullo Dannylck.
Entre os nomes que têm sua formação diretamente ligada aos projetos Jabre e ViAção Paraíba, que antecede aquele, está o cineasta Ramon Batista, da cidade de Nazarezinho. Ele é o responsável pelo curta Seiva (2019), já exibido no Fest Aruanda e o documentário Fogo-Pagou, vencedor de 14 prêmios pelo país. O filme de 2011 relata um cemitério abandonado no meio do sertão cercado de lendas e histórias que são contadas pelos próprios moradores.
Já em Cuité, o destaque é para Ismael Moura. O cineasta egresso das oficinas de Torquato Joel é o realizador de Ilha (2014), considerado um dos curtas mais premiados da história da Paraíba e um dos mais reconhecidos do Brasil, atingindo a marca de 87 prêmios nacionais e internacionais. Protagonizado por Fernando Teixeira, o filme conta a história de um homem de idade avançada que vive em total isolamento junto com seu filho autista.
Outros nomes se juntam a essa lista, a exemplo de Dhiones do Congo, que leva em seu sobrenome artístico a cidade com menos de cinco mil habitantes e que garantiu com o curta Ultravioleta (2018) o prêmio de Melhor Filme no Fest Aruanda. De Cajazeiras, Veruza Guedes já assinou produções que circulam os festivais mais importantes do país com os filmes Você conhece Derréis? (2017) e Mulheres em crítica de gênero (2019). “Não necessariamente todo mundo que vai para o Jabre vai ser cineasta, mas uma parcela expressiva vai ter uma visão muito mais crítica de cinema a partir dessa imersão”, explica Torquato Joel.
Os realizadores formados pelas oficinas vão além de representar a Paraíba e elevar o nível das produções cinematográficas: eles agem como multiplicadores do projeto e levam para a suas cidades a produção de mostras e festivais que disseminam o cinema local para as comunidades distantes da experiência na sala escura. É o exemplo de Kennel Rógis, que é cineasta, roteirista e gestor da produtora Gravura Filmes. Ele já foi monitor do Projeto ViAção Paraíba e Jabre, e hoje acumula prêmios com os filmes Travessia (2011), Sophia (2013) e O grande amor de um lobo (2019), que assegurou o prêmio de Melhor Roteiro e Aquisição Canal Brasil no Cine Ceará 2019, e Prêmio Especial de Melhor Curta, no Los Angeles Brazilian Film Festival, nos EUA. Ele idealizou e coordenou o Festival Curta Coremas. Assim como seu colega, Ramon Batista criou o Cine Sítio, em Nazarezinho, Dhiones do Congo produz o CineCongo e Veruza Guedes coordena o Cine Açude Grande, em Cajazeiras.
Os participantes do Jabre são de cidades como Coxixola, Serra Branca, São José dos Cordeiros, Sumé, Monteiro e de outras mais longe, como Nazarezinho, Lastros, Mataraca e da capital paraibana, além de outros estados como Pernambuco e Rio Grande do Norte.
A ideia do Jabre parte de um princípio pessoal de seu realizador. “O cinema me transformou na vida. A percepção de mundo, a preocupação com o próximo, a sensibilidade. O cinema ativou muito isso em mim”, explica Torquato Joel, que tem que ampliar o projeto para outras áreas do cinema.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 05 de janeiro de 2021