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Psicodelia do ‘Nada Tropical’: Glue Trip se cerca de grandes nomes da música para falar do Brasil e atingir o mundo mantendo a essência do projeto

publicado: 30/05/2022 08h59, última modificação: 30/05/2022 08h59
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Foto: Bel Gandolfo/Divulgação

por Joel Cavalcanti*

Emergindo da cena psicodélica paraibana, a banda pessoense Glue Trip vem lançando singles que antecipam a proposta sonora do aguardado terceiro álbum e já apontam cada vez mais para a internacionalização do grupo radicado há três anos em São Paulo. Serão três faixas reveladas até a divulgação de Nada Tropical, que aposta em elementos mais orgânicos e se cerca de grandes nomes da música para manter a essência do projeto de experimentação musical que não se perde na psicodelia. Instaurando um clima reflexivo e nostálgico em suas composições que assumem a influência tropicalista, essa será a primeira vez que a banda grava músicas em português: elas são cinco das nove faixas.

Primeiro veio ‘Lazy Dayz’, em abril. Uma parceria da banda com o maestro Arthur Verocai que se notabilizou por misturar jazz, bossa nova e música experimental, e já trabalhou com nomes como Jorge Ben Jor, Gal Costa, Erasmo Carlos e Marcos Valle. “Gravar com orquestra foi o ápice desse disco. Os arranjos do Verocai são muito brasileiros e trazer ele para o disco é uma mensagem sobre o que estou querendo propor”, destaca Lucas Moura, cantor, compositor e instrumentista na Glue Trip. Na semana passada foi a vez de ‘Tempo presente’ ser divulgada. “A música é um daqueles desabafos que a gente solta numa roda de amigos já depois de várias cervejas. Ela tem frases aleatórias com as obviedades que só se dizem numa mesa de bar e sintetiza para mim toda a sonoridade do novo álbum. Foi o ponto de partida para todo o disco”, resume Moura, que ouvia muito Azymuth, Flora Purim e Marcos Valle enquanto criava as faixas do novo álbum. O terceiro single a ser revelado em junho leva inclusive o nome do músico carioca Marcos Valle.

Antes mesmo que Nada Tropical seja conhecido em sua completude, a banda já tem uma turnê de 25 shows marcados para setembro na Europa, onde eles devem passar por Suíça, França, Inglaterra, Alemanha e Itália. “Estamos em um momento muito legal e esse terceiro álbum está abrindo muitas portas. A gente tem um público muito forte lá fora. A quantidade de ouvintes que temos no Brasil é a mesma que temos nos EUA, por exemplo”, conta Lucas Moura, que já levou a Glue Trip para a Argentina e para o Chile. Mas suas músicas já se espalharam para muito além disso. “Esse disco ainda tem essa perspectiva de olhar para fora, mas mostrando o que está dentro, na música brasileira. É um disco voltado para o Brasil e também para mostrar o país”.

Fundada em 2013, o primeiro disco saiu dois anos depois com músicas como ‘Elbow Pain’. O vídeo dessa canção já ultrapassou mais de 14 milhões de visualizações no YouTube e ganhou várias versões por todo o mundo. O sucesso não passou despercebido por selos internacionais, e o primeiro álbum do grupo foi lançado no Japão e na Europa em formatos físicos. Com Sea at Night (2018), segundo disco da banda – considerado um dos álbuns brasileiros mais experimentais daquele ano pela crítica especializada –, eles começaram a mergulhar ainda mais profundamente nas águas da música brasileira em fusão com os sintetizadores da música eletrônica.

Para o terceiro álbum, programado para chegar às plataformas de streaming no dia 15 de julho, o grupo se renovou completamente e começando por seus integrantes, que agora conta com João Boaventura (piano elétrico), Pedro Lacerda (bateria) e Thiago Leal (baixo). No sentido contrário ao que a pandemia exigia, para a criação de Nada Tropical Lucas decidiu fugir do padrão de composição quase sempre solitário dos discos anteriores para reunir mais pessoas para o seu projeto e marcar uma oposição contra o individualismo que naturalmente as condições de trabalho ensejavam. Foi assim que eles convidaram ainda o produtor musical, arranjador e multi-instrumentista Zé Nigro. O nome dele está associado a artistas como Russo Passapusso e à bandas indies de São Paulo, como Anelis Assumpção, Bárbara Eugenia, Curumin e Saulo Duarte. Integra o projeto ainda o pernambucano Otto em uma faixa que homenageará a Praia do Bessa, em João Pessoa.

Com gravações realizadas no estúdio YB, em São Paulo, pelo selo Matraca Records, o nome Nada Tropical contém uma dose de ironia e outra de crítica. Esse é um álbum eminentemente tropicalista da banda, e o que anda em desacordo com isso é o próprio país. “A gente está acostumado a conhecer o Brasil de Jorge Ben, Gilberto Gil, Gal Costa e Rita Lee, e quando você olha para a situação atual você percebe que ele não está nada tropical com Bolsonaro”, considera Lucas. “Tenho muito orgulho desse trabalho. Ele é o melhor que já fiz até hoje. É a Glue Trip que eu sempre quis”.

E para chegar onde eles desejam foi preciso dar um passo à frente: um passo para fora do estado e do Brasil, apesar de Lucas fazer questão de continuar apresentando a banda como paraibana. “Eu lidero o projeto e ele surgiu em João Pessoa, que foi onde eu construí a base da banda e ele tem muito a ver com o lugar. A cidade foi um celeiro para as ideias da Glue Trip, mas a gente atingiu um teto. Ou a gente se satisfazia com aquele teto, ou iria para fora buscar um teto maior”, ilustra o pessoense.

Muitos dos novos ouvintes da Glue Trip vêm dos clipes produzidos pela banda. Por isso mesmo, eles dão especial atenção ao conceito visual e a um padrão estético que funciona de forma adicional e complementar ao som que estabelece uma atmosfera de efeito alucinógeno. Lucas Moura não nega que faz músicas para viajantes. “Eu não delimito o meu público. As músicas estão aí e estão disponíveis para quem as quiser escutar. Quando eu digo que são músicas para viajantes é que quando estamos viajando nós entramos em um estado de espírito mais contemplativo e a música se integra neste momento”, finaliza.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 29 de maio de 2022