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Quando a MPB teve novos significados

publicado: 09/03/2023 00h00, última modificação: 09/03/2023 11h00
Hoje, na Livraria A União, na capital paraibana, será lançado ‘1979 – O ano que ressignificou a MPB’, livro que reúne uma série de importantes discobiografias
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'1979: O ano que ressignificou a MPB'. Célio Albuquerque (organizador do livro) à esquerda e André Cananéa, um dos colaboradores da obra, à direita.
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Célio Albuquerque. Foto: Karolina Abrantes.
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André Cananéa. Foto: Edson Matos.
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'1979: O ano que ressignificou a MPB'. Imagem: GarotaFM Books/Divulgação.
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tags: Andre Cananea , Celio Albuquerque

por Joel Cavalcanti*

“Ai, ai meu Deus! O que foi que aconteceu com a Música Popular Brasileira?”, questionava Rita Lee em ‘Arrombou a festa II’, faixa que encerra o LP homônimo lançado em 1979 pela cantora paulista. A canção, uma homenagem satírica aos artistas da época, faz algumas referências importantes para relembrar o contexto musical de 44 anos atrás. A composição de Rita com Paulo Coelho cita a “onda discoteque”, nomeia várias mulheres que surgiam com força no cenário da MPB, além de mencionar o samba e sua eterna luta por sobrevivência (“Pra defender o samba contrataram Alcione / É boa de pistom, mas bota a boca no trombone”) e ainda termina lembrando da repressão que persistia no período da ditadura: “Corre que lá vem os ‘homi’!”

De forma detalhada, todos esses ingredientes do caldo cultural daquele tempo estão explicados e ilustrados em 1979 – O ano que ressignificou a MPB (Garota FM Books, 576 páginas, R$ 99), que será lançado hoje, às 18h, na Livraria A União, no Espaço Cultural José Lins do Rego, em João Pessoa. Estarão presentes o organizador da obra, o jornalista e pesquisador carioca Célio Albuquerque, e o jornalista e crítico musical paraibano André Cananéa, presente na coletânea de discobiografias falando sobre Geraldo Vandré. A Paraíba está representada no livro com quatro artistas. Além de Vandré, Zé Ramalho e seu segundo LP solo, A Peleja do Diabo com o Dono do Céu; Elba Ramalho e seu álbum de estreia, Ave de Prata; e Cátia de França, que se mostrava pela primeira vez ao país com 20 Palavras ao redor do Sol.

“A gente tem uma força de produção fonográfica de artistas paraibanos muito grande. A curadoria do Célio resolveu escolher esses quatro, número que acho muito expressivo em um universo de 100. A Paraíba sempre foi boa em produção fonográfica, e nessa fase dos anos 1970 e 80, é fantástica”, avalia Cananéa.

O livro tem prefácio construído com quatro textos que dão os azimutes para referenciar o leitor sobre o ano em que o general João Baptista Figueiredo substitui Ernesto Geisel na Presidência do Brasil, Margaret Thatcher se tornou a primeira-ministra do Reino Unido e a Sony lançava o walkman, o primeiro leitor de cassetes portátil da história. Cada um dos 100 discos é abordado por um autor diferente. O time de autores mistura artistas com jornalistas e/ou pesquisadores musicais. Em conjunto, eles apontam os caminhos que ajudam a entender o que de fato aconteceu com a Música Popular Brasileira.

'1979: O ano que ressignificou a MPB'. Imagem: GarotaFM Books/Divulgação.

“A música brasileira começa a ter novos significados. O tom político das composições que há muito tempo habitava a música brasileira, principalmente depois dos festivais da canção, começa a ter tons de esperança e não apenas de luta”, contextualiza Célio Albuquerque, sobre o momento em que exilados políticos voltavam ao país, chegando ao Galeão, como Brizola, Arraes e Gabeira, ao som de ‘O bêbado e o equilibrista’, de João Bosco e Aldir Blanc. Mas essa percepção estava longe de ser unânime, como fica muito bem ilustrado nos discos de Gonzaguinha (Gonzaguinha da Vida) e Ivan Lins (A Noite). Apesar do título aparentemente sombrio, o disco de Ivan Lins era algo cheio de otimismo simbolizado na faixa ‘Desesperar jamais’, composta em parceria com Vítor Martins. Ao passo que Gonzaguinha seguiu o sentido inverso. Conhecido como o ‘cantor-rancor’ na década de 1970, Gonzaguinha lança músicas contundentes e irônicas sobre esse espírito de esperança, como ‘O preto que satisfaz’, uma crítica que relaciona o racismo e a alimentação no símbolo do feijão mais consumido no Rio de Janeiro.

Outro paradigma que é alterado nessa época diz respeito à participação feminina. Para Célio Albuquerque, 1979 é o ano feminino e feminista, com a consolidação da carreira de várias mulheres cantoras e compositoras e a estreia de muitas outras. Lançaram seus primeiros vinis artistas como Fátima Guedes, Angela Ro Ro, Joana, Marlui Miranda e Isolda. Outras que já estavam no mercado lançam discos consistentes, como Sueli Costa, Simone, Fafá de Belém e Elis Regina, que grava ‘Essa Mulher’, composição de Joyce e Ana Terra. “O universo da música popular brasileira percebe que as compositoras eram muito mais que Maysa e Chiquinha Gonzaga”, sintetiza o curador.

Se hoje a indústria fonográfica pulverizou suas possibilidades de gravação e divulgação dos álbuns com possibilidade de produção independente, esse movimento tem início exatamente na década de 1970. “Isso começa a ter uma cara profissional com o disco de Antonio Adolfo, Feito em Casa, de 1977. O Antonio e sua mulher carimbavam literalmente os LPs, mas essa experiência mostrou que era possível fazer um trabalho de qualidade sem cair nas exigências do mercado”, diz Albuquerque. O exemplo bem-sucedido nesse quesito citado no livro é o do Boca Livre, um fenômeno de vendagem dos jovens bonitos que chegaram, inclusive, a ter videoclipe divulgado no Fantástico.

Uma história muito diferente da que Cananéa se deparou para pesquisar sobre Vandré. Em seu texto, ele reconstrói os passos que levaram ao lançamento do LP Geraldo Vandré, conhecido como o disco de ‘Caminhando’. A música que se tornou símbolo da resistência popular contra a ditadura havia saído apenas em compactos que foram censurados e recolhidos pelos militares. “Quando houve mais ou menos um afrouxamento, em 1979, a música foi relançada neste vinil chamado Geraldo Vandré”, remonta o especialista paraibano. O disco em questão é uma coletânea que foi lançada seis anos depois de Vandré ter voltado do exílio no Chile. Nesse momento, ele decidiu parar de fazer música de protesto e até compôs ‘Fabiana’, em homenagem à Força Aérea Brasileira.

“Na verdade, na cabeça de Vandré, ‘Pra não dizer que não falei das flores’ nunca foi uma canção de protesto. Ele, inclusive, me disse isso. Mas nos jornais da época, ele dá uma cutucada nos militares – que é respondida por um general e isso causa um ‘caça às bruxas’. No dia seguinte à matéria, os militares estavam recolhendo os discos. Então, essa história que ‘Caminhando’ não é uma música política nunca colou muito. E a música ‘Fabiana’ foi justamente porque em algum momento ele achou que seria melhor ser amigo do que inimigo dos militares”, conclui Cananéa, que faz em 1979 o que mais gosta em seu ofício, que é levantar as informações históricas e preservar a memória. Ele está ao lado de outros paraibanos escritores, como José Teles, radicado há muitos anos no Recife (PE), e Jotabê Medeiros, natural de Sumé, que vive em São Paulo (SP).

Olhando para os fatos históricos é possível entender um pouco da produção do ano conturbado e complexo que ressignificou a MPB. Mas, quem fizer o exercício inverso, de tentar entender a história através dos 100 discos mais importantes de 1979, conseguirá compreender a realidade daquele tempo? Quem responde é Célio Albuquerque: “A música popular brasileira é muito rica tanto em termos de ritmos como de temáticas. Você ouve as músicas e sintoniza com o que está acontecendo e vai montando a história através desse repertório. Como diz a Joyce, a MPB tem a resposta para tudo”. Isso já ajudaria a responder Rita Lee e o que de fato aconteceu com a Música Popular Brasileira.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 9 de março 2023.