Um concerto para quebrar as barreiras entre a música popular e a música erudita. Essa tem sido a vocação do Quinteto da Paraíba em quase 35 anos de história, mas o grupo camerístico acentua essas características hoje, ao receber para o projeto Quinteto Convida dois virtuosos músicos paraibanos que também fogem desses rótulos em seus trabalhos como instrumentistas, compositores e arranjadores: Uaná Barreto e Helinho Medeiros. Com um repertório autoral e que inclui músicas que vão de Luiz Gonzaga a Piazzolla, o evento de hoje encerra a comemoração dos 45 anos de fundação da Adufpb e acontece de forma gratuita, às 20h, na Sala Radegundis Feitosa, da UFPB, em João Pessoa.
O anfitrião da noite é o contrabaixista Xisto Medeiros, produtor e diretor musical de um dos mais importantes grupos de câmara do país. “Dessa vez a gente traz duas figuras que são pratas da casa e são dois expoentes da música instrumental brasileira que se projeta para o mundo. São dois jovens talentos, dois caras geniais, com um nível musical muito alto. Dois gigantes para fazer essa noite maravilhosa”, destaca o músico, que estará ao lado dos demais integrantes do Quinteto: Ronedilk Dantas (1º violino), Anderson Carvalho (2º violino), Ulisses Silva (viola) e Nilson Galvão (violoncelo).
A noite vai ter início com um dos maiores sucessos do Quinteto, a música ‘Rasga’, de Antonio Nóbrega. A faixa está presente tanto no primeiro quanto no segundo álbum do grupo, que foi gravado pela Nimbus Records, do Reino Unido. Mas o arranjo apresentado desta vez será diferente. Ele foi criado pelo maestro Adail Fernandes especialmente para entrar na trilha sonora da série da Amazon Prime, Cangaço Novo. “Essa foi uma solicitação da produção da série, e ela aparece ali no final do oitavo episódio, em uma cena marcante, que fecha a primeira temporada. É algo muito impactante, uma coisa muito forte”, explica Xisto, que executou ainda trilhas importantes para o audiovisual, a exemplo de Central do Brasil.
A primeira parte do concerto será marcada pela parceria inédita do grupo com Uaná Barreto, interpretando músicas de sua autoria, como ‘Vagalume’ (que será tocada pela primeira vez hoje), ‘Minguante’ e ‘À Horta’, além de ‘Um Adeus’ e ‘Danou-se!’, respectivamente de Adeildo Vieira e Rudá Barreto, pai e irmão do pianista. Todos os arranjos de grande força afetiva foram escritos por Uaná Barreto especialmente para este concerto. “Escolhi um programa que conta um pouco da transformação do meu pensamento musical nos últimos três anos, com a chegada da minha filha Lia. Ela me fez crescer humana e musicalmente. Apesar de haver músicas mais antigas no programa, acredito que todo meu aprendizado com ela foi uma inspiração profunda para os arranjos que serão tocados neste concerto”, considera o instrumentista.
Uaná Barreto é mestre em piano pela UFPB. Além de atuar na música de concerto, desenvolve intenso trabalho de pesquisa, composição e arranjo para piano na música popular. Em parceria com o Instituto Piano Brasileiro, ele publicou arranjos próprios para obras de Guinga, Chico Buarque e Baden Powell. A familiaridade com o repertório da noite se afina na musicalidade do Quinteto, que sempre representou na casa de Uaná Barreto uma referência para o músico que cresceu ouvindo Ancestrais, álbum de Milton Dornellas com o Quinteto. “Eles são todos professores por quem tenho uma profunda admiração e respeito. Acho o Quinteto um grupo extraordinário por ser um defensor ferrenho da música universal. Isso é o que tenho buscado na minha trajetória de pianista: transitar livremente por esses universos musicais que não se repelem, mas se aproximam. Basta ter sensibilidade, coisa que o Quinteto da Paraíba tem de sobra”, considera Barreto.
O outro convidado da noite compartilha da mesma devoção ao Quinteto em uma longa história de inúmeras parcerias no currículo e várias excursões pelo país. Helinho Medeiros é primo de Xisto Medeiros, o que foi fundamental para estreitar ainda mais os laços que se emaranham confundindo o que é a relação familiar da relação musical, de quem é ídolo e quem é fã. “É sempre uma honra para mim poder tocar com o Quinteto, participar e ter essa experiência com esse tipo de sonoridade mais rebuscada, que é uma sonoridade de música clássica, mas com uma pegada armorial da música popular. Todos são músicos que atuam no cenário da música popular, então é muito legal para mim, uma experiência sempre engrandecedora”, considera Helinho.
Helinho Medeiros é sanfoneiro, pianista, produtor e compositor. Ele é professor de música na UFPB e atua ao lado de grupos e artistas diversos, acumulando participações como instrumentista na gravação de mais de 80 títulos. Na segunda parte do programa da noite será apresentada uma música autoral de Helinho, ‘Véu da Aurora’, que ele desenvolveu em parceria com o pai de Uaná, Adeildo Vieira. Para reforçar esse encontro que dobra as esquinas do bairro de Jaguaribe, está prevista ainda a execução de ‘Auto dos Congos’, de Pedro Osmar e Lenine, e ‘Por causa de um ingresso do festival matou roqueira de 15 anos’, escrita por Chico César, de quem Helinho integra a banda. Dominguinhos e Gilberto Gil também serão homenageados com ‘Lamento Sertanejo’, assim como Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, com ‘Paraíba’, que estarão lado a lado com ‘Oblivion’ de Astor Piazzolla.
São múltiplos os pontos de aproximação e semelhanças entre as investigações musicais e estéticas do Quinteto, de Uaná e de Helinho. Mas todos esses pontos parecem convergir esta noite para uma mesma sonoridade polifônica da linguagem musical nordestina. “Helinho Medeiros e Uaná Barreto tanto são cameristas como eles são exímios improvisadores, e isso é uma bandeira capitaneada pelo Quinteto da Paraíba desde a sua desde a sua fundação, trafegando com versatilidade entre a música popular e a música erudita. Está tudo dentro de um mesmo pacote, e isso é a coisa que a gente tem da Paraíba desde sempre”, conclui Xisto.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 25 de outubro de 2023.