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Quem segura o Tchan?

publicado: 18/02/2025 10h02, última modificação: 18/02/2025 10h02
Beto Jamaica e Compadre Washington se apresentaram em JP no sábado e conversaram com A União sobre a trajetória da banda
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Beto Jamaica e Compadre Washington formaram o Gera Samba na década de 1990 | Foto: Divulgação

por Esmejoano Lincol*

Numa noite do início da década de 1990, Beto Jamaica encontrou Compadre Washington, sentado em uma das calçadas do Centro de Salvador, desolado, após ser expulso da banda de pagode da qual era vocalista. Os dois já se conheciam, mas ainda não haviam estreitado laços. “Não se preocupe”, disse Jamaica, “vamos fazer uma nova banda agora”. Nascia ali o Gera Samba, que, pouco depois, se tornaria o É o Tchan. A União conversou com a dupla por ocasião de sua participação no Baile Vermelho e Branco, promovido no último sábado (15), no Clube Cabo Branco, em João Pessoa.

Jamaica e Washington dizem que a paixão pela música chegou cedo: o que ouviram no rádio e nos palcos baianos acabou por influenciar a sonoridade de seus projetos na idade adulta. “Desde novo, ouço samba de roda do Recôncavo Baiano, que foi a inspiração para criarmos o Gera Samba, na época”, remonta jamaica. “Na infância, já me interessava pelo ritmo contagiante dos blocos afro. Mas minha grande inspiração foram os mestres do pagode e do samba”, recorda Washington.

A primeira metade dos anos 1990 foi propícia para a formação de muitos grupos do recém-consolidado axé, ainda que o trabalho de Jamaica e Washington ostentasse uma sonoridade diferente da ouvida nos trios elétricos. Aquele primeiro encontro no Centro Histórico de Salvador resultou no Gera Samba, com elementos mais latentes do pagode.

Os artistas logo assinaram o contrato com a antiga Polygram (hoje Universal Music), gravadora que impulsionou a carreira de outros conjuntos baianos, como as bandas Eva, Asa de Águia e Cheiro de Amor.

O primeiro LP, lançado em 1995, foi chamado de É o Tchan, mesmo nome da faixa que unia duas outras músicas em um pot-pourri — “Pau que nasce torto” e “Melô do tchan”.

Além da dupla de vocalistas, eles se apresentavam com um trio fixo de dançarinos: Carla Perez, Débora Brasil e Jacaré. Outras formações desse corpo de baile se tornariam célebres, como a que incluía a dupla Scheila Carvalho e Sheila Mello — esta última, inclusive, esteve no palco do Clube Cabo Branco, no último fim de semana, em uma participação especial.  

É o Tchan na Suíça

Quando um grupo homônimo reivindicou o uso do nome “Gera Samba”, Beto e Washington optaram por mudar o título do projeto, na esteira do sucesso que tomava conta no Brasil. No Carnaval seguinte, de 1996, eles já se apresentavam como É o Tchan.

O álbum seguinte, Na Cabeça e na Cintura, teve um impacto ainda maior: 2,3 milhões de discos vendidos, com seis músicas entre as mais tocadas naquele ano, nas rádios e nos trios. “Não sei se foi o novo nome que deu sorte, ou se foi a popularização da música junto com o trabalho e uma pitada de sorte. Só sei que deu certo e até hoje temos orgulho de estar nos palcos”, assevera Beto.

O êxito de faixas como “A dança do bumbum”, “Dança da cordinha” e “Dança do põe põe” levou os artistas além dos palcos nacionais. Em julho de 1997, o É o Tchan foi convidado para integrar a comitiva de brasileiros que participou do Festival de Jazz de Montreux, na Suíça, junto com Jorge Ben Jor, Gilberto Gil, Djavan e Chico César.

“Inesquecível. Foi um dos primeiros shows internacionais do grupo. A gente levou a energia do axé a um público totalmente diferente e foi incrível ver como a nossa música contagiou a platéia europeia”, rememora Beto Jamaica.

Ainda que tenha acompanhado boa parte dessas três décadas, Beto Jamaica optou por sair do É o Tchan no início dos anos 2000 e encampar uma carreira solo, por meio da qual lançou dois discos. A saída abriu espaço para a entrada de outros vocalistas, como Renatinho da Bahia e Tony Salles.

Jamaica retornou ao grupo em 2010 e considera que a experiência fora do conjunto foi muito importante. “Pude explorar outras sonoridades, vivenciar novas parcerias e me redescobrir como artista. Mas a minha essência sempre esteve ligada ao Tchan, então, quando voltei, trouxe um novo gás e uma maturidade diferente”, assinala.

Patrimônio cultural

As dançarinas do É o Tchan marcaram época, assim como os concursos para escolher as novas integrantes, promovidos pelo Domingão do Faustão e pelo Domingo Legal. A sensualidade dos números musicais era explorada de maneira provocante pela televisão na época, com closes despudorados no corpo das mulheres; com o tempo, essa prática caiu em desuso pelas emissoras.

“Elas nos ajudaram a transformar nossas músicas em fenômeno, todo mundo queria aprender as coreografias. Apesar dessas eventuais mudanças na forma de como estamos na TV, a essência do nosso trabalho continua a mesma: levar alegria, sempre com muito respeito”, comenta Compadre Washington.

Outra tradição dos anos 1990: os álbuns temáticos da banda, que “enviavam” os artistas para lugares peculiares, como o Egito, o Havaí e até a “selva”. Washington comenta que a ideia de explorar esses locais partiu do ensejo de buscar novidades, deixando o público curioso e animado para o que o grupo lançaria no ano seguinte.

“O mais divertido de produzir foi o É o Tchan no Havaí, de 1998. A gente viajou, gravou clipes em paisagens incríveis e viveu momentos inesquecíveis. Foi uma experiência única levar nosso som para um ambiente tão diferente e ver que nossa música tinha um alcance impressionante”, pontua.

Entre 2023 e 2024, o É o Tchan celebrou os 30 anos da formação do grupo com uma turnê comemorativa, que circulou por vários estados com uma de suas formações mais clássicas — além de Beto e Washington, as “Sheillas” e Jacaré. Carla Perez participou de um dos shows, em Salvador. No fim do ano passado, esse projeto foi encerrado com o lançamento do single mais recente do conjunto, “Jogadinha”, composto pelos vocalistas em parceria com Duller e Fábio Alcântara.

Passados 30 anos do momento-chave que o É o Tchan viveu, Compadre Washington, o único que permaneceu junto ao grupo desde a época do Gera Samba, afirma que ele, Beto e os demais colegas ultrapassaram o status de banda e tornaram-se um patrimônio da cultura popular brasileira.

“A gente ainda consegue colocar todo mundo para dançar, de crianças a adultos que cresceram ouvindo nossas músicas. Para mim, significa história, resistência e, acima de tudo, alegria. O É o Tchan segue vivo porque representa um momento especial da música brasileira”, conclui Washington.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 18 de fevereiro de 2025.