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Questões femininas em poesia

publicado: 21/05/2024 09h11, última modificação: 21/05/2024 12h00
Morando atualmente em Nova York, a paraibana Marília Valengo lança amanhã em João Pessoa o livro ‘Toda Família Tem Uma’

por Esmejoano Lincol*

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Marília escreveu livro enquanto enfrentava um tratamento de fertilidade | Foto: Arquivo pessoal

“Foi num impulso”, responde a escritora e publicitária pessoense Marília Valengo, quando questionada sobre porque se mudou para o Rio de Janeiro há duas décadas. A ida para Nova York com o marido anos depois, em 2016, foi bem melhor planejada, motivada por uma oportunidade de trabalho oferecida a seu cônjuge. Todavia, é neste percorrer da vida, ora com pressa, ora mais devagar, que Marília coleta a matéria-prima para compor seus poemas. Uma leva recente de textos integra o seu novo livro, Toda Família Tem Uma, que será lançado amanhã em João Pessoa no Manga Rosa Arte Bar, situado no bairro do Bessa, a partir das 18h e com entrada franca. A também escritora Jennifer Trajano participará do evento, mediando debate com a autora, que virá dos Estados Unidos para este evento.

Toda Família Tem Uma reúne 41 poemas escritos por Marília num período importante de sua vida: tentava engravidar, através de tratamento de fertilidade. Durante este tempo, esteve no Brasil algumas vezes, justamente para as consultas.

Os textos foram coletados num universo bem maior de poemas escritos pela autora, mas, foram escolhidos para este livro por estarem conectados com este tema que rondava sua vida àquela altura. “Fiquei indo e vindo durante quase dois anos e nesse meio tempo, consumida pela intensidade desse objetivo maior, escrevia notas, piadas e observações que acabavam virando poemas. Eu estava tentando me situar entre uma catástrofe mundial e meu próprio drama”, rememora.

Sobre o título do livro, que parte de um chiste conhecido sobre famílias serem todas iguais, Marília declara que trouxe este tema para o nome de sua obra justamente para desconstruí-lo. “É uma referência a essa personagem que existe nos núcleos familiares que foge à regra, que tenta algo novo seja por escolha, seja por fruto do acaso. É uma maneira de dizer que a homogeneidade é uma ilusão”, pontua a escritora.

Do novo lançamento, ela destaca dois poemas. “Oração”, que, de acordo com ela, “investiga ironicamente o desaparecimento, a anulação a que a mulher precisa se submeter para estar no mundo e também na maternidade”: “Se for para desaparecer/que seja perto do mar/ que exista a possibilidade do/ meu corpo ser coberto por/ alga/ e pedaços de mariscos/ corpo/ alga/ e pedaços de mariscos em abundância/ que depois de anos em decomposição/ virarão fósseis (...)”.

O segundo poema é “Compulsoriamente”, que, segundo a autora, “olha para as outras mulheres que cuidam, que cozinha a chegada da criança, mas que acalenta também a mulher que se transforma tantas vezes no mundo”: “dizer por aí, eu sou mãe/ eu sou mãe/ como quem diz/ que pesquisa as galáxias/ e a relativização do tempo (...)”. 

TODA FAMÍLIA TEM UMA
- De Marília Valengo. Editora: 7 Letras. 96 páginas. Formato: 14 x 21 cm. R$ 54.
- Lançamento amanhã (22), às 18h.
- No Manga Rosa Arte Bar (Av. Campos Sales, 153, Bessa, João Pessoa).
- Entrada franca.

A publicitária

Marília foi uma ávida leitora na infância, a ponto de se tornar amiga das bibliotecárias de sua escola. Queria saber antes de todo mundo quais os novos livros didáticos que seriam postos na prateleira. “Meu preferido era José Lins do Rego. Não só a saga da cana, mas seus livros mais poéticos como Pureza, Riacho Doce. Depois conheci a grande trinca, na adolescência, Hilda Hilst, Clarice Lispector e Lygia Fagundes Telles, e ali eu percebi que também queria trabalhar escrevendo”, relembra.  

Jovem, formou-se em Publicidade e Propaganda. Hoje, além de ser designer de joias – “e uma péssima vendedora” de suas peças, fala, brincando – ela ainda segue trabalhando como redatora e analista de mídias sociais nos Estados Unidos, mas fala com franqueza sobre a crise do mercado publicitário, sobretudo na Paraíba.

“A cultura da quantidade versus qualidade continua em alta por aqui (em João Pessoa). Um bom profissional custa caro, ou custa o justo, só que não tem grandes pagantes. Tem construtoras, que são a maior fonte de renda das agências, mas não há construtora para todo mundo, né? A política também esquenta o mercado, mas nem todo ano é ano de eleição”, afirma Marília.

Quando indagada sobre as similaridades entre seus dois principais ofícios – a publicidade e a literatura –, a autora de Toda Família Tem Uma alega que alguns profissionais alimentam uma fantasia infundada em torno da publicidade também ser uma forma de arte. Segundo Marília, escrever poemas é o que lhe dá a oportunidade de se “desvendar” – algo que os textos publicitários não podem lhe fornecer: “Estes são textos de conquista, persuasivos, usam outras ferramentas cognitivas. Precisam de observação, mas uma observação mais cínica sobre a cultura e os indivíduos porque, afinal, existe um objetivo monetário claro por trás de toda a lógica criativa. A literatura não. Pelo menos não a princípio”.   

A poeta

Há alguns anos, Marília começou a publicizar seus escritos literários. Primeiro através dos blogs, depois com a criação de uma newsletter – com uma periodicidade bem elástica, nas palavras da redatora: Relatos de Fauna & Flora foi criada no meio da pandemia e desde então dispara poemas da autora para os e-mails cadastrados. “Sentia falta de conversar em textos mais longos. Estava em Nova York, sufocada, cheia de coisas para dizer naquele momento surreal desta década. A repercussão foi muito boa”, atesta.

A pandemia foi um período intenso para Marília não apenas no âmbito pessoal, mas também no tocante à sua produção literária – que diz ser incessante. Seu primeiro livro foi lançado em outubro de 2020 com o nome Grito em Praça Vazia, pela 7 Letras – que também editou seu novo projeto.

Foto: Divulgação/7 Letras

“Não consegui escrever nada sobre a Covid-19, nem sobre o medo, nem sobre a raiva que sentia... a incerteza, as péssimas decisões do governo brasileiro. Mas aproveitei essa paralisia criativa para editar os poemas que viraram o meu primeiro trabalho”.

Gritos... emula tanto em seu título como em sua seleção de poemas a solidão e o estranhamento de ser uma estrangeira morando nos Estados Unidos num momento crítico de nossa história. “Lido com uma sensação de flutuação constante, de pertencer sem pertencer, de estar em casa sem estar. São essas as emoções que exploro neste primeiro trabalho, mas ele contém poemas iniciados em outras épocas da minha vida”, explica. 

A Marília “do futuro”

Com 20 anos de casamento recém-completados, Marília se diz reflexiva com a data e projeta que seu próximo trabalho deve se debruçar sobre o amor e suas diferentes formas. “Não apenas esse amor erótico, o amor das entranhas, mas o amor da entrega absoluta, entre os amigos, o familiar e o divino. O amor que cria tudo, inclusive um Deus. Estou pesquisando com Anne Carson, bell hooks (a autora grafa seu nome em minúsculas), Rumi, Hilda Hilston, Aretha Franklyn, com teóricos da não-violência, com o Budismo, com a música brasileira. Estou com a lente do amor olhando pro mundo. No que vai dar, ainda não sei”, adianta.  

Através do link, acesse o site oficial da escritora Marília Valengo.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 21 de maio de 2024.