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Literatura

Realidade no pós-terror em pauta

publicado: 11/08/2023 09h07, última modificação: 11/08/2023 09h07
Hoje, na Livraria A União, em João Pessoa, projeto Roda de Conversa apresenta a coletânea de contos ‘Imaginário Particular’, o primeiro livro do escritor paraibano Rodrigo Brandão

por Guilherme Cabral*

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No bate-papo de lançamento, Brandão pretende falar sobre o início da sua carreira literária, há dois anos, e de como conseguiu publicar por várias editoras independentes existentes no Brasil - Foto: Acervo Pessoal

Imaginário Particular (Editora Flyve, 129 páginas, R$ 30) é o título do primeiro livro que o paraibano Rodrigo Brandão lança hoje, a partir das 19h, em sessão de autógrafos e dentro do projeto Roda de Conversa que acontece na Livraria A União, instalada no Espaço Cultural José Lins do Rego, em João Pessoa. Durante o evento, haverá bate-papo com as participações do escritor e doutor em Escrita Criativa, Tiago Germano, e de um dos fundadores da Associação Paraibana de Jogos, Matheus Medvedeff, ocasião em que todos vão imergir no universo do pós-terror, suspense e ficção científica, gêneros abordados na obra.

Rodrigo Brandão antecipou que pretende falar sobre o início, há dois anos, da sua carreira literária, e de como conseguiu publicar por editoras independentes existentes no Brasil. “Tenho uma coisa peculiar no meu perfil, pois venho do audiovisual, que é a área de jogos digitais, e vou investir cada vez mais na literatura, que é outra linguagem, embora mantendo essas duas atividades paralelamente. Amo escrever, é terapêutico”, disse ele.

Todos os 10 contos incluídos no livro foram escritos ao longo do ano passado. Desse total, Brandão ressaltou que dois são inéditos, cujos títulos são O Espectral e Três Marias, enquanto os demais ele publicou, como coautor, em mais de duas dezenas de antologias de editoras independentes. Ele garantiu que essa sua primeira obra solo vai envolver os leitores em histórias que considera fascinantes, repletas de críticas sociais que remetem à contemporaneidade. Povoam as histórias do livro espectros, alienígenas e outras criaturas fantásticas do imaginário popular, em tramas curtas. São enredos que retratam, por exemplo, a vingança do espírito de uma mulher trans, que expõe um assassinato; um jovem universitário místico com paralisia do sono que enfrenta uma entidade maligna que busca roubar seu corpo; suspense policial numa comunidade ribeirinha; e um apocalipse zumbi negligenciado por um governo de extrema-direita.

“O conto O Espectral, o maior do livro, com 14 páginas, é um pós-terror com elementos biográficos, porque peguei coisas da minha adolescência, no Jardim Glória, em Jaguaribe, bairro de João Pessoa, onde nasci e saí aos 22 anos de idade. O pós-terror é um terror com crítica social, que escolhi para incluir no livro para abordar temas como racismo, homofobia, causa LGBT, feminicídio, preservação ambiental, mas não para causar a sensação de medo. O intuito foi o de causar sensação análoga ao terror, por ser mais sutil e não é tão explícito, porque impacta é pela mensagem. O conto Três Marias é interessante porque é baseado num pesadelo meu recorrente, que tenho até hoje e sei que ocorre por ter a ver com ansiedade. Eu o escrevi como forma de lhe dar significado e entendê-lo e acabou sendo um conto alegórico sobre a consciência de classe”, comentou Rodrigo Brandão.

O escritor justificou a decisão de enveredar pela publicação de livros nos gêneros de pós-terror, ficção científica e suspense. “Eu escolhi porque gosto e, com a literatura fantástica, posso falar de coisas reais de forma alegórica ou metafórica. Para isso me inspiro em obras de escritores como Michael Crichton, autor de Jurassic Park, Isaac Asimov e Philip K. Dick. E também gosto de cineastas de filmes de pós-terror, como Jordan Peele e Mike Flanagan. Na Paraíba, acho que esses gêneros literários ainda são pouco explorados e atribuo algumas hipóteses para isso: talvez as pessoas ficam intimidadas para escrever histórias de pós-terror, ficção científica e suspense; ou com medo; ou não se sintam seguras, por não dominarem os temas. Mas, através de publicações de editoras independentes e divulgação de obras, conheci outros escritores paraibanos desses gêneros, como o Juscelino, de Solânea”, disse ele.
Para o paraibano, quando as editoras aprovam os textos significa que atestam um mínimo de qualidade. “Eu quero imortalizar os meus textos e os contos que estão no livro são o melhor da minha produção literária do ano passado”, apontou Brandão. “Publicar esse primeiro livro solo é um passo adiante para buscar me consolidar na carreira de escritor”.

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Mergulhando no universo do pós-terror, suspense e ficção científica, todos os 10 contos incluídos no livro foram escritos ao longo do ano passado, sendo dois inéditos - Imagens: Editora Flyve/Divulgação

Rodrigo Brandão está produzindo o seu segundo livro autoral, ainda sem título, contendo contos e crônicas com abordagens similares a essa primeira obra, Imaginário Particular. “O livro deverá ter cerca de 12 textos, dos quais já tenho 60% do material pronto, cuja previsão é de lançar no final do ano”, afirmou ele, que também é professor universitário em faculdades privadas, designer de jogos digitais, principalmente de cunho educativo, e faz pós-graduação em escrita criativa em instituição de ensino superior particular para aprimorar o seu trabalho como autor.

Confira trechos de alguns contos presentes na obra

Corpo Estranho
— Mas que existência de merda, Sara! — vocifera Hilton. — Tornar-se um mero parasita para depender de migalhas diárias minhas. Essa é a sua grande vingança!?
— Ninguém em sã consciência ficaria muito tempo num lugar indesejado, Hilton. E várias vezes numa só existência. Sinceramente, não sei como você aguenta.
— Porque não sou uma aberração como você!
Palavras tão ou mais dolorosas do que as pauladas que ceifaram a curta vida dela. Uma velha ofensa que sempre soa nova quando desferida por pessoas amadas.

Nas margens da ilusão
Nas margens do Rio Tapajós, no município paraense de Itaituba, a comunidade ribeirinha Zé Luis há muito sobrevive sobre as palafitas. Apesar da boa relação com a natureza em sua atividade extrativista secular, a maior ameaça à sua continuidade provém de sua própria espécie. A coexistência harmônica tem sido maculada pela ambição desmedida que habita as mentes corrompidas da região.

As chamas ainda ardem incontrolavelmente nas últimas casas. As brasas consumadas espalham no ar vestígios daquilo que já foi um lar, pintando de escuridão os rostos maltratados dos desabrigados. As marcas dos pneus das caminhonetes no solo denunciam de onde vieram os grileiros e por onde foram. Eles já foram mais sorrateiros, mas nunca deixaram de ser criminosos. As ameaças constantes sempre desestimularam muitos de seguirem a trilha. Os poucos que a seguiram sucumbiram pelo caminho.

Sobre viver
Bum-bum-bum! Tudo aconteceu muito rápido. Inicialmente, disseram-nos para ficarmos em casa. Havia algo muito errado com o comportamento agressivo dos primeiros infectados pela zoonose, manifestado poucos dias após o contágio. A alta transmissibilidade e a rápida disseminação geográfica do vírus em todo o mundo fez com que a OMS rapidamente declarasse uma sindemia no Brasil, a contragosto do Governo Federal.

Estamos lidando com uma perigosa mutação do Lyssavirus, membro da família Rhabdoviridae, causador da raiva. A devastação desenfreada (e recordista) da Amazônia nos últimos anos fez com que um grupo de madeireiros no Pará fossem infectados por morcegos hematófagos. Uma festinha particular dos desmatadores disseminou o vírus em dezenas de pessoas por meio da saliva, fazendo-o chegar rapidamente em outros estados brasileiros.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 11 de agosto de 2023.