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Reencontro com Macabéa

publicado: 20/05/2024 09h08, última modificação: 20/05/2024 09h08
‘A Hora da Estrela’, com o qual Marcélia Cartaxo ganhou o prêmio de melhor atriz no Festival de Berlim, será apresentado terça no Cinépolis Manaíra, em versão restaurada
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Fotos: Divulgação

por Sheila Raposo*

Há cerca de 40 anos, a história de uma moça sonhadora e ingênua que deixa o berço nordestino para tentar a vida na região Sudeste tomou as telas de cinema do Brasil e do mundo. De nome Macabéa, essa moça é a protagonista do filme A Hora da Estrela, clássico da cinematografia nacional adaptado da obra homônima de Clarice Lispector. Vivida com maestria pela atriz Marcélia Cartaxo, Macabéa volta a dar as caras nos cinemas do país, em cópia restaurada digitalmente e distribuída pela Sessão Vitrine Petrobras. Em João Pessoa, o filme será exibido na próxima terça-feira (21), em sessão única, no Cinépolis Manaíra, às 19h.

No filme, Marcélia Cartaxo contracena com Fernanda Montenegro, que interpreta uma cartomante

Lançado originalmente em 1985, no Festival de Brasília, e entrando em cartaz em 1986 nos cinemas, o primeiro longa-metragem da cineasta Suzana Amaral colecionou prêmios: venceu

 o Urso de Prata de melhor atriz (a paraibana é a primeira atriz brasileira a realizar esse feito) e o prêmio

 da crítica no Festival de Berlim, em 1986, depois de ter angariado seis prêmios em Brasília, incluindo melhor filme e melhor direção. A Hora da Estrela foi, ainda, eleito pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine) como um dos 100 melhores filmes brasileiros de todos os tempos (está em 42o). “É o carro-chefe do meu currículo. A importância que esse filme tem é tanta que até hoje eu busco referências nele”, diz Marcélia Cartaxo.

Antes de chegar aos cinemas, a versão restaurada de A Hora da Estrela teve pré-estreia gratuita na Cinemateca Brasileira, em São Paulo, no último dia 9. Realizada ao ar livre, a exibição contou com a participação de Marcélia, e também de Assunção Hernandes, produtora do filme, e Claudia Rezende, uma das filhas de Suzana Amaral — a cineasta faleceu em 2020. “Foi maravilhoso participar desse momento. A cópia está limpa, com fotografia incrível, som maravilhoso... Torço para que outras obras importantes para a história e a memória do cinema brasileiro tenham a mesma oportunidade de serem restauradas”, ressalta.

O relançamento de A hora da Estrela faz parte de um projeto da Petrobras que busca distribuir e democratizar o cinema brasileiro em salas comerciais. O filme foi restaurado digitalmente em 4K a partir das gravações originais de áudio e vídeo e está sendo relançado em 20 cidades brasileiras. Além de Marcélia e Dumont, o elenco desse filme conta com Fernanda Montenegro, Tamara Taxman, Umberto Magnani e Marcus Vinicius.

 A atriz

Considerada uma das maiores atrizes brasileiras, Marcélia Cartaxo nasceu em Cajazeiras, Paraíba, em outubro de 1963. Começou a trabalhar no teatro aos 12 anos de idade, na sua cidade natal. A consagração nacional veio cedo, já na estreia no cinema, com A Hora da Estrela.

De lá para cá, ela segue brilhando tanto nos palcos quanto no cinema e na televisão. Tem atuações destacadas em filmes como em Madame Satã, de Karim Aïnouz (2002) — pelo qual recebeu o Prêmio de melhor atriz no então Grande Prêmio do Cinema Brasileiro (hoje Prêmio Grande Otelo) —, e Pacarrete (2020), de Alan Deberton — filme que lhe deu o prêmio de melhor atriz do Festival de Gramado.

Com dezenas de prêmios e de personagens, Marcélia é também cineasta. Em 2016, o seu filme de ficção, Redemunho, foi um dos grandes vencedores do festival Cine PE, nas categorias de melhor curta-metragem, melhor ator (para Daniel Porpino), melhor roteiro e Prêmio Canal Brasil. No streaming, vive, atualmente, a personagem Zeza, na série Cangaço Novo (2023).

 O filme

Macabéa, nordestina de Alagoas, é uma mulher pobre, solitária, silenciosa, semianalfabeta, quase sem consciência da própria existência — um ser praticamente invisível. Depois de enterrar a última parente que lhe restava, ela migra para o Sudeste — no livro, a cidade é o Rio de Janeiro, mas o filme ambienta a história em São Paulo.

Na metrópole, ela aluga um quarto em uma pensão, consegue um emprego de datilógrafa e, nas horas livres, ouve a Rádio Relógio. Apaixonada pelo ambicioso Olímpico de Jesus (José Dumont), um metalúrgico nordestino que logo a trai com uma colega de trabalho, a jovem se desespera e procura a ajuda de uma cartomante, que lhe prevê um futuro luminoso.

No filme, a trajetória de Macabéa é contada em estilo realista clássico, simples e direto, sem a intervenção de uma voz narradora ou de comentários exteriores à experiência vivida pela personagem — diferente do livro, em que o narrador Rodrigo S. M. faz reflexões existenciais durante toda a obra.

 O livro

Em 1977, em sua última entrevista — concedida ao jornalista Júlio Lerner, do programa Panorama, da TV Cultura —, Clarice Lispector descreve o romance como “[...] a história de uma moça tão pobre que só comia cachorro-quente. A história não é isso só, não. A história é de uma inocência pisada, de uma miséria anônima”.

A obra literária levada às telas cinematográficas é, também, o último livro publicado pela escritora, lançado pouco tempo antes de ela morrer. Nele, Clarice se afasta da inflexão intimista que caracteriza a sua escrita e desafia a realidade, com personagens muito diversos dela — que sempre esteve no centro dos seus relatos.

Na última página, depois de Macabéa, enfim, viver o seu momento de estrela, o narrador do livro (espécie de alter ego da autora), solta: “E agora — agora só me resta acender um cigarro e ir para casa. Meu Deus, só agora lembrei que a gente morre.”chegando no Brasil”, destacou Kim.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 20 de maio de 2024.