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Referências brotadas do chão da Paraíba

publicado: 24/01/2024 09h00, última modificação: 24/01/2024 09h00
Amanhã, na capital, entrará em cartaz a mostra ‘O chão tem a história inteira’, um panorama da produção artística de Thiago Costa
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Segunda individual do artista de Bananeiras (PB) expõe 12 trabalhos criados em diferentes suportes e materiais como esculturas férreas, têxteis, poemas, vídeos e quadros - Foto: Renata Terepins/Divulgação

por Joel Cavalcanti*

A linguagem é mais que uma ferramenta para comunicação. Ela funciona como uma ponte conectando o mundo interior de uma pessoa com o universo externo. O seu poder em programar os pensamentos vai além do próprio indivíduo e influencia a consciência coletiva. Compreender a linguagem é manipular com forças ancestrais que dão forma à realidade. Dar forma à linguagem é justamente o que propõe o artista plástico paraibano Thiago Costa, que abre, amanhã, a exposição O chão tem a história inteira, às 19h, na Galeria Archidy Picado, no Espaço Cultural José Lins do Rego, em João Pessoa.

Com 12 obras criadas em diferentes suportes e materiais como esculturas férreas, têxteis, poemas, vídeos e quadros, a mostra é apenas a segunda individual do artista natural de Bananeiras, no Brejo do estado, e conta com peças que estavam expostas até recentemente em galerias e museus de São Paulo e Minas Gerais. Justamente por terem passados seis anos desde a última vez que ele trouxe seu trabalho ao público paraibano, O chão tem a história inteira busca fazer um panorama da produção artística de Thiago Costa ao longo desse tempo e homenagear as suas principais referências brotadas do chão paraibano.

Algumas dessas homenagens são expressadas através da materialização de Oríkì’s, que são palavras portadoras de força e axé, originadas na língua yorubá e muito utilizadas em ritos religiosos afro-brasileiros. “Uma das minhas práticas é pensar a poesia visual em um processo escultórico. Há referência às tradições geométricas em tradições africanas, yorubás e bantus porque há em mim também o desejo de devolver a geometria para os povos africanos. O cubismo foi uma vanguarda da arte, mas o que se fazia era um estudo das máscaras africanas e criaram um movimento quando na verdade se estava estudando geometria africana. Meu trabalho tem esse exercício de modulação na história da arte”, descreve Thiago Costa.

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Na mostra, algumas obras trabalham com os retalhos de tecido proveniente da confecção de roupas dos Axós, comuns em festas do candomblé e vestidas para agradar os orixás - Foto: Anderson Martins/Divulgação

O chão tem a história inteira é também o nome de uma das obras expostas em que se procura estabelecer um diálogo com correntes artísticas como a poesia concreta, neoconcreta e poema-processo. Além de explorar a visualidade da linguagem, transformando registros sonoros em formas tridimensionais, o artista faz isso usando materiais como o vergalhão, comum na construção civil. De maneira similar, algumas obras trabalham com os retalhos de tecido proveniente da confecção de roupas dos Axós, comuns em festas do candomblé e vestidas para agradar os orixás.

Em mais um tributo pago por Thiago, o vergalhão e o tecido remetem aos avós do artista, um ferreiro e uma costureira. “São coisas que são estruturais. O vergalhão é usado para dar uma estrutura depois que ele é coberto. Já para as minhas esculturas têxteis, pego alguns tecidos que ganho e vou também descobrindo ali a estrutura que a pessoa costurou, os moldes que ela fez e vou tentando construir uma peça respeitando e contornando essa relação com a própria forma que o tecido já tem”, explica. É como está na obra Para Helena, sua avó, para quem ele faz um Oríkì de homenagem.

Essas homenagens são criadas por Thiago Costa ao converter os materiais que estruturam sua memória. “Quando passei a trabalhar com esses materiais, eu tinha essa facilidade porque começava a lembrar como eles faziam. Na oficina do meu avô, eu entortava alguns ferros, pintava os portões e ele fazia os gradis quando eu tinha por volta de 10 anos. E minha avó até hoje tem uma banca na feira, em Solânea, onde ela vende as coisas que costura. Eles não me ensinaram a usar esses materiais, mas conviver com eles fazendo isso também foi uma forma de conexão que hoje eu trago para o meu trabalho. Essa é uma homenagem e uma intimidade também. O cheiro da solda familiar, o vergalhão, o barulho, o tecido”, explica ele.

A partir dessas referências, o artista encaminha suas obras reinterpretando as sabedorias e crenças do candomblé com um exercício de gestos contracoloniais, que são trabalhados misturando as visualidades acumuladas em sua convivência de oito anos nos terreiros. “Eu pego o machado de Xangô e começo a desmembrá-lo. Começo a ver as formas que tem nele porque Xangô é o orixá da pedra e a gente aprende na escola que a pedra é um ser inorgânico, inanimado e que não tem vida. Em várias filosofias africanas e hinduístas, a pedra é uma divindade orgânica, porém, imortal e acumula todas as histórias da sociedade. Nossa vida é muito menor do que a da pedra e ela meio que nos assiste. Entendo que elas absorvem todas as histórias”. É como se na pedra também contivesse a história inteira.

Com curadoria da historiadora de arte Rita de Cássia do Monte Lima, a exposição seguirá aberta à visitação até o dia 7 de março. A Galeria de Arte Archidy Picado funciona de segunda à sexta-feira, das 8h às 16h30, e aos sábados e domingos, das 9h às 17h.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 24 de janeiro de 2024.