por Guilherme Cabral*
A dedicação pelas atividades que realizam, em suas respectivas áreas da cultura tradicional, e o cuidado em transmitir seus saberes para as novas gerações são alguns dos aspectos que marcam o trabalho desenvolvido pelos seis novos nomes que passam a integrar o Registro de Mestres e Mestras das Artes da Paraíba (Rema), um projeto do Governo da Paraíba coordenado pela Secretaria de Estado da Cultura (Secult-PB). Agora, compõem a lista: Ana Lúcia Rodrigues do Nascimento (coco de roda), do município do Conde; Josélio Camelo de Vasconcelos (música), de Campina Grande; Jordão Alves de Souza (música), de Parari; Maria Soledade Leite (repente e cordel), de Alagoa Grande; e Maria de Lourdes Souza Mariano (artesanato), de Cajazeiras, e Maria José Lindalva Ramos (artesanato), de Mogeiro.
A previsão é de que, depois de cumpridos alguns trâmites burocráticos, a partir do final de janeiro, todos deverão começar a receber valor correspondente a dois salários mínimos mensais, como pensão vitalícia, cujo intuito é o de amparar esses mestres e mestras nos seus afazeres e nas suas vidas. Além disso, o Governo do Estado, após tal titulação, vai acompanhá-los, podendo incluí-los, por meio de convite, em projetos e programações culturais.
O músico Josélio Camelo de Vasconcelos considerou como sendo “uma bênção de Deus” o fato da indicação do seu nome, assim como os dos demais artistas, ter sido aprovada para o Rema por decisão da comissão executiva do programa e ratificadas pelo Conselho de Política Cultural do Estado (Consecult), em reunião extraordinária realizada de forma virtual na última segunda-feira (dia 26). “Quando soube dessa notícia, não dormi à noite e passei o dia flutuando. Estou muito feliz, pois chegou no momento certo, depois de ter vendido a bateria, o violão e algumas caixas de som, durante a pandemia, para tratar da saúde de parentes e garantir a sobrevivência. Também coloquei à venda a sanfona, mas não consegui; no entanto, graças a Deus por isso, porque foi um presente do meu pai”, disse ele, que tem 68 anos de idade, dos quais quatro décadas dedicadas à música, cujo interesse por essa área surgiu quando tinha apenas sete anos, ao receber um violão já desgastado de presente do seu primo, João Sabino.
Multi-instrumentista autodidata, Josélio confessou que seu pai, a princípio, não queria que fosse músico. “Achava que era profissão de vagabundo, mas depois reconheceu e aceitou minha decisão”, recordou ele, que também iniciou o curso de Matemática na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), mas não concluiu, pois prosseguiu na carreira artística, onde obteve destaque como compositor e sanfoneiro. “Criei a banda Festejo Nordestino, formada por mim, Amazan e Biu da Baixinha. Amazan tocou comigo nessa banda por três anos, mas resolvi fazer um curso de harmonia e, ao retomar a banda, Amazan, de quem eu comprei uma sanfona italiana da marca Guerrini, já havia conseguido se destacar nacionalmente”, lembrou o artista, que também ministra aulas gratuitas de música.
Josélio Camelo antecipou que pretende, já a partir do próximo mês de janeiro, retomar as atividades realizando shows com a banda Festejo Nordestino. “Vou tocar repertório com minhas novas músicas autorais, mas também sou um artista eclético e toco as canções de outros compositores, como Luiz Gonzaga, Flávio José, Jorge de Altinho e Amazan, que já gravou músicas minhas”.
Mais conhecida como Ana do Coco, Ana Lúcia Rodrigues do Nascimento também confessou sua satisfação com o novo título de mestra. “É a certeza do dever cumprido. Aprendi o ofício com minha mãe, Dona Lenita, que chegou a receber esse mesmo título de mestra há alguns anos, e com meus familiares, todos remanescentes quilombolas. Quando minha mãe morreu, em 2015, assumi o seu grupo Coco de Roda Novo Quilombo, fundado há 30 anos, no Quilombo do Ipiranga, região do Gurugi, no Conde. Na Paraíba, é o único quilombo que, há uma década, vinha fazendo 10 Festas do Coco por ano, mas, a partir de 2023, faremos todos os meses”, comentou ela, que além de coordenadora e incentivadora do grupo, é conquista, puxadora de ciranda, cantora, compositora e artesã de biojoias. É mestra griô e repassa seus saberes e fazeres a cada dia, e através de oficinas.
“Com isso, quando eu for, deixarei alguém
continuando essa atividade" - Dona Lourdinha
Quem também repassa a arte do seu ofício, na área do artesanato, em Cajazeiras, é Maria de Lourdes Souza Mariano, conhecida como Dona Lourdinha. Dos 65 anos de idade que completará em janeiro, ela já dedicou 52 anos à atividade de louceira de barro, ofício que aprendeu aos oito anos de sua mãe, Marcolina Isabel de Souza, já falecida. A sua produção de peças de utilidades domésticas é vendida nas feiras livres da sua cidade. “Quando eu comecei nessa atividade eram 26 louceiras na região e, hoje, somos eu e minha irmã”, apontou a artesã, que confessou considerar o título de mestra como sendo um reconhecimento ao trabalho que realiza com o apoio dos seis filhos e que já está ensinando para crianças e a quem se interessar. “Com isso, quando eu for, deixarei alguém continuando essa atividade”, justificou ela.
Já Maria Soledade, que tem 80 anos de idade, dos quais 60 dedicados à arte do repente, também é violeira, cordelista, poetisa e ativista dos direitos femininos, que utiliza seus talentos em defesa de temas vinculados à mulher, como a cidadania, empoderamento, combate à violência contra a mulher e contra o machismo, o que contribui para potencializar o seu trabalho artístico.
Outro novo integrante do Rema é o músico Mestre Jordão, que iniciou a carreira há mais de cinco décadas tocando zabumba, triângulo e melê acompanhando seu pai, que tocava fole de oito baixos e lhe ensinou o ofício. Após temporada de 14 anos no Rio de Janeiro trabalhando na construção, em restaurantes e tocando forró na noite com o Trio Cariri, ele retornou ao Sítio Serrote, onde nasceu, em Parari, para continuar sua trajetória artística, que sempre valoriza o forró tradicional, e tem se dedicado a repassar seus conhecimentos a dois de seus filhos e a uma neta, que com ele integram o grupo Gaviões da Paraíba.
Completando o quadro de novos mestres, a artesã Maria José Lindalva Ramos, a Dona Degué, tem 55 anos de idade, é natural de Mogeiro, onde aprendeu o ofício de louceira com a mãe. Além de vender suas peças na feira, cujo processo ela mesmo se encarrega de realizar – da extração do barro ao cozimento das peças – também atua na agricultura de subsistência.
O secretário de Estado da Cultura, Damião Ramos Cavalcanti, que preside o conselho, destacou a relevância do Rema. “É um dos mais importantes projetos que vêm sendo realizados pelo Governo da Paraíba, por reconhecer o patrimônio cultural que se encerra em ilustres artistas, que dedicaram a sua vida, profissionalmente, à cultura. É um processo que se ultimou agora porque se considerou o período silenciado pela lei eleitoral. Tão logo passadas as eleições, a Secult-PB se dedicou, penhoradamente, a recolher as indicações das instituições autorizadas a fazer, por lei, e a apresentar ao conselho os nomes dos seis classificados a ocuparem as seis vagas remanescentes”, afirmou o gestor, acrescentando que os nomes dos candidatos foram publicados na edição de ontem do Diário Oficial do Estado (DOE).
*matéria publicada originalmente na edição impressa de 29 de dezembro de 2022.