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Resgate da centenária Era Nova

publicado: 04/09/2023 10h28, última modificação: 04/09/2023 10h28
Confira os detalhes e curiosidades de uma das mais importantes e vanguardistas revistas produzidas na Paraíba
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Capitaneado pelo professor Luiz Mário Dantas Burity, projeto que é uma parceria entre a FCJA e a SEECT-PB já digitalizou 93 das 100 edições da publicação, que circulou entre os anos de 1921 e 1926 - Foto: Roberto Guedes

por Guilherme Cabral*

A equipe envolvida na tarefa de digitalização de uma das mais importantes revistas da Paraíba, Era Nova, que está sendo executada na sede da Fundação Casa de José Américo (FCJA), situada em João Pessoa, tem se dedicado a um trabalho minucioso e paciente. Até agora, foram digitalizados da edição inaugural ao número 93, de um total de 100 publicações, que circulou regularmente entre os anos de 1921 e 1926, no estado. “No momento, estamos fazendo o que chamo de remontar a coleção, pois, como a revista não tem indicação do número de páginas, algumas delas estão embaralhadas e temos feito todo o esforço para montar esse quebra-cabeça”, disse o coordenador do projeto, o professor Luiz Mário Dantas Burity. Ele informou que o intuito é procurar localizar em acervos os sete números restantes, do 94 ao centésimo, que completam a coleção, para que também passem pelo mesmo processo de digitalização. O objetivo é, após a conclusão do projeto, disponibilizar, por meio do site da FCJA (fcja.pb.gov.br), todo o material para consulta pelo público e por pesquisadores.

“A digitalização é a parte mais fácil. Os números que conseguimos digitalizar foram encontrados no próprio acervo da FCJA e no Arquivo Privado Maurílio de Almeida, que foi onde mais procuramos e encontramos números em boa quantidade e qualidade, mas também estivemos no Instituto Histórico e Geográfico Paraibano (IHGP) e na Biblioteca Central da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). O problema é remontar a coleção, a interpretação desse arquivo e, também, tentar localizar os sete números restantes, porque são poucos os exemplares existentes”, comentou Mário Buruty. “O próximo passo será visitar a Biblioteca Átila de Almeida, custodiada pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). A pesquisa tem o seu próprio ritmo e, por isso, não há prazo para encerrá-la. Não sabíamos, por exemplo, que teríamos de ir até a Biblioteca Átila de Almeida até perceber a necessidade de realizar a visita”.

A revista foi criada, como diz o próprio título, com o propósito de pensar novos tempos, o futuro e surgiu como proposta modernista, com inspiração no movimento art nouveau

Iniciado em setembro do ano passado, esse trabalho de digitalização, ora em execução, é denominado “O modernismo na Paraíba: a revista Era Nova e a novela Reflexões de uma cabra” e resulta de parceria da FCJA com a Secretaria de Estado da Educação e da Ciência e Tecnologia da Paraíba, por meio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Paraíba. Além de Luiz Mário Burity, a equipe envolvida na tarefa ainda é composta pela professora da UEPB, Alômia Abrantes, e os bolsistas de iniciação científica Arthur Vilarim Jácome e Ayanne Andrade Duarte. “O grupo tem usado uma scanner planetária, que tem resolução gigantesca, de muita qualidade, para depois ser entregue para consultas ao público, pelo menos pelo portal da FCJA. O acervo também deverá ser disponibilizado na sede da Fundação, em computadores e de forma física, porém com manuseio orientado e seguindo cuidados técnicos, como o uso de luvas”, explicou o coordenador.

Além da não numeração das páginas, Luiz Mário ressaltou que a Era Nova se caracteriza por algumas curiosidades. “Uma peculiaridade é que os primeiros números da revista vinham com fotos de senhoritas, jovens moças paraibanas, na capa. Por causa disso, a professora Alômia Abrantes chegou a dizer que a revista cumpriu uma função de ‘álbum social’, quase como um baile de debutantes, para a sociedade daquela época”.

Outro ponto interessante que o coordenador colocou foi o fato de José Américo de Almeida (1887-1980) foi o escolhido para assinar a coluna, sem título, de abertura da revista, entre 1921 até 1922. “Eu tenho argumentado que, com isso, José Américo teria ensaiado um estilo literário que viria a adotar no romance Reflexões de uma cabra, publicado no segundo número da revista A Novela, em 1922, e, mais tarde, em A Bagaceira. Na época, além de José Américo, havia outros intelectuais, como Celso Mariz, Carlos Dias Fernandes, Perilo de Oliveira, Monsenhor Pedro Anísio e o ilustrador Tomaz Santa Roza, que estava em início de carreira, e que depois veio a ser fundamental na história gráfica e editorial brasileira”, disse ele.

Luiz Mário Burity ainda apontou outras curiosidades da revista. “A Era Nova tinha cada página com uma cor diferente, o que deveria dar trabalho para montá-la. Além disso, em alguns casos, foi a que usou, de maneira inédita na Paraíba, a cromotipia, com várias cores, que tinha surgido há pouco tempo no exterior, e a quadricromia, técnica que permite a reprodução de um desenho. No dia seguinte da publicação da revista Era Nova, as páginas do Jornal A União vinham manchadas das cores vermelho, amarelo e azul, porque ficava resto de tinta na máquina tipográfica, que era a mesma utilizada”, ressaltou ele.

A revista era produzida por um grupo de editores, sendo o principal Severino Lucena. “A Era Nova foi fruto de amigos intelectuais que circulavam pela Paraíba, nos anos 1920. A revista foi criada, como diz o próprio título, com o propósito de pensar novos tempos, o futuro e surgiu como proposta modernista, com inspiração no movimento art nouveau, que é um movimento de produção gráfica que estava na moda desde o início dos anos 1900, na Europa. A revista tem uma feição gráfica muito bonita, exuberante, toda colorida, em papel couchê, e o número de páginas variava de 28 a 40, dependendo da edição. Mas algumas eram maiores. O exemplo é a edição em comemoração ao centenário da independência do Brasil, que tem 300 páginas. A revista era produzida na imprensa oficial, hoje Editora A União, e esse subsídio oferecido pelo Governo do Estado para impressão era essencial para a publicação”, comentou Burity.

Os assuntos que a Era Nova abordava eram variados, sobretudo, as crônicas de José Américo de Almeida, que nunca foram publicadas nos livros dele. “Em seus textos para a revista, José Américo falava sobre temas como os novos meios de transporte e o automóvel, já alertando para o perigo de atropelamentos. A revista tinha muitas colunas, como Cartas de Mulher, assinada por Violeta, codinome de alguém que ainda não se identificou quem era; De Passagem, escrita por vários autores; Vida de Imprensa, assinada por Abel Silva e Carlos Dias Fernandes; e Notas Elegantes, sem assinatura. Além das cores e estilos, a revista tem detalhes, que fazem referência às flores”, relatou ele.

A digitalização da coleção Era Nova é um subprojeto integrante da iniciativa de pesquisa macro denominado “Preservação da memória e difusão educativa e cultural do acervo da FCJA”, que, ao todo, agrega cinco projetos. “É um resgate importante, para as novas gerações, para entender como era a sociedade paraibana nos anos 1920 e como ela pensava o futuro”, finalizou Luiz Mário Burity.

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Com uma proposta modernista, inspirada no movimento ‘art nouveau’, a revista celebrou o centenário da Independência, trazia jovens paraibanas na capa como um “álbum social”, registrava eventos importantes, como a passagem de governo de Sólon de Lucena (1877-926) para João Suassuna (1886-1930), além de ter um acabamento gráfico de qualidade, colorido e em papel ‘couché’, com um número variado de páginas - Fotos: Roberto Guedes

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 03 de setembro de 2023.