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Retrato de uma cidade no álbum de família do Brasil

publicado: 01/09/2023 09h02, última modificação: 01/09/2023 09h02
Hoje, em João Pessoa, renomado cineasta pernambucano Kleber Mendonça Filho participará de debate em torno de seu novo longa-metragem: ‘Retratos Fantasmas’
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Kleber Mendonça Filho dirigiu e roteirizou o filme que é fruto de uma revisão da história, sobre coisas que aconteceram no Recife (PE), ao redor de pontos da cidade como o Cine São Luiz - Foto: Victor Juca/Divulgação
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Foto: Vitrine Filmes/Divulgação
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Um dos cartazes oficiais do filme é assinado pelo quadrinista e ilustrador paraibano Shiko - Imagem: Shiko/Divulgação
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por Lucilene Meireles*

Um dos grandes nomes do cinema nacional nos últimos anos, o cineasta Kleber Mendonça Filho participará de um debate, hoje, após a exibição de seu mais recente longa-metragem, Retratos Fantasmas, a partir das 19h30, no Cine Bangüê do Espaço Cultural José Lins do Rego, em João Pessoa. A produtora Emilie Lesclaux também participará do bate-papo, mediado pelo crítico e jornalista André Dib, que será realizado no Teatro de Arena, ao lado do cinema. O filme, que estreou no último dia 24, estará na programação do mês de setembro do Bangüê.

Retratos Fantasmas fala sobre o cinema e o desenvolvimento urbano que se acelerou ao longo dos anos. Traz um pouco de nostalgia e também busca, de certa forma, mostrar o poder da Sétima Arte de eternizar imagens. “Eu tinha o desejo de fazer o filme a partir dessa investigação das imagens guardadas, muitas do meu arquivo, e eu gosto muito dessa ideia de procurar um filme”, confessa Kleber Mendonça Filho, em entrevista exclusiva para A União.

Até agora, o diretor de O Som ao Redor, Aquarius e Bacurau (ao lado de Juliano Dornelles) afirma que deu sorte no sentido de ter encontrado onde foi procurar. O filme, conforme relata, tem uma base muito forte de imagens que ele não sabia quais seriam. “Algumas eu queria reencontrar e encontrei muita coisa que não estava procurando. Retratos Fantasmas é fruto de uma revisão da história, como se fosse uma conversa sobre história, sobre coisas que aconteceram na cidade. E eu fico muito feliz porque, mesmo tendo ponto de vista no Recife, ele é um filme que está sendo desfrutado, observado e entendido em muitos lugares. Não precisa ser nem brasileiro para entender porque ele fala de duas coisas muito conhecidas: a cidade e o cinema. Dessa forma, fico feliz com essa minha pesquisa, essa minha investigação e essa contação de história”.

O Recife Antigo aparece como uma cidade que atravessou muitos tempos, e o tempo específico do longa é o século 20. Isso, conforme o cienasta, tem a ver com o cinema como uma arte essencialmente dessa época. E ele entende que é muito natural que o cinema, como exibição, realização, imagem filmada, tenha um destaque muito grande no filme. “Eu sou recifense e sempre achei que as imagens do passado da cidade eram muito limitadas. Isso tem muito a ver com a disponibilidade de imagens e talvez até uma certa preguiça dos meios, principalmente os meios de comunicação, de lançar mão de outras imagens. Então, tem uma tendência de se repetirem muito, e eu achei que minha contribuição com esse filme poderia ser de apresentar novas imagens que são, na verdade, velhas e guardadas, mas que são pouco vistas ou nunca vistas antes”.

De certa forma, ele apresenta agora, com Retratos Fantasmas, um retrato da cidade e, por tabela, em um álbum de família do Brasil. E vai além do gênero: cineasta Kleber Mendonça Filho diz que nunca tratou o filme como um documentário, mas, em algum momento, imaginou que seria visto como tal. Ele conta que a produção, na sua cabeça, sempre teria imagens de arquivo, imagens que ele mesmo ia filmar, inclusive um material normalmente associado ao documentário, sem entrevista, mas com uma linguagem de ficção. “Talvez ele se encaixe melhor em documentário, mas eu gosto muito porque ele confunde as pessoas, principalmente da metade para o final, toma caminhos que têm um clima quase de um filme de horror, principalmente nas ruínas do Veneza, em algum momento do Arte Palácio, e a parte final, que fica no limite entre ficção e cinema fantástico. Eu gosto muito desse jeito do filme, acho bonito e é ótimo que as pessoas fiquem confusas. Uns dizem que é documentário e outros não sabem muito bem”.

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Um dos cartazes oficiais do filme é assinado pelo quadrinista e ilustrador paraibano Shiko - Imagem: Shiko/Divulgação

Resistência e Oscar
Paraíba e Pernambuco são locais de efervescência de documentários, mas ainda há uma resistência para esse formato ser indicado ao Oscar, por exemplo, e o público também resiste a sair de casa para ver. “Eu acho que, mais uma vez, o mercado cria caixinhas dentro das quais adora colocar os filmes e, com isso, também treina as pessoas para funcionar dessa forma”, analisa o diretor.

Kleber Mendonça Filho afirma que, ao longo da história, muitos documentários furaram a bolha. A maior referência (que tem “um pé” na Paraíba) citada pelo diretor é Eduardo Coutinho, com o filme que considera o maior do país, Cabra Marcado para Morrer, e que nunca viu como documentário ou outro gênero. “Minha relação com documentário é totalmente livre, mas eu entendo que existam barreiras”, comenta ele.

Sobre a possível indicação de ser o candidato do Brasil para a triagem do Oscar em Melhor Filme Internacional, o realizador ressalta que há pouco tempo o filme dinamarquês Flee, um misto entre documentário e animação, foi muito bem do ponto de vista de indicações. Retratos Fantasmas é um filme que tem tido uma presença muito forte internacionalmente e é exatamente sobre o cinema. “Nesse momento, o cinema está se repensando, Hollywood está olhando muito para a experiência da sala de cinema que a própria Hollywood, de uma certa forma, ajudou a destruir durante a pandemia, lançando filmes muito importantes direto no streaming. Isso quebrou uma regra, um acordo que sempre existiu. Todo mundo sabia. Pessoas que não eram da área de cinema sabiam dessa regra: filme novo, sala de cinema. Daqui a alguns meses, eu posso ver na minha casa”.

Retratos Fantasmas é um filme que fala muito sobre esse momento de repensar a experiência cinematográfica. “Já viajei o mundo inteiro com meus filmes e me sinto um sortudo nesse sentido. Se ele vai representar o Brasil no Oscar, eu vou atrás fazer o meu trabalho de divulgar um produto brasileiro que tem tido uma visibilidade enorme no estrangeiro em 2023”.

Kleber Mendonça Filho conquistou o Prêmio do Júri do Festival de Cannes, em 2019, com Bacurau e esteve no mesmo evento com Aquarius. Agora, com Retratos Fantasmas, retornou à França entrando na seleção oficial do prestigiado festival. “Eu acho que representa uma continuidade de um trabalho que estou fazendo em várias frentes. Algumas pessoas ficaram surpresas que Retratos Fantasmas não é Bacurau 2 ou um filme grande de ficção. Eu espero fazer o meu próximo filme, O Agente Secreto, que é com Wagner Moura, em 2024, mas agora foi o momento de fazer esse filme e estou muito feliz com ele e muito feliz que, nos termos que ele é”, comemora o diretor.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 1 de setembro de 2023.