O São João passou, mas a festa mais popular do Nordeste permanece acompanhando Juzé ao longo do ano. Ele, inclusive, considera-se um “filho de junho”, por ter nascido, justamente, nesse mês. No ritmo do forró e com cheiro de brasa incandescente, o cantor e ator pessoense lança, amanhã, o seu novo EP — Mormaço de Fogueira, com seis músicas e duas poesias.
O disco conta com as participações de Elba Ramalho (esta, já nas plataformas digitais), Flávio José, Juliana Linhares e Maciel Melo. Na expectativa deste lançamento, ele celebra o prêmio de melhor ator coadjuvante, recebido no fim do mês passado, em São Paulo, por sua participação no filme paraibano Habeas Pinho.
A trajetória de Juzé na música é marcada por sua intersecção entre a cultura tradicional e a elementos modernos, nos arranjos ou nos versos. O diferencial desse novo compacto repousa na maior dose de regionalismo que ele reserva para suas canções.
A propósito: das oito faixas, sete foram compostas por ele, solo ou em parceria. “Esse trabalho é focado nas festas juninas e foi lançado só agora, em outubro, para também reafirmar que as músicas que tocam no São João, como o galope, xote e o baião, não são músicas sazonais, precisam ser tocadas o ano inteiro, tanto pelo povo nordestino quanto por quem ama essas músicas”, afirma.
Destrinchando o novo trabalho, ele começa falando de “Fé em quem me deu valor”, escrita com Felipe Alcântara, seu companheiro em Os Gonzagas, banda da qual também é membro. A canção fala sobre crer naqueles que confiam em nós — premissa que resume, segundo Juzé, o apoio de Elba Ramalho, com quem faz dueto.
“Pequeno, via suas performances, ouvia seus álbuns. Não há uma pessoa que seja tão generosa artisticamente como ela, de entregar seu espaço e seu público a novos artistas. Ela sempre me olhou nos olhos, sempre foi uma amiga. Ter Elba aqui certifica o caminho que eu estou trilhando”, sustenta.
Bandeira nordestina
Antes de dividir com Juzé os vocais da música “Agarrado”, Flávio José povoava as lembranças de infância do intérprete: este recorda-se de ouvir, com frequência, sucessos do cantor monteirense como “Tareco e mariola”, memórias atreladas, justamente ao seu aniversário, comemorado em 6 de junho.
“Ele ecoava em todas as casas da minha rua. Flávio José é uma referência total para mim e não é apenas regional. Hoje, nos falamos por telefone, criamos um vínculo. Às vezes, fico me perguntando se eu mereço tanto, mas é muito amor por essa arte. Então, sigo recebendo os presentes do destino”, assevera.
“Saudade coração” traz a potiguar Juliana Linhares, conhecida pelo álbum Nordeste Ficção. Para esse dueto, ele precisava de uma voz que combinasse com a “profundidade oceânica” dos versos, “requisito” suprido pela colega, defende Juzé. Os cantores mantinham um desejo antigo de trabalharem juntos, revela o paraibano. “[Partimos] de uma admiração mútua. E ela dá essa imensidão à música. Juliana é uma nordestina que traz, justamente, uma novidade, um respiro para a região. Um Nordeste novo, moderno, romântico e forte ao mesmo tempo. Ela é uma bandeira. E tê-la comigo é um presente, mais uma vez”, resume.
Com o pernambucano Maciel Melo, amigo de longa data, ele encampa uma nova versão de “Tampa de pedra”, composta pelo primeiro para Santanna, o Cantador, no início dos anos 2000: “Como ele diz sempre, isso vale um abraço”.
Melo, conhecido, inclusive por suas parcerias com outros autores nordestinos, inspira Juzé a pensar em nomes para colaborações futuras. “Sonho em compor com Petrúcio Amorim, com Alceu Valença e com Ney Matogrosso. Com a própria Juliana Linhares, compor, compor mesmo. E com Josyara. Esses e tantos outros artistas que eu venho admirando nos últimos tempos”, destaca.
Como ator
“Nordeste me veste”, uma das duas poesias declamadas, abre o disco e foi escrita em parceria com Juliette: “Se eu fosse nascer de novo / pedia um pedido ao divino / eu vinha de novo menino / filho de um cabra da peste / ser cidadão do Nordeste / feliz por ser nordestino”.
A segunda poesia, “Catarro nos peito”, trata de uma desilusão amorosa, que é esquecida graças a uma nova paixão: “Mas um amor tomou de conta de um jeito / e pra dar a esse amor todo o espaço / tô agora assoando os pedaço / do catarro que morava no meus peito”.
Mas em se tratando da arte, o coração de Juzé tem espaço suficiente para diferentes linguagens. Depois de participar das novelas Mar do Sertão (2022) e No Rancho Fundo (2024), o pessoense interpretou o seresteiro Paulo, que está no centro da celeuma do curta-metragem Habeas Pinho, de Aluísio Guimarães e Nathan Cirino.
Em setembro, o filme circulou no Festival Internacional de Cinema Independente (Festicini), no município paulista de Mogi das Cruzes, junto de outros 400 títulos, brasileiros e estrangeiros. Juzé foi eleito o melhor ator coadjuvante da mostra.
“Foi um incentivo muito forte para que eu continue estudando, me aperfeiçoando, porque a sétima arte me pegou pelo juízo e pela alma”, confidencia.
E sobre esse passeio entre música, televisão e cinema, o que há de comum a todas essas expressões, conforme Juzé, é a manutenção de uma constância criativa, sem concessões e sem atender a modismos, ainda que não deixe sua produção apartada do cotidiano e daquilo que ele define como modernidade.
“Eu não posso negar minhas origens, preciso continuar respeitando a musicalidade que brota em mim. Eu não fico pensando em caracteres ou fotografias específicos para agradar a certos tipos de públicos. Eu construo a minha canção de acordo com meus sentimentos e com respeito pelos signos que eu represento”, conclui.
Através desse link, acesse as plataformas para ouvir o disco
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 07 de Outubro de 2025.