O que todos temem em uma abertura ou encerramento de um festival de cinema são os discursos intermináveis dos patrocinadores, diretores, elencos dos filmes e homenageados da noite. Mas a abertura da 49a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, quarta à noite, na Sala São Paulo, aconteceu de forma bem econômica nos discursos.
O curta Como Fotografar um Fantasma, apresentado pelo roteirista e diretor Charlie Kaufman, que será homenageado com o Prêmio Leon Cakoff e dará uma masterclass, enquanto as atrizes Jade Oukid e Stefania Gadda falaram do impactante e deslumbrante longa Sirât, de Oliver Laxe, que causou acaloradas discussões no Festival de Cannes deste ano e saiu de lá com o Prêmio do Júri, dividido com Sound of Falling.
Como já virou tradição, a diretora-geral, Renata de Almeida, e o apresentador Serginho Groisman deram conta do recado ao apresentar as atrações da noite, que começou com o que poderia ser os maçantes discursos dos patrocinadores, que, contidos, falaram o apenas necessário.
A emoção começou a tomar conta quando um dos filhos do desenhista Maurício de Sousa, o ator Mauro Sousa, subiu ao palco para receber o Prêmio Humanidade dado ao seu pai, que no dia 27 completa 90 anos e, com a saúde fragilizada, não pôde comparecer à cerimônia.
Ele parou algumas vezes o discurso, chorando e com a voz embargada, falou da felicidade em receber o prêmio pelo pai que sempre almejou ver os personagens criados por ele na tela grande de cinema. “Seus personagens estão aí, pai, na vida das pessoas e nos filmes”, disse, olhando para tela de projeção da sala.
Após a fala de Mauro Sousa — que é ator e aceitou o desafio de viver o pai no longa Maurício de Sousa — O Filme, de Pedro Vasconcelos, que estreia nos cinemas no dia 23 —, a diretora Euzhan Palcy, nascida em Martinica, 67, recebeu o Prêmio Humanidade.
Ela frisou os laços afetivos entre seu país natal e o Brasil. “Quando o Brasil [a seleção] joga, as ruas da Martinica ficam vazias”, levando a plateia aos risos. E revelou que seus filmes foram feitos “para dar voz a quem historicamente foi silenciado”.
Antes dela, Charlie Kaufman subiu ao palco para apresentar Como Fotografar um Fantasma, e surpreendeu a todos com um rápido discurso em português, dizendo em tom de brincadeira, que não falava o nosso idioma. A plateia novamente caiu no riso.
A proposta do curta é bem interessante, ao tratar de memórias, relacionamentos, perdas e conflitos na história de dois jovens recém-falecidos nas ruas de Atenas, na Grécia. Mas o resultado é enfadonho, desconexo e sem propósito, ficando a sensação de um experimento poético-imagético que não desperta emoção e adesão.
Para encerrar a cerimônia, havia muita curiosidade por Sirât. O que vimos ontem na tela da Sala São Paulo é um filme original, criativo e acachapante, magistralmente dirigido e interpretado, com planos que pulsam de poesia e dor.
Para não dar spoiler: o filme trata da história de um pai (Sergi López), que chega numa rave no meio do deserto ao lado do filho, uma criança (Bruno Núñez), à procura da filha, que não voltou mais para casa. Ele aborta uns “esquisitos” da festa, três homens e duas mulheres, mostrando fotos da filha.
Esse pai e filho fogem com essas cinco pessoas do exército de Marrocos, que param a rave, à procura de outro lugar que reúna os adoradores de música eletrônica, num road movie pelo deserto de Marrocos.
O que vemos nesse filme deslumbrante e rigorosamente dirigido, é um assombro, com planos ricamente poéticos, um desenho de som orgânico e conectado com o transcorrer da história, e momentos de sufocamento pouco vistos no cinema atual.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 17 de Outubro de 2025.