Notícias

ARTES VISUAIS

Sofisticação do mundo rural

publicado: 08/02/2024 10h59, última modificação: 08/02/2024 10h59
Hoje, na Usina Cultural Energisa, na capital, artista francês Serge Huot lança exposição ‘Infinitivo’, que faz uma quebra de fronteiras entre o urbano e o selvagem
1 | 4
Na exposição ‘Infinitivo - Porque me lembra o infinito’, artista europeu radicado na Paraíba realiza uma investigação que busca redefinir a ideia de modernidade nas formações naturais e nas intervenções humanas - Foto: Pedro Anísio/Divulgação
2 | 4
Foto: Pedro Anísio/Divulgação
3 | 4
Foto: Pedro Anísio/Divulgação
4 | 4
Com duas instalações e cinco obras satélites, todas inéditas, Serge Huot realiza uma síntese de 20 anos de uma de suas mais importantes linhas de pesquisa: a relação entre o humano e a natureza - Foto: Pedro Anísio/Divulgação
DSC06445.jpg
DSC06305.JPG
DSC06223.jpg
DSC06364.jpg

por Joel Cavalcanti*

O que está conjugado foi alterado para concor­dar com o sujeito. Mas o que está no infiniti­vo expressa uma ação sem refe­rência direta, não está vinculado e nem adequado às características específicas de nenhum sujeito. “É o momento em que tudo é possí­vel”, classifica Serge Huot, artis­ta visual multimeios que abre, hoje, a exposição Infinitivo - Por­que me lembra o infinito, na Usina Cultural Energisa, em João Pes­soa. Com duas instalações e cin­co obras satélites, todas inéditas, o artista francês radicado na Paraí­ba realiza uma síntese de 20 anos de uma de suas mais importantes linhas de pesquisa.

Infinitivo é também o nome da instalação formada por ladrilhos pretos, produzidos pelo artista a partir da combinação de cimento, argila, fibra, areia e água. “No lo­cal, a obra lembra como um grande código. É como uma nova lingua­gem, que é uma linguagem de ima­gem, de sensações, de sentimento. Não traz resposta. Traz questiona­mentos. Eu gosto muito da ideia de transmitir algum sentimento”, revela Huot. Em vários desses la­drilhos está incrustado uma série de desenhos feitos com terra. “São imagens, paisagens da minha exis­tência ativa. Paisagens da natureza e paisagens urbanas”.

O ponto de partida para a con­cepção de todas as obras presen­tes na exposição reside justamente nessa relação entre o que é urba­no e o que é selvagem. Huot rea­liza uma investigação que busca redefinir a ideia de modernidade nas formações naturais e nas inter­venções humanas. Esse processo, porém, não é feito a partir de con­trastes ou contraposições de anta­gônicos. O que o artista propõe é uma hipótese filosófica por meio da estética. Nessa hipótese, não há dicotomia entre a rusticidade e a sofisticação. O intento é fazer com que o visitante de Infinitivo se colo­que em um espaço onde esses ele­mentos não estão separados.

“Gosto muito de dizer que é uma sofisticação do mundo rural. A sofisticação não tem que ser sem­pre o mundo urbano, e é aí que se questiona a modernidade. Para o meu trabalho, o Brasil representa um grande impacto na moderni­dade, mas no sentido de como se os indígenas, por exemplo, o povo do campo, o povo rural, o povo das matas, são mais modernos. Só que aí o paradigma muda”, aponta Ser­ge Huot. A esta ideia, a curadora da exposição, Ana Luisa Lima, chama de “desorientação de paradigmas”. Segundo ela, “isso vai na contra­mão da grande maioria de artistas que surfam em uma sociologia ina­dequada trazendo luz a problemá­ticas estruturais políticas e sociais já muito claramente vistas e senti­das em nosso cotidiano”.

Outra instalação que toma grande parte do plano vertical da área expositiva é montada com ladrilhos acinzentados na forma de silhuetas humanas. São cinco personagens que em seu interior também contam com pequenos desenhos coloridos. Esses seres humanoides de pedra funcionam conceitualmente em semelhança com os verbos infinitivos: sem de­finição de sujeitos e sem se flexio­narem a uma expressão de gênero. “Tudo que permeia é um interes­se grande pelo humanismo dentro do meu trabalho. São essas coisas que me conduzem. E esses gestos, eles estão no meio dessas silhue­tas. São cinco silhuetas com esses seres que caminham por dentro. É uma coisa bem universal”.
“Desorientação de paradigmas”

A linha de pesquisa que ele traz para essa exposição é carac­terizada pela quebra de frontei­ras entre o urbano e o selvagem, entre o humano e a natureza. E esse processo encaminha a esté­tica de Huot, depois de duas dé­cadas, para signos cosmológicos. Essa é uma percepção possível do visitante obter enquanto caminha por todo universo imaginativo do artista, que conta ainda, em uma sua porção central de Infinitivo, com um monte de areia alaran­jada em formato piramidal. Uma de suas obras satélites às duas ins­talações principais recebe o nome Multiverso, que é peça formada como um colar em que suas bo­lhas parecem planetas que circu­lam numa estrutura de um obje­to que está pendurado.

Orbitando as instalações está ainda outra obra, uma mesinha que é feita também em pedras com outros elementos sobre ela que estão dispostas como se fos­se um jogo. O visitante pode inte­ragir com elas, brincando com as suas formas. “É um jogo sem obje­tivo. Ou o único objetivo é ter essa relação com a obra, de você mudar de lugar, mudar a cor, tem várias cores. Tem amarelo, preto, verme­lho, verde, branco, que são as cores da minha paleta”. Uma obra dialo­ga com esta. Trata-se de outra me­sinha amarela com cristal em cima e um losango verde.

“Chamo essa obra de Brasil. É o Brasil que eu sinto, é o senti­mento que o Brasil me passa, que é um Brasil indígena, um Brasil das matas”, diz o artista de Sain­t-Vallier, uma comuna no Sul da França com quatro mil habitantes. Serge Huot tem formação em es­colas e instituições artísticas inde­pendentes no Brasil e França. En­tre 1992-2005 atuou como artista e educador em diversas instituições na França junto a populações mar­ginalizadas em programas de arte e inclusão. Há 17 anos ele possui uma residência artística chamada Arapuca, localizada em Conde, Li­toral Sul da Paraíba.

Foi de lá que ele trouxe uma de suas obras no formato de pla­ca como as que se veem no comér­cio, e que anuncia aos visitantes o que se oferece dentro da exposição. A peça é composta por ladrilhos e está pendurada e marcada por um desenho, o símbolo descons­truído do infinito a convidar o pú­blico a fazer uma imersão no Infi­nitivo. Mas é ao sair de lá que Serge Huot vislumbra uma ideia central que o público pode permanecer em mente após a visita. “Talvez que ele se sinta em paz, confiante de que a gente pode ser o centro de todo mundo, em qualquer lugar. Eu gos­to muito dessa ideia”.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 08 de fevereiro de 2024.