O que está conjugado foi alterado para concordar com o sujeito. Mas o que está no infinitivo expressa uma ação sem referência direta, não está vinculado e nem adequado às características específicas de nenhum sujeito. “É o momento em que tudo é possível”, classifica Serge Huot, artista visual multimeios que abre, hoje, a exposição Infinitivo - Porque me lembra o infinito, na Usina Cultural Energisa, em João Pessoa. Com duas instalações e cinco obras satélites, todas inéditas, o artista francês radicado na Paraíba realiza uma síntese de 20 anos de uma de suas mais importantes linhas de pesquisa.
Infinitivo é também o nome da instalação formada por ladrilhos pretos, produzidos pelo artista a partir da combinação de cimento, argila, fibra, areia e água. “No local, a obra lembra como um grande código. É como uma nova linguagem, que é uma linguagem de imagem, de sensações, de sentimento. Não traz resposta. Traz questionamentos. Eu gosto muito da ideia de transmitir algum sentimento”, revela Huot. Em vários desses ladrilhos está incrustado uma série de desenhos feitos com terra. “São imagens, paisagens da minha existência ativa. Paisagens da natureza e paisagens urbanas”.
O ponto de partida para a concepção de todas as obras presentes na exposição reside justamente nessa relação entre o que é urbano e o que é selvagem. Huot realiza uma investigação que busca redefinir a ideia de modernidade nas formações naturais e nas intervenções humanas. Esse processo, porém, não é feito a partir de contrastes ou contraposições de antagônicos. O que o artista propõe é uma hipótese filosófica por meio da estética. Nessa hipótese, não há dicotomia entre a rusticidade e a sofisticação. O intento é fazer com que o visitante de Infinitivo se coloque em um espaço onde esses elementos não estão separados.
“Gosto muito de dizer que é uma sofisticação do mundo rural. A sofisticação não tem que ser sempre o mundo urbano, e é aí que se questiona a modernidade. Para o meu trabalho, o Brasil representa um grande impacto na modernidade, mas no sentido de como se os indígenas, por exemplo, o povo do campo, o povo rural, o povo das matas, são mais modernos. Só que aí o paradigma muda”, aponta Serge Huot. A esta ideia, a curadora da exposição, Ana Luisa Lima, chama de “desorientação de paradigmas”. Segundo ela, “isso vai na contramão da grande maioria de artistas que surfam em uma sociologia inadequada trazendo luz a problemáticas estruturais políticas e sociais já muito claramente vistas e sentidas em nosso cotidiano”.
Outra instalação que toma grande parte do plano vertical da área expositiva é montada com ladrilhos acinzentados na forma de silhuetas humanas. São cinco personagens que em seu interior também contam com pequenos desenhos coloridos. Esses seres humanoides de pedra funcionam conceitualmente em semelhança com os verbos infinitivos: sem definição de sujeitos e sem se flexionarem a uma expressão de gênero. “Tudo que permeia é um interesse grande pelo humanismo dentro do meu trabalho. São essas coisas que me conduzem. E esses gestos, eles estão no meio dessas silhuetas. São cinco silhuetas com esses seres que caminham por dentro. É uma coisa bem universal”.
“Desorientação de paradigmas”
A linha de pesquisa que ele traz para essa exposição é caracterizada pela quebra de fronteiras entre o urbano e o selvagem, entre o humano e a natureza. E esse processo encaminha a estética de Huot, depois de duas décadas, para signos cosmológicos. Essa é uma percepção possível do visitante obter enquanto caminha por todo universo imaginativo do artista, que conta ainda, em uma sua porção central de Infinitivo, com um monte de areia alaranjada em formato piramidal. Uma de suas obras satélites às duas instalações principais recebe o nome Multiverso, que é peça formada como um colar em que suas bolhas parecem planetas que circulam numa estrutura de um objeto que está pendurado.
Orbitando as instalações está ainda outra obra, uma mesinha que é feita também em pedras com outros elementos sobre ela que estão dispostas como se fosse um jogo. O visitante pode interagir com elas, brincando com as suas formas. “É um jogo sem objetivo. Ou o único objetivo é ter essa relação com a obra, de você mudar de lugar, mudar a cor, tem várias cores. Tem amarelo, preto, vermelho, verde, branco, que são as cores da minha paleta”. Uma obra dialoga com esta. Trata-se de outra mesinha amarela com cristal em cima e um losango verde.
“Chamo essa obra de Brasil. É o Brasil que eu sinto, é o sentimento que o Brasil me passa, que é um Brasil indígena, um Brasil das matas”, diz o artista de Saint-Vallier, uma comuna no Sul da França com quatro mil habitantes. Serge Huot tem formação em escolas e instituições artísticas independentes no Brasil e França. Entre 1992-2005 atuou como artista e educador em diversas instituições na França junto a populações marginalizadas em programas de arte e inclusão. Há 17 anos ele possui uma residência artística chamada Arapuca, localizada em Conde, Litoral Sul da Paraíba.
Foi de lá que ele trouxe uma de suas obras no formato de placa como as que se veem no comércio, e que anuncia aos visitantes o que se oferece dentro da exposição. A peça é composta por ladrilhos e está pendurada e marcada por um desenho, o símbolo desconstruído do infinito a convidar o público a fazer uma imersão no Infinitivo. Mas é ao sair de lá que Serge Huot vislumbra uma ideia central que o público pode permanecer em mente após a visita. “Talvez que ele se sinta em paz, confiante de que a gente pode ser o centro de todo mundo, em qualquer lugar. Eu gosto muito dessa ideia”.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 08 de fevereiro de 2024.