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Sustentar a pisada

publicado: 18/04/2024 09h06, última modificação: 18/04/2024 09h06
Cátia de França lança amanhã seu novo disco, ‘Rastro de Catarina’, para ‘quem pensou que a fonte secou’
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Cátia de França primou pelo DNA paraibano em seu novo álbum: ‘É o sangue, né? O sangue pulsante dos conterrâneos’ | Foto: Murilo Alvesso/ divulgação

por Esmejoano Lincol*

A “chuva feminina” chega para florescer o “sertão masculino” mais uma vez. A paraibana Cátia de França celebra mais de cinco décadas de carreira com um novo álbum, que chega amanhã às plataformas digitais e em breve em vinil, “para aqueles que pensaram que a fonte secou”, segundo palavras da própria artista: o título é No Rastro de Catarina.

O nome do disco faz menção ao seu nome de batismo – Catarina Maria de França Carneiro – e parafraseia trecho de uma canção de seu primeiro LP, 20 Palavras ao Redor do Sol, de 1979 – “No raso da Catarina/O que vejo é nossa sina/Enxergo a caatinga/Branco hospital”, entoa a artista em “Quem vai, quem vem”, de onde também buscamos os versos que abrem o parágrafo desta matéria. 

O Raso da Catarina, por sua vez, é o nome de uma região árida localizada no centro-oeste da Bahia. Essa aridez também está na capa do disco: Cátia veste um gibão de couro e uma calça de vaqueira, em figurino assinado pelo paulista João Pimenta. Esse lançamento será acompanhado de dois shows, nesta sexta e no sábado, no Sesc Pompeia, em São Paulo, a partir das 21h30.

O novo álbum tem DNA paraibano, com equipe predominantemente local. A começar pelo selo: este trabalho é o primeiro LP editado pela Tuim Discos, que há alguns meses também lançou o single “Encatarya”, em que Cátia divide os vocais com a pessoense Luana Flores.

Quem assina a produção do álbum é a dupla Chico Corrêa, radicado em nosso estado há 30 anos, e Marcelo Macedo, que está à frente do Estúdio PeixeBoi, situado no bairro Jardim Cidade Universitária, na capital, onde o disco foi gravado. E dentre os músicos que acompanham Cátia, grandes conhecidos da nossa cena: Cristiano Oliveira (viola, violão e violão de aço), Marcelo Macêdo (guitarra e violão de aço), Elma Virgínia (baixo acústico, baixo elétrico e fretless) e Beto Preah (bateria e percussões); Chico Correa também comanda os arranjos com sintetizadores.

Através do link, acesso o pre-save do novo disco de Cátia de França

Letras escritas em diversos momentos da vida

Foto: Divulgação

A decisão de produzir o disco na terra natal foi da própria Cátia em conjunto com a luso-paraibana Dina Faria, que está na produção artística da obra. A artista assinala que este foi um trabalho “demorado, muito bem gestado” e que chega oito anos após seu último álbum – Hóspede da Natureza. “Eu só assinei embaixo. Mas eu gosto muito de gravar aqui, porque sempre deu certo. E eu digo isso sem menosprezar meus colegas do Sudeste. Mas é o sangue, né? O sangue pulsante dos conterrâneos”, justifica Cátia.

Neste novo álbum, a artista reúne letras escritas em vários momentos diferentes de sua vida, e algumas foram musicadas apenas recentemente, a exemplo de “Indecisão”, composta por Cátia aos 15 anos: “Amanheceu tão triste assim/ Você tão longe, sem olhar pra mim/ Eu aqui estou a lhe esperar/ A dor do peito já está sentida/ Sentindo que é chegada a hora/ De você voltar”.

Outras letras, desenvolvidas já na fase adulta, remontam a fatos históricos como “Bósnia”, sobre os conflitos do leste europeu ocorridos no início dos anos 1990: “Toda a guerra é fria/ Toda a guerra esfria/ O sangue em nossas veias/ Toda a guerra é teia”. Já o poema homônimo de Florbela Espanca é base para “Eu”, musicada em 2019: “Essa é sofrência, né? E eu gosto muito”, comenta a artista. 

Cátia declara que o disco consegue manter uma unidade que acabou surpreendendo ela mesma, dizendo ainda que Deus intercedeu em prol deste trabalho. “Eu sou muito mística. Tem uma coisa muito mediúnica (no disco), além de ter nuances fantásticas, a exemplo da música ‘Espelho de Oloxá’, que escrevi com Regina Limeira e Khrystal Saraiva, com quem sempre quis trabalhar. ‘Em resposta’, que escrevi com outra paraibana, Socorro Lira, é uma das mais fortes”, cita Cátia. 

Dor de cotovelo

Na infância e na juventude, o gosto musical foi moldado pelos artistas de múltiplos gêneros que ouvia em casa, através de seus pais. “De parte de mamãe, ouvia muito Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro. Meu pai (a quem homenageia na faixa “Veias abertas”), que era mais boêmio, gostava da ‘dor de cotovelo’. Ele ouvia Nelson Gonçalves, Núbia Lafayette e Carlos Gomes”, conta Cátia, rememorando os cantores que escutava na vitrola a corda.  

Sua mãe, Adélia de França, além de ter sido a primeira professora negra do estado da Paraíba, foi também sua mestra. Ela lhe alfabetizou ao piano, instrumento que aprendeu a dedilhar ainda na infância. Quem lhe ensinou a tocar violão, outro “companheiro” que está ao seu lado desde antes do início da carreira, foi o seresteiro Romualdo, figura mítica do bairro de Jaguaribe, onde ela viveu, em João Pessoa. “Nunca conseguimos descobrir com o que ele trabalhava. Mas ele estava sempre conosco, nas festinhas do bairro. Mamãe um dia chamou ele e disse ‘ensine essa menina o sol, o dó, o fá, o ré...’”, rememora. Foi o violão o instrumento que ela levou consigo para Pernambuco, para onde se mudou e concluiu seus estudos num colégio interno, anos antes de iniciar sua trajetória profissional.

Cátia de França buscou igualdade na produção de seu novo álbum

‘Estamos mais que nunca em evidência’, diz Cátia sobre a música do Nordeste | Foto: Murilo Alvesso/divulgação

Ainda que o novo álbum de Cátia de França seja editado em vinil, é possível que boa parte das pessoas que consumam No Rastro de Catarina o faça através da internet, realidade muito diferente do momento em que ela lançou seu primeiro disco, há 45 anos, pela antiga CBS (hoje Sony Music). Naquele momento, a gravadora investia na produção de álbuns de artistas nordestinos. Eram colegas de Cátia naquele selo os conterrâneos Elba e Zé Ramalho e a cantora Amelinha; todos conquistaram alcance nacional através do rádio e da TV. Nessas quatro décadas, foram lançados, ao todo, sete álbuns.

Sobre o modo como os artistas nordestinos são vistos dentro e fora de nossa região na atualidade, ela assevera que, no tempo presente, a internet é uma grande ferramenta para a divulgação de seus trabalhos. “As coisas hoje têm que ser definidas antes e depois da internet, não temos como fugir dela. O Nordeste está em ebulição e estamos revelando coisas fantásticas. Estamos mais do que nunca em evidência e graças a essa ferramenta não temos limites. Em qualquer parte do mundo o nosso trabalho chega e gera frutos”, afirma Cátia. 

Músicas são como filhos

A artista conversou com a reportagem de A União durante os ensaios com os músicos que a estarão acompanhando nas apresentações deste fim de semana, que serão em São Paulo, oportunidade em que saudou o encontro de artistas experientes na gravação do disco e nos shows da turnê deste LP.

“Não houve trauma, nem houve hierarquia definida na produção desse álbum, com os produtores nas alturas e músicos lá embaixo. Passamos a régua e ficou todo mundo no mesmo plano, falando a mesma linguagem, olhando nos olhos uns dos outros. É um trabalho honesto, aberto e rico”, sustenta a paraibana.

Indagada sobre como poderia definir as doze faixas de No Rastro de Catarina, ela substantiva suas canções como “filhos e filhas”, “porta-vozes de Brasil e de mundo pós-pandemia”, apesar de constituírem o compilado de diversos momentos de sua trajetória como mulher e como artista.

“Eles e elas nasceram perfeitos e eu os amo muito. A gente tem, pare, e cada um toma seu caminho. Mas neste caso, eles já nasceram adultos. Que sejam sucesso”, finaliza Cátia.  

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 18 de abril de 2024.