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Com 50 anos de carreira, atriz e cantora carioca fala ao Jornal A União sobre o seu primeiro monólogo e seus papéis marcantes com relação à Paraíba e ao Nordeste

Tânia Alves: “Não virei nenhuma santinha”

publicado: 28/03/2022 09h43, última modificação: 28/03/2022 09h43
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Foto: Arquivo Pessoal

por Joel Cavalcanti*

Em uma pesquisa rápida na internet, é fácil achar a informação que a atriz e cantora Tânia Alves nasceu no Sertão da Paraíba, em Bonito de Santa Fé, e que tem 68 anos. Nada que corresponda à verdade. É que a carioca de 72 anos, nascida em Copacabana, ficou tão associada aos papéis de mulheres nordestinas que até a sua biografia foi confundida com os personagens que acumulou em 50 anos de carreira. Prestes a estrear em seu primeiro monólogo, a artista fala para A União sobre suas relações artísticas com o estado, a educação opressora que recebeu e, também, sobre sensualidade, pornochanchada, Parahyba Mulher Macho, Elba Ramalho e analisa seu próprio futuro profissional.

“Adoraria ter nascido no interior da Paraíba, tenho muitos amigos aí e a praia de João Pessoa é a mais gostosa do Brasil”, afirma a artista, que se prepara para interpretar uma personagem sem gênero na peça Criogenia de D. - ou manifesto pelos prazeres, com previsão de chegar a João Pessoa no segundo semestre deste ano. O texto ainda está sendo adaptado e é baseado no livro homônimo de Leonardo Valente. “O texto é de uma poesia tão sofisticada, tão erudita. Eu fiz faculdade de Letras, amo a Língua Portuguesa e fiquei louca”, fala Tânia, por telefone, sobre a dramaturgia que considera desafiante.

A direção é do cineasta paraibano André da Costa Pinto, que faz sua estreia no teatro. O premiado diretor dos filmes Tudo que Deus criou (2015) e Madame (2019) realiza um sonho de sua avó, teatróloga e atriz, que sempre quis trabalhar com Tânia Alves e Elba Ramalho. O espetáculo vai exigir muito fisicamente de Tânia, que deve ser a sua própria contrarregra, montando e desmontando os cenários durante as cenas, às vezes cantando, às vezes dançando. Nada que assuste a dona de um spa e praticante de windsurf, ski na neve e capoeira. “Com 50 anos de carreira, eu consigo me entregar de uma forma que as coisas entram pelo meu DNA”, revela ela sobre o processo de criação de D.

Filha de pernambucano com carioca, Tânia veio de uma família disfuncional, com um pai violento que chegou a apontar um revólver para matar a sua mãe. “Não fui criada para ser uma pessoa segura e autoconfiante. É que eu sou louca e corro os riscos. Pago para ver. Quando eu era pequena, quando me perguntavam o que eu queria ser quando eu crescesse, eu dizia: ‘santa’. Não virei nenhuma santinha”. Bem longe disso. Antes de fazer enorme sucesso vivendo a personagem título na  minissérie da Rede Globo, Lampião e Maria Bonita (1982), o teatro abriu para ela um mundo de sexo, drogas e... forró.

Era década de 1970 e Tânia participava do Grupo Chegança, do pernambucano Luiz Mendonça, que adaptava a literatura de cordel para os musicais. Ela convivia com a marginália urbana carioca, bebia cerveja com Madame Satã e desconstruía completamente a sua educação tradicional. A companhia virou uma casa de acolhida para vários artistas da música que procuravam por oportunidades de trabalho no Rio de Janeiro, como Geraldo Azevedo, Alceu Valença, Vital Farias, Pedro Osmar e Cátia de França. “Eu estava no primeiro dia que a Elba chegou ao Rio. Nós ficamos muito amigas e a gente, no palco, era um escândalo. Uma vez o (jornalista) Artur Xexéo falou que Tânia Alves e Elba Ramalho, no palco, era como o Fla-Flu entrando em campo”, lembra ela. O musical permitiu a Tânia conhecer o Brasil profundo e transicionar da cantora lírica para a cantora popular.

Se uma parte criativa da Paraíba ia ao seu encontro no Rio, em 1983 ela foi ao encontro da lendária Anayde Beiriz no filme Parahyba Mulher Macho, de Tizuka Yamasaki. O trabalho no longa-metragem lhe deu reconhecimento internacional com o prêmio de Melhor Atriz no Festival de Havana, mas trouxe algumas dificuldades devido à sua inexperiência na grande tela. “Fui treinada no teatro musical, que era uma coisa histriônica em uma época em que não se usava microfone. Fiz vários musicais só no gogó, com a voz que precisava atingir a última fileira”, explica ela, para justificar sua interpretação que considera um pouco acima do tom. Outro problema era sua convivência com Cláudio Marzo, no papel de João Dantas.

“Ele não era gentil comigo. Não sei se ele estava em crise existencial. Fiquei preocupada e cheguei a falar com a Tizuka ‘como vou fazer cenas de sexo com alguém que me trata mal?’. E ela me falou para assumir o comando do ato sexual. E as pessoas me perguntavam se eu tinha tido um caso com ele, para você ver como ator não tem vergonha de mentir”, remonta a artista que teve sua sensualidade explorada em muitos papéis que interpretou.

Símbolo sexual que veio na esteira de novos padrões de beleza iniciados por Sônia Braga, Tânia estampou a capa da Playboy em dezembro de 1983 e era muito procurada por produtores de filmes com grande apelo erótico. “Teve uma época em que só se fazia sucesso no cinema, Os Trapalhões e a pornochanchada. O cinema nacional tinha que ter nu, se não tivesse não dava bilheteria”, contextualiza a atriz de produções como Loucuras, o bumbum de ouro, Cabaret mineiro e O olho mágico do amor. “Adoro este filme. Acho um trabalho superatual: meio Quentin Tarantino, meio trash”, classifica a atriz que chegou a se recusar a seguir o roteiro e fazer uma cena de sexo na qual colocava um apetrecho para simular sexo com um homem.

“A sensualidade não humilha e não diminui ninguém. Houve um momento em que me incomodou porque só queriam isso. Achava isso repetitivo e eu nunca gostei de rótulos em virtude do meu jeito livre de ser”, afirma a atriz, que vê hoje uma grande evolução das produções audiovisuais que tratam com muito mais profissionalismo e pudor o corpo das atrizes. Atualmente, Tânia integra o elenco de quatro filmes inéditos (Senhoritas, TPM mon amour, Tudo de bom e o Aniversário do Sr. Lair) e de uma série na Netflix (Olhar indiscreto). “Estou cada vez mais feliz, mais livre, mais amorosa e mais entregue. Continuo inquieta e amando o belo. Tenho um pacto com o belo no sentido amplo: nos gestos, nas atitudes, pensamentos e sentimentos. A minha carreira é apenas uma expressão do que eu sou”, define Tânia.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 27 de março de 2022