Ao longo de quase duas décadas, um projeto cultural criado em Pernambuco vem buscando regionalizar a celebração do Natal, a partir de referências nordestinas, traduzindo as tradições de fim de ano em música, teatro e danças populares. Batizado de Natal Oxênte, o espetáculo chega ao seu 19o ano de realização mantendo a proposta de adaptar o repertório natalino clássico à linguagem do forró em seus shows musicais. O festejo acontece hoje, em Campina Grande, a partir das 20h, no Museu de Arte Popular da Paraíba, e amanhã, às 19h, em João Pessoa, na Praça Dom Adauto do Centro da cidade. O evento é gratuito.
Gitana Pimentel e Capilé fazem a noite feliz em Campina. Em João Pessoa, o convite foi lançado aos músicos Escurinho e Arthur Pessoa, em temporada da qual participam Nerilson Buscapé, Benil Ramos, André Macambira, Seu Januário, Rogério Rangel, João Carlos Baiano e Fabiana Pimentinha, em suas respectivas cidades de origem.
“A base toda é música nordestina. Xote, baião, forró, xaxado, arrasta-pé”, ressalta Escurinho. “Eu achei legal a ideia, porque o Natal é essa festa de união. E a música, junto desses pensamentos, a gente acha interessante. Fiquei super feliz de ter sido convidado para cantar uma música de uma energia boa no Natal”, ele acrescenta, adiantando que todos os participantes sobem ao palco para cantar duas músicas.
A cantora e compositora Gitana Pimentel deixa em suspenso: “Eu não posso dar spoiler, mas tenho certeza que todo mundo vai cantar junto”.
Em circulação contínua desde 2006 — interrompido apenas durante o período mais crítico da pandemia —, o projeto foi primeiro idealizado apenas como musical.
“A gente teve essa ideia de colocar o pessoal do forró para cantar as principais músicas natalinas, as mais conhecidas da noite de Natal, em ritmo de forró”, conta Gustavo Motta, cofundador do evento, junto com Júlio Leal. “O pessoal fica pensando que o forró é só para os festejos juninos. Não, o forró cabe em qualquer hora”, ele afirma.
A ideia virou um CD, o Natal Sanfonado, gravado por uma seleta de forrozeiros da região. O registro fonográfico aconteceu no Recife e contou com a participação de nomes ligados ao forró pernambucano, como Santanna, Irah Caldeira, Cristina Amaral e Petrúcio Amorim, entre outros, sob repertório reinterpretado com base rítmica regional.
Diante da boa repercussão do álbum inicial, o projeto seguiu adiante e passou a ganhar novos formatos. Por volta de 2010 foi lançado um segundo disco, o Natal Sanfonado – Duetos, congregando artistas de diferentes gerações do forró tradicional — entre os nomes, Genival Lacerda e Alcymar Monteiro figuram no álbum.
A partir de 2007, o Natal Oxênte deixou de ser apenas um registro fonográfico e passou a ocupar palcos, estreando no palco principal do Marco Zero, em Recife. Desde então, o espetáculo passou a integrar programações culturais de fim de ano em diferentes cidades, a exemplo de Gravatá (PE), por onde o Oxênte passou ontem.
Fora os dois discos, também resultou um DVD, gravado em 2014, no Teatro do Centro de Convenções de Pernambuco.
Natal nordestinado
Distintos, os títulos Natal Sanfonado e Natal Oxênte refletem justo a ampliação do projeto ao longo dos anos. Enquanto o primeiro refere-se especificamente ao show musical, o segundo passou a designar o conjunto da obra, que incorpora teatro e dança.
“Quando a gente falava em Natal Sanfonado, muita gente pensava que era um show de orquestra sanfônica. Como o projeto envolve teatro e dança, a gente passou a chamar de Natal Oxênte”, explica o fundador.
A proposta conceitual do Natal Oxênte parte da ideia de regionalizar o ciclo natalino, deslocando-o de referências europeias e norte-americanas. Motta considera, inclusive, que o cenário bíblico do nascimento de Cristo dialoga muito mais com o interior nordestino do que com os espaços da Europa ou dos Estados Unidos.
Essa concepção aproxima-se de outras experiências culturais já consolidadas no Nordeste, como os espetáculos da Paixão de Cristo de Nova Jerusalém, em Pernambuco. “A vegetação é aquela, o solo é aquele”, ele observa.
Gitana é da mesma opinião que Gustavo. “Eu acredito que a gente ‘se devia’ essa homenagem há muito tempo! O Natal no mundo inteiro é influenciado pela estética norte-americana, de Natal com neve, inverno, repertório em inglês… nós temos uma cultura tão linda, alegre e rica, e eu fico feliz em celebrar o Natal com a nossa cara”.
No formato atual, o espetáculo é estruturado em três momentos. A abertura é dedicada às danças populares associadas ao chamado ciclo natalino — com apresentações de cavalo--marinho, reisado e pastoril —, executadas pelo grupo Trapiá, atuante há mais de 30 anos no segmento.
Em seguida, ocorre a parte teatral, com a encenação do auto Jesus Sertanejo. “A gente usou um texto para o auto por mais de 10 anos. Neste ano, renovamos tudo”, diz Gustavo. O novo texto apresenta a narrativa a partir do ponto de vista de um garoto sertanejo, que relata a história como um sonho. “É um modo simples de contar a história, com foco em Jesus e Maria”, explica.
Terminada a encenação, a noite encaminha-se para o encerramento musical com o Natal Sanfonado. Nessa etapa, entram em cena os artistas convidados de cada cidade para interpretar as canções natalinas em ritmo de forró. “Cada artista canta duas músicas e, no final, todo mundo se junta para cantar a música oficial do evento, de autoria do meu sócio Júlio Leal”, detalha Gustavo.
“Não é difícil você pegar gente emocionada. Você não encontra nenhuma cidade que tenha esse tema do Natal nordestino. Nas cidades do interior é ‘Natal luz’, ‘Natal iluminado’. E aí, rapaz, na hora em que o turista vem de fora, ele quer ver a cultura local. Então, acho que a gente perde muito do turismo nessa época, porque os caras vão para outros locais. Tem que ter alguém com visão e que resolva comprar essa ideia”, convoca Gustavo Motta.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 19 de dezembro de 2025.

