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Travessia entre palavras

publicado: 01/12/2025 08h25, última modificação: 01/12/2025 08h25
Edney Silvestre conversa com A União sobre jornalismo e literatura; ele é uma das principais atrações do último dia do FliParaíba
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Edney Silvestre participa de mesa com o tema “Literatura em travessia” | Foto: Taba-Benedicto/Agência Estado

por Esmejoano Lincol*

Em cinco décadas de carreira, Edney Silvestre manteve intersecções entre os ofícios nos quais perseverou: na comunicação e no audiovisual. Se o grande público o conheceu como repórter da TV Globo, graças a matérias internacionais e/ou especiais com um quê literário, parte dos livros que ele lançou carrega consigo as vivências do jornalismo. Essas e outras “encruzilhadas” serão temas da mesa “Literatura em travessia”, de que Silvestre participa hoje, às 15h, no Festival Literário Internacional da Paraíba (FliParaíba), ao lado dos escritores Afonso Cruz (português) e Calila das Mercês (baiana). A programação, gratuita, termina hoje, no Centro Cultural São Francisco, em João Pessoa.

Todos os debates serão promovidos na Nave Central; o trio dessa mesa será mediado pela autora paraibana Cyelle Carmen. Em conversa com A União, Edney adianta que os temas “travessia” e “literatura” comunicam-se com a história proposta em seu novo livro, O Último Van Gogh, que foi lançado em setembro, pela Record.

“O meu personagem central, que usa o codinome ‘Igor Brown’, faz, justamente, uma travessia, do menino que dormia na rua até (sem dar spoiler) o adulto redimido que ele se torna. Então é perfeito. E, quando eu vi que o tema da mesa era ‘travessia’? Falei: ‘Gente, parece proposital’. E talvez seja, porque não há coincidências. Não é assim que diz o budismo?”, aponta.

Edney insere-se na literatura a partir de sua avidez como leitor. Sem obras-espelho em casa, o menino nascido em Valença, cidade do sul fluminense, foi aconselhado pela professora Odete Coutinho a procurar a biblioteca pública local. A descoberta desse ambiente foi intuitiva, o que proporcionou ao futuro escritor o contato com referências plurais e não apenas nacionais.

“Consumia desde Machado de Assis, José de Alencar, até autores que eu não tinha ideia da importância que eles tinham na literatura mundial. Um exemplo é Joseph Conrad, autor de livros de aventura, como os do Tarzan. Eu lia tanto Conrad quanto Machado com o mesmo prazer. A professora Odete me disse: ‘Ler vai te ajudar a escrever’”, afirma.

A passos largos, Edney aproximou-se de outras influências determinantes em seus ofícios, como o cinema. Nos anos 1970, a sétima arte foi responsável por suas lições iniciais em idiomas estrangeiros, levadas a cabo no trabalho como tradutor de livros técnicos da Civilização Brasileira, editora cujo catálogo foi absorvido pela Record anos mais tarde. 

“Logo depois, vieram os quadrinhos. Traduzia livrinhos de cowboy, por ser um tradutor tanto do inglês para o português quanto do francês para o português. E, da tradução, eu comecei a fazer reportagens. Fui contratado para criar uma agência de notícias brasileira para o mercado internacional, da Bloch Editores, na falecida revista Manchete”, rememora.

Enveredou, ainda, pela publicidade, antes de rumar para os Estados Unidos. Por lá, tornou-se correspondente do grupo Globo, posto que defendeu por décadas: “Meu primeiro trabalho de ficção publicado foi Dias de Cachorro Louco, que saiu pela Record (em 1995), na época em que eu era cronista de O Globo, em Nova York. É uma reunião dessas crônicas que eu escrevia aos sábados”.

O jornalismo foi o alicerce de outros títulos do catálogo de Edney, a exemplo de Contestadores (2003), coletânea de grandes entrevistas com Paulo Freire, Harry Belafonte e outras tantas personalidades; e Segredos de um Repórter (2023)obra em que ele compartilha vivências e dicas para repórteres iniciantes e entusiastas.

O exercício da crônica e toda a sua bagagem como jornalista serviram de base para a empreitada literária seguinte — o romance. Nesse segmento, Edney alcançaria a consagração com Se Eu Fechar Meus Olhos Agora, vencedor do Prêmio Jabuti em 2011. O êxito de crítica e de público forneceu a confiança de que o escritor carecia para mergulhar fundo na ficção.

“Aprendi um aspecto importante com José Saramago. A minha vivência não é igual à sua. Só eu poderia escrever, porque só eu vivi aquilo. E tudo o que eu escrevo tem uma parte ficcional e outra ancorada na realidade. Se Eu Fechar... começa nos anos 1960, pouco antes do golpe militar, volta para a ditadura de Getúlio e vai até a época da escravidão”, assevera.

Mediante essa diversidade de gêneros, temáticas e perfis, Edney Silvestre sinaliza para A União aquilo que há de comum em tantos projetos literários: as “pequenas criaturas” que dão corpo e voz aos seus textos, retratando, nesse ínterim, travessias históricas que partem da monarquia e dos regimes totalitários e que aportam, não por coincidência, no presente, marcado por tentativas de golpe. 

“A literatura é minha liberdade criativa. Ela brota sem que eu comande, para trazer o que me parece uma luz sobre o nosso tempo. Eu acredito, sim, que, daqui a muitos anos, vamos entender melhor o nosso mundo não apenas por meio dos livros de história, mas também da literatura, dos romances”, conclui. 

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 29 de novembro de 2025.