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Três décadas em versos

publicado: 17/09/2025 08h41, última modificação: 17/09/2025 08h41
André Ricardo Aguiar comemora 30 anos de poesia com uma coletânea retrospectiva que será lançada amanhã
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O poeta passa em revista sua trajetória em “Mudar É um Enigma Só para Plantas” | Foto: Leonardo Ariel

por Esmejoano Lincol*

Em três décadas de verso e prosa, André Ricardo Aguiar testemunhou não apenas o progresso do meio literário na Paraíba, mas, sobretudo, o seu próprio aperfeiçoamento. Segundo o autor, ainda que, a princípio, suas linhas possam parecer inertes à ação do tempo, elas também passam por processos de modificação cruciais, internamente. Essa evolução silenciosa e permanente encontra-se metaforizada no título de sua nova coletânea de poemas, Mudar É um Enigma Só para Plantas – Trinta Anos de Poesia, que será lançada amanhã, às 18h30, no Caravela Cultural, situada no Centro de João Pessoa. O evento é gratuito. André também lançou, recentemente, o infantojuvenil O relâmpago esqueceu de desligar o flash. 

Foto: Divulgação/Confraria do Vento

Participam do evento, amanhã, os escritores Hildeberto Barbosa Filho e Jon Moreira. Editada pela Confraria do Vento, a coletânea reúne 98 textos, entre inéditos e republicações, que passeiam por fases diferentes do itabaianense — do início, passando por sua consolidação como autor e desaguando na presente obra.

“Eles foram selecionados com um critério que fizesse sentido à reunião, para mapear minhas recorrências e temas. E acho que uma reunião também é um resgate, pois quis dar uma unidade aos livros espalhados de forma irregular, pois publiquei com lacunas essa poesia no meio de outras iniciativas. Agora, um livro só faz mais sentido”, explica André.

O título foi extraído de um poema presente no livro, os dois últimos versos de uma sextilha: “O deus de uma casa / não é igual ao deus de outra casa // Dois terços de mim são raízes / nenhum fôlego é alicerce // Mudar é um enigma / só para plantas”. A decisão em torno do nome da coletânea foi demorada, mas, auspiciosa, segundo André, já que sintetiza o projeto.

“Meus poemas são como plantas que germinam ao longo do tempo, e não se tocam que mudam com novos olhares. Gosto de títulos que façam pensar em múltiplos significados. A ideia de que plantas têm uma vida interna que não está bem à vista, um tempo de seiva, também me leva a pensar que uma mudança para elas é algo misterioso, um desenraizamento”, sustenta.

Para o público infantil

No último fim de semana, mais uma empreitada de André Ricardo Aguiar chegou a público, num pré-lançamento na Feira Literária Maple Bear (Flimb), na capital — O relâmpago esqueceu de desligar o flash, pela editora Ciranda da Escola. A estreia oficial será na segunda quinzena de outubro e a data não é por acaso — próximo do Dia das Crianças, a quem a obra se destina.

Além da coletânea, Aguiar tem em pré- -venda o infanto- -juvenil “O relâmpago esqueceu de desligar o flash” | Foto: Divulgação/Ciranda na Escola

Este outro livro (em pré-venda pela Amazon, custando R$ 39,90) coleta haicais dotados de uma linguagem lúdica e incomum. Os poemas de curta extensão ganham ilustrações de Oscar Reinstein, que recorre a um bom humor complementar à matriz textual:O ornitorrinco quando rouco / agenda consulta com o louco / do ornitorrincolaringologista”.

Em entrevista ao Correio das Artes, na edição de maio, André revelou que os livros infanto-juvenis são os seus prediletos, informação que assevera, agora, para A União: “O infantil pega um papel tão importante que é a imagem e tudo tem que estar bem casadinho, difere da crônica ou mesmo do conto”.

O livro traz 28 poemas que tratam da natureza, bichos, nostalgia. “Sua base é um olhar inaugural sobre as coisas. O processo criativo é um pouco diferente, pois eu trabalho com o mínimo, a expressão imediata, o flash mesmo”, diz. Aproveitando o momento da estreia dupla, o autor segue pensando em projetos para o futuro: “Tenho na verdade, um diário de viagens que gostaria de republicar”.

Remontando à gênese de todo esse trabalho junto às letras, André recorda que, no caso da poesia, a produção começou na adolescência, bem antes dos primeiros versos tornarem-se públicos. O impulso de compartilhar sua produção mesmo sem garantias de apoio editorial e sem pretensões (iniciais) de enveredar no ramo segue um mistério para ele.

“Que tipo de necessidade — se há — em mostrar, para que outros não apenas vejam, mas analisem, sintam? Sei que, se foi por impulso, não consegui mais largar. E a danada da timidez, não sei onde a enfiei. Mas muito novo, não sabia ao certo que tipo de carreira eu ia seguir. Não tinha noção de que isso me tornaria um escritor e que não conseguiria deixar de ser”, avalia.

Técnicas naturais

Apesar do fácil acesso à biblioteca do pai, na infância, André Ricardo Aguiar confidenciou ao Correio das Artes que sua constituição como leitor foi feita de forma autônoma, nesse primeiro momento. No âmbito da escrita, o melhoramento de suas técnicas para a prosa e para o verso também passou por aperfeiçoamento independente e contínuo.

“Talvez a técnica foi se naturalizando, com o passar do tempo, como um depuramento, com menos ansiedade, e mais um olhar para as potencialidades da palavra. (Paul) Valery chama de ‘festa do intelecto’. Acho que tomei mais conhecimento de mais coisas e pude trabalhar elas com mais liberdade — embora sempre cortando mais que acrescentando”, sinaliza para A União.

Olhando, também, para os caminhos que os colegas e a cena local percorreram em três décadas na literatura, André aponta que tanto os pares quanto o segmento evoluíram graças à internet (uma ferramenta “incontornável”) e à profusão de coletivos — um deles, o Clube do Conto da Paraíba, do qual o escritor faz parte.

“Inversamente, dialogamos menos, visto que também se criam nichos próprios e há, até, muita polarização na literatura [que acompanho muito na internet, tangencialmente]. Ainda é tanta coisa acontecendo que a atenção precisa ser um estado de vigilância, pois vivemos assim, de saltos em saltos — embora também é comum termos um lado tradicional fechado em si”, resume.

À frente da editora Dromedário desde 2023, André almeja a criação de um podcast literário, em parceria com Valeska Asfora. Em relação à própria atividade e mirando o futuro — os próximos 30 anos, para sermos exatos — ele diz que gostaria de explorar “novas pegadas” no campo da poesia, ainda que ele não saiba, ainda, como desbravar essas “florestas” intocadas.  

“Gosto de ler tudo o que me cai na mão e sinto que há muito a aprender. Mas, curiosamente, os gêneros que mais quero investir são o romance e a novela. E sempre publicar coisas que me façam bem e façam bem aos outros, sem necessariamente dirigir alguma mensagem. É só a busca de pensar a vida, descobrir seus meandros, suas veredas”, conclui.  

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 17 de setembro de 2025.