Rachel Almeida
Especial para A União
Ao longo da vida nos deparamos com inquietações e traumas que temos que conviver diariamente, além de ter que aprender a lidar com cada um deles para seguir adiante. Para alguns, se deparar com esses conflitos diários é considerado um fardo, para o escritor e jornalista Tiago Germano serviu de inspiração para dar vida ao primeiro livro dele, intitulado 'Demônios Domésticos'. Na obra, o autor deu espaço às crônicas, que nasceram através da coluna das terças-feiras, feitas por ele na época em que trabalhava no Jornal A União, de 2004 a 2006.
Dividido em quatro partes temporais, Tiago Germano conta em cada uma delas histórias sobre momentos específicos da vida dele na infância, amor, rua e ofício, com um viés bem memorialista. O título, segundo Tiago Germano, foi extraído de uma das crônicas dele sobre ofício, e o nome da obra também foi baseado em alguns textos do jornalista e escritor colombiano Gabriel García Marquez, que falava muito sobre fantasmas domésticos. Acreditar que as crônicas eram adequadas para um livro e quebrar um paradigma de que o “correto” era começar na vida literária como romancista e não como cronista foram aprendizados que Tiago Germano adquiriu no processo de criação até a publicação do livro. “Eu tinha um certo preconceito, que depois do livro eu percebi que era um preconceito compartilhado com a maioria dos leitores, de que a crônica não era um gênero interessante para se estar na literatura. Eu achava que eu tinha que estrear como romancista, mas eu estava enganado. Poucos sabem disso, mas García Marquez iniciou sua carreira como cronista, e isso me inspirou muito”, comentou. Nesse meio tempo Tiago Germano chegou a escrever um romance, que será lançado ano que vem, chamado 'A mulher faminta'.
A primeira crônica do livro é 'Óculos ray-ban', que ganhou o prêmio Sesc de Crônicas Rubem Braga. A maioria das crônicas de Tiago Germano fala sobre a morte, e segundo o autor alguns leitores estranham essa relação. “Eu sempre procuro ter bom humor, eu sou uma pessoa descontraída, mas quando eu vou escrever a morte realmente é uma presença constante nos meus textos, e o título puxa um pouco isso”, contou. Tomado pela dúvida de começar a carreira como cronista ou romancista, a mãe de Tiago Germano foi crucial para sua percepção de que as crônicas escritas por ele tinham uma certa unidade. “Minha mãe coleciona os recortes de jornal, até hoje ela tem as colunas que foram publicadas aqui guardadas, e ela dizia ‘olha você tem um livro’ e relendo as crônicas eu percebi que elas tinham uma certa unidade, que no livro eu representei em quatro divisões”, acrescentou.
A paixão pela escrita veio da mãe, que é formada em Letras, e que teve um papel fundamental na vida de Tiago Germano como leitor. “Ela me compilava para a literatura”, disse. A história com a literatura começou através de um salgadinho, que segundo o autor ele só tinha direito ao salgado se ele lesse um livro da biblioteca da mãe. “E eu acho que o sabor do salgado passou para os livros, porque desde então eu não parei mais e vivo para isso hoje”, comentou aos risos. Tiago Germano é de Picuí, município do estado da Paraíba, mas se mudava muito, pois o pai dele fazia doutorado em São Paulo, e em função da carreira acadêmica do pai ele sempre viveu em outros estados. Atualmente, Tiago Germano mora em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, com a esposa e também escritora Débora Ferraz.
Aceitação do livro
Apesar do descompasso da aceitação das resenhas em jornais e a falta de críticas sobre o livro o retorno dos leitores tem sido extremamente positivo. “Desde que eu lancei o livro as pessoas me marcam no Facebook, então as redes sociais têm sido um termômetro interessante para verificar a aceitação do livro. As pessoas me marcam e escrevem coisas, que se identificaram com ele. Mas eu não noto esse retorno nos jornais e revistas, que eu sei que a imprensa hoje está muito ligada ao mainstream, do mesmo jeito que aconteceu na música, em que só os artistas contratados por grandes gravadoras tocavam nas rádios”, disse. Tiago Germano relatou que o retorno dos leitores comove muito mais do que ganhar prêmios, e que pensar que uma pessoa leu um pensamento dele e incorporou como uma ideia dela não tem preço para o autor. “No fundo o livro não é nosso, quando ele sai da nossa mão ele é dos outros, um instrumento que o outro vai utilizar para entender o mundo, nem que seja por oposição”, acrescentou.
“A internet está praticamente um gueto, as críticas, por exemplo, se encontram mais nessa plataforma do que em qualquer outra, a exemplo disso é Sérgio Tavares, que produz muito essas críticas”. Com relação às vendas, Tiago Germano comentou que o livro está na segunda tiragem, e que ele receberá uma quantidade de livros, em janeiro, para fazer o lançamento na cidade natal dele, em Picuí, juntamente com uma oficina para a comunidade. “Não sei se dará certo o lançamento em João Pessoa, mas estou fazendo o possível para que isso aconteça”, alegou.
Influências do escritor
García Marquez inspirou muito Tiago Germano, mas as grandes influências do autor na verdade foram de pessoas que “jamais seguraram um lápis, que eram analfabetas”, os avôs paterno e materno. O avô paterno era ex-combatente da Força Expedicionária Brasileira (FEB), além de ter sido um homem muito silencioso que nunca contou uma história da época em que combatia, enquanto que o avô materno era a antítese do primeiro, pois era muito brincalhão, falante e mentiroso. “Eu preenchi os vãos do discurso do meu avô paterno com as ficções que meu avô materno me trouxe”, disse. Para o escritor e jornalista a literatura não se limita ao que está impresso, na verdade ela se fazia presente desde sua infância, em que todos ficavam ao redor da fogueira contando histórias.
O tio, Antônio Henriques, também incentivou muito Tiago Germano na caminhada literária, pois além de ser escritor ele sempre contava muitas poesias para as crianças da família, mas apenas Tiago ficava vidrado escutando cada palavra rimada que saía da boca do tio dele. “Enquanto meus primos brincavam eu ficava vidrado ouvindo, então acho que a paixão veio antes mesmo de haver livros, veio da contação de histórias e de poder fascinar as pessoas com essas aventuras”, declarou. No Brasil a leitura ainda é uma utopia para muitos, e o livro dentro de casa, mesmo que simbólico, é importante, pois uma hora ou outra ele vai atiçar a curiosidade na criança, segundo Tiago Germano.
Cenário no mercado
Existem diversas editoras em circulação, a Companhia das Letras, a Editora Record e a Rocco, e elas estão cada vez mais se fundindo e virando praticamente conglomerados literários, segundo Tiago Germano. “Eu noto que essas editoras, principalmente em um cenário de crise econômica, que acaba afetando a cultura, você corta o que nesse mundo materialista se julga como excesso, e a cultura acaba sendo esse ‘excesso’ para eles”, comentou. Ele disse que dentro desse cenário poucas editoras publicam autores que não estiveram circulando antes no mercado, existem as exceções, como a Record, que conserva o Prêmio Sesc, que é voltado para inéditos, em que as pessoas submetem seus originais, em romance ou conto, e se vencerem elas acabam publicando essas obras pela editora. “Mas isso é uma exceção, as editoras acabam publicando autores que já circulam no mercado e muitas vezes não dão essa oportunidade a escritores novos”, lamentou.
Dicas aos iniciantes
Um escritor, sobretudo um romancista, tem que ter a paciência e a persistência como virtudes, segundo Tiago Germano. “As pessoas acham que é um caminho cheio de flores, a vaidade está muito presente nesse ofício, mas na verdade escrever é atentar contra a vaidade, porque é um exercício de desapego”, aconselhou. Ele disse que é necessário que o escritor exercite bastante, deixando muitas coisas na gaveta e não ter a ânsia por publicação, pois literatura é uma carreira para a vida inteira e não uma circunstância. “O escritor tem que ter um projeto literário, eu tenho na cabeça todos os livros que eu quero escrever, não sei se vou ter saúde para isso, mas tenho na cabeça um mote de muitos que gostaria de escrever”, disse.
É preciso fazer do cotidiano um instrumento para os projetos futuros, sempre lendo sobre o que lhe interessa, pesquisando, para no momento em que for escrever se sinta mais preparado, de acordo com Tiago Germano. “É um aprendizado e treinamento constante, temos que trabalhar muito pela inspiração. Picasso dizia muito isso, que a inspiração existe mas ela tem que te achar trabalhando”, indagou. Ele aconselhou ainda que é importante não ter ambição de que o livro será publicado em uma grande editora e que vai ganhar muito dinheiro, a maior parte dos escritores que o autor conhece vivem de oficinas, palestras, de atividades adjacentes ao livro, e segundo ele essa ilusão deve ser desfeita logo que se entra no mundo da literatura. “Os concursos literários são um bom caminho, tanto para se testar quanto para começar a publicar”, disse.
Para Tiago Germano, na vida do escritor ele sempre vai encontrar portas para tentar abri-las e muitas delas são lacradas e vai ser difícil ultrapassar, mas algumas com persistência vão se abrir, além disso sempre tem outros escritores que podem querer lhe prejudicar, mas esses também podem ser grandes companheiros. “Estudar bastante, e não só do aprendizado formal, se você puder fazer uma oficina, conviver com outros escritores, para exercitar o desapego, conversar sobre literatura, mas principalmente ler, não como leitor comum, mas como romancista, destacar partes do livro e entender como o escritor pensou a estrutura, frases, enfim”, revelou.
Da corrida à escrita
Além de escritor, Tiago Germano também corre maratonas e para ele o exercício mental de competir influencia muito na produção de uma obra literária. Ao perguntar como essa influência ocorre, o escritor mencionou o escritor e maratonista japonês Haruki Murakami, e a obra dele, que fala como a disciplina mental de uma corrida supostamente ajuda na literatura. “Eu ainda não li o livro, mas minha esposa, que também é jornalista leu e disse que os dois têm tudo a ver. Mas pela minha experiência a disciplina com certeza é o ponto forte, porque escrever também envolve disciplina”, explicou.