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TEATRO

Um chamado divino

publicado: 15/04/2025 09h26, última modificação: 15/04/2025 09h28
Com 40 anos de trajetória artística, ator paraibano Sebastião Formiga estreia na “A Paixão de Cristo”, de Nova Jerusalém, em quatro papéis diferentes
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Sebastião Formiga também interpreta o sacerdote Nicodemos, no Palácio de Caifás, personagem que está presente na via-crúcis | Foto: José Wilker Matos/Divulgação

por Daniel Abath*

Ao completar 60 anos de idade, um presente inesquecível: atuar no maior teatro ao ar livre do planeta. Sebastião Formiga, ator paraibano com quase 40 anos de carreira nas artes cênicas, está vivendo um momento único em sua vida, ao estrear na Paixão de Cristo, de Nova Jerusalém, em Pernambuco. Compondo a obra de Plínio Pacheco, que celebra, neste ano, a sua 56ª edição, Sebastião revela detalhes sobre a sua participação, os desafios enfrentados e o significado desse marco em sua trajetória. Os ingressos para o evento estão à venda no site oficial da montagem (www.novajerusalem.com.br), com preços a partir de R$ 80.

“Esse convite me chegou no início de dezembro”, explicita. “Foi uma surpresa. Já tinha sido sondado duas outras vezes, mas agora chamaram para compor o elenco. Fiquei imensamente grato por tudo. Pelo tamanho do espetáculo. É uma gratificação para mim. Uma coroação, na verdade, pelos meus 60 anos”, afirma o ator, que tem um histórico de participação nos espetáculos da Paixão de Cristo, na capital paraibana — representando, entre outros personagens, o próprio Jesus em quatro edições.

Desta vez, ele se junta a um cast que conta com artistas renomados, interpretando, sob a direção do veterano Lúcio Lombardi, quatro personagens. No prólogo da peça, ele faz o profeta Moisés; adiante, no Palácio de Caifás, dá vida ao sacerdote Nicodemos, além de um homem da corte no Palácio de Herodes e um transeunte nas cenas de Judas.

Sebastião Formiga destaca o papel de Nicodemos como um dos mais complexos, dada a emotividade das cenas. “Ele tem muitas cenas emotivas. Luta no sinédrio a sangue e fogo para defender Jesus e não deixar que o levem à morte”, pontua.

Com José de Arimateia, o sacerdote barganha o corpo de Cristo a Pilatos (interpretado por Leopoldo Pacheco), que dá-lhes autorização para tratar com os soldados sobre a triste remoção. “Mesmo depois da morte, ele [Nicodemos] ainda está acompanhando o corpo, fazendo as recomendações finais com a família. E depois, levando ele para o Santo Sepulcro, onde faz a unção do corpo, recomendando o corpo para Deus. Ele é um fiel seguidor que está até os últimos momentos da história de Jesus”, detalha o intérprete.

Formiga faz questão de ressaltar a presença de “atores gigantes” na peça. Neste ano, Jesus vem a público na atuação de José Loreto, enquanto Maria é interpretada por ninguém menos que Letícia Sabatella. “Estou encantadíssimo com o nível de interpretação desses atores e atrizes”, revela o paraibano, destacando colegas como Eduardo Japiassu — também paraibano, mas radicado no Recife desde muito cedo — e Ricardo Mourão.

Paixão de Sebastião

Sebastião destaca-se no prólogo da peça, como o profeta Moisés | Foto: José Wilker Matos/Divulgação

A preparação para o espetáculo inclui uma rotina monástica, a exemplo de um ensaio aberto que aconteceu na última quinta-feira (10) para mais de duas mil pessoas, do município de Belo Jardim e região, além de apresentações fechadas para patrocinadores e convidados — nos perfis do Instagram (@paixaodecristooficial e @bastidoresdapaixaonj) é possível acompanhar as principais atualizações do evento.

Com mais de 80 anos, o diretor da peça, também paraibano radicado em Pernambuco, coordena o processo com minúcias. Na opinião de Sebastião Formiga, todo ator deveria trabalhar com Lúcio Lombardi. “Ele é de um cuidado incrível com as cenas. Conversa desde o primeiro momento, explica o espetáculo todo como funciona — bastidores, o figurino é aqui, a trilha sonora é assim. Ele explica tudo. A gente entra em cena já pronto”, ressalta.

A Paixão de Cristo, de Nova Jerusalém, é reconhecida por sua grandiosidade e organização. O espaço, que recebe até 15 mil pessoas por sessão, tem cenários interligados que permitem ao público deslocar-se confortavelmente. “Os cenários são planejados para que o deslocamento entre eles seja tranquilo, tanto para os espectadores quanto para os atores. Mesmo com quatro papéis, consigo realizar as mudanças de figurino e cenário sem dificuldade”, conta o ator. Ele também destaca a precisão técnica do espetáculo, que utiliza áudio gravado e efeitos sonoros minuciosamente elaborados.

Organização é fundamental, já que o teatro de Nova Jerusalém é uma cidade cenográfica com 100 mil metros quadrados, equivalendo territorialmente a um terço da área murada da Jerusalém oficial. Localizado no município de Brejo de Madre de Deus, o grande equipamento conta com nove palcos-plateias, que reproduzem paisagens naturais, palácios e o Templo de Jerusalém.

Católico e admirador de várias outras religiões, como o budismo e o espiritismo, Sebastião Formiga se lembra da dimensão espiritual de sua participação. “A presença divina é enorme. Eu me emociono muito durante as cenas, durante os ensaios”, diz. “Todos contribuem para minha adaptação, desde os colegas de cena até a produção. O que tenho sentido de maior, além da espiritualidade tão presente, é esse afeto e esse cuidado de todos”, completa.

Outras paixões

A trajetória de Sebastião Formiga vai muito além das muralhas de Nova Jerusalém. Seu filme recente, Caminho de Cedro, no qual assina como diretor e corroteirista, está em rota de exibição dos festivais locais, a exemplo da Mostra Bananeiras do Audiovisual. O curta-metragem documental se debruça sobre as vivências de peregrinos, ambientado nos caminhos do Padre Ibiapina.

Sebastião se prepara também para dois lançamentos literários. O primeiro é de um conto em coletânea que imagina o Nordeste do futuro. “A gente escreve o conto como se estivesse lá na frente. O meu conto, eu ambientei em 2050”, explica. A segunda produção é poética, com Bônus, livro de poesia autoral. “É um trabalho que venho desenvolvendo desde 2008, com influências de Augusto dos Anjos e José Condé. Estou felicíssimo com tudo isso”, compartilha.

Bônus tem lançamento previsto para o mês de maio e traz uma coleção de poesias que exploram temas introspectivos e universais. “Vivemos a era do selfie, onde olhamos mais para dentro. Minha poesia reflete essa busca pelo eu, influenciada pelo haikai japonês”, explica Sebastião, que também celebra a parceria com a escritora Maria Valéria Rezende, autora do prefácio.

Entretanto, nada se compara à atuação na Paixão de Cristo, de Nova Jerusalém, tida como sintomática de uma vida de luta e resiliência profissional. “Deus tem me coroado com a minha luta de quase 40 anos, muito árdua, mas muito prazerosa também. Acho que foi isso que eu trilhei durante esse tempo, e agora eu estou recebendo esse presente. Posso estar vivendo meus melhores anos artisticamente”, conclui.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 15 de abril de 2025.