Zé Katimba estará de volta hoje à Sapucaí. Vestido tal qual Volta Seca, o mais jovem cangaceiro do bando de Lampião, o compositor mais velho da Imperatriz Leopoldinense estará novamente no carro abre-alas no desfile desta noite das campeãs do Carnaval carioca, hoje, a partir das 19h30. O paraibano de 90 anos, único fundador vivo da agremiação verde e branco de Ramos, vai celebrar o nono título da escola, que conquistou depois de um jejum de 22 anos ao trazer um enredo de exaltação da cultura nordestina na controversa figura de Lampião, o “Rei do Cangaço”.
O enredo ‘O aperreio do cabra que o excomungado tratou com má-querência e o santíssimo não deu guarida’ contou na avenida uma história delirante que usa o cordel do alagoano José Pacheco como pretexto para levar a figura popular de Virgulino Ferreira da Silva ao inferno e ao céu, sendo rejeitado por ambos, e encontrando seu espaço no imaginário brasileiro e na apoteose do Carnaval. Contada em forma de fábula, a conversão dessa história em samba foi responsável por dar o terceiro título do carnavalesco Leandro Vieira.
Zé Katimba havia inclusive participado de eliminatórias da disputa do samba-enredo deste ano, que tinha como parceira na composição e interpretação, a pessoense Lucy Alves. O samba deles acabou não sendo o escolhido, mas nada que mude a categoria do eleito Cidadão do Samba e Personalidade do Estandarte de Ouro. Também com 90 anos, outro destaque veio no último carro alegórico do desfile. O carro chamado de O destino do valente trouxe Expedita Ferreira, única filha de Lampião e Maria Bonita, à frente da figura gigante do pai e uma coroa dourada remetendo o símbolo da escola e ao “Rei do Cangaço”.
O personagem vivido por Katimba também era compositor e ingressou no bando de Lampião com apenas 11 anos de idade. Volta Seca (1918-1997) ficou conhecido como autor de clássicos do cancioneiro nordestino, como ‘Acorda, Maria Bonita!’. O carro em que ele veio retratou a invasão dos homens de Lampião em meio ao semiárido do Sertão. Nele, estavam ainda os atores Matheus Nachtergaele e Regina Casé, interpretando Lampião e Maria Bonita enquanto dançavam xaxado, dança de batalha e de entretenimento dos cangaceiros. Virgulino Ferreira apareceu em seu cavalo sobre uma reprodução colorida do Sertão, com bois, cactos e grandes crânios bovinos.A Imperatriz foi a quarta escola a desfilar na segunda noite de desfiles, na última segunda-feira (dia 20). A agremiação liderou a apuração desde o início e, de Evolução em diante, ficou isolada na primeira colocação. A escola perdeu somente dois décimos entre as notas válidas: um em Comissão de Frente e um em Evolução. Com o anúncio das últimas notas, uma apreensão: os três décimos de distância para a Viradouro caiu para apenas um. Se Ramos tivesse levado três 9,9, o título iria para Niterói. Mas o que aconteceu foi mesmo a consagração da escola fundada em 1959 pelo sambista paraibano.
Zé Katimba é o compositor do antológico samba enredo ‘Martim Cererê’ (1972), baseado na obra do autor modernista brasileiro Cassiano Ricardo, que virou trilha sonora de novela da Globo, quebrando uma barreira de alcance dos sambas-enredos. No folhetim Bandeira Dois, de Dias Gomes, Zé Katimba tinha um personagem inspirado nele mesmo, que foi interpretado pelo genial Grande Otelo. Katimba contabiliza duas mil músicas gravadas. Em suas composições, o aspecto racial é um dos principais para entender a obra do artista, que teve como primeiro diploma universitário o título de Doutor Honoris Causa dado pela Universidade Federal da Paraíba, em 2019.
Para que a Imperatriz Leopoldinense colocasse sua nona estrela na bandeira, Zé Katimba foi fundamental, como explica o especialista em música e Carnaval, Leonardo Bruno. Ele lembra que, na escola, o paraibano fez de tudo: puxou corda, foi passista, mestre-sala, empurrou carro e foi vice-presidente. O sambista de Guarabira saiu do estado aos 10 anos de idade, embarcando clandestinamente num navio de carga atracado em Cabedelo para o Rio de Janeiro, onde foi “menino de rua”. Ele é um dos responsáveis por mudar a estrutura do Carnaval carioca, modernizando os temas e suas roupagens. Entre seus maiores sucessos estão sambas como ‘Disritmia’, ‘Tá Delícia, Tá Gostoso’ e ‘Bandeira da Fé’. Esta última foi o estopim que o levou à prisão por seis meses durante a ditadura militar. Zé Katimba costumava dar guarida aos militantes de esquerda no barracão da escola famosa por cantar ‘Liberdade, Liberdade! Abra as asas sobre nós’.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 25 de fevereiro de 2023.