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Artes Visuais

Uma imersão no universo de Zé do Norte através do grafite

publicado: 23/06/2023 00h00, última modificação: 26/06/2023 13h34
Música ‘Lua bonita’ é a inspiração para o painel que está instalado nos muros da Rádio Tabajara, em um dos principais corredores viários de João Pessoa
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Resultado da arte no muro da Rádio Tabajara, na capital, reverencia o compositor paraibano Zé do Norte, grande homenageado do 6º Festival de Música da Paraíba

por Joel Cavalcanti*

Um dos maiores sucessos de Zé do Norte virou grafite. A música ‘Lua bonita’ é a inspiração para o painel que está instalado nos muros da Rádio Tabajara, localizada na Av. Dom Pedro II, um dos principais corredores viários de João Pessoa. O desafio de transformar o lirismo e a melancolia da canção do compositor, cantor, escritor e folclorista Zé do Norte (1908-1992) foi do artista visual Thiago “Camo” Silveira. Paulista radicado na Paraíba desde 2015, ele venceu o edital promovido pela Empresa Paraibana de Comunicação (EPC) que faz parte do conjunto de homenagens ao cajazeirense quando se celebra os 115 anos de seu nascimento.

“Sertão sempre foi uma fonte de inspiração. Foi maravilhoso poder integrar essas linguagens. Quanto mais isso puder acontecer, melhor”, afirma o artista, que é também educador e pesquisador, estudando a trajetória da arte de rua pessoense. Ele já ministrou oficinas e produziu trabalhos em diferentes linguagens, inclusive para o cinema, no longa paraibano Desvio, de Arthur Lins. “Fiquei absurdamente feliz com a notícia, primeiro porque já era um muro que eu sempre quis pintar, porque é um lugar de bastante visibilidade”. Camo venceu o concurso Arte e Grafite - Muro Zé do Norte garantindo o prêmio no valor de R$ 6 mil e agora ocupa uma galeria a céu aberto de aproximadamente 50 metros quadrados.

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Coletivo ‘Nois Tudin’ finalizou em dois dias a aplicaçãodo desenho com a pintura no muro frontal da emissora, localizada na Avenida D. Pedro II - Foto: Rádio Tabajara/Divulgação

Depois de dois dias de pintura realizada pelo coletivo Nois Tudin, do qual Thiago Silveira faz parte, a obra está disponível para ser apreciada por todos que passam pela movimentada via da Zona Sul da capital. “Quando fiquei sabendo que o homenageado era Zé do Norte, a primeira coisa que eu pensei foi em renda, por causa da música ‘Mulher rendeira’. Quando vi no edital que a música escolhida seria ‘Lua bonita’, vi que o desafio seria ainda maior”, confessa o artista visual. Para ele, a dificuldade estava em desenvolver uma ideia criativa que desse cores e formas a uma sensibilidade que é apenas sonora. “Nos últimos dois anos eu tenho me sentido muito instigado quando eu tenho um mote para criar. O desafio deste edital foi conseguir traduzir uma música de forma visual. Isso é um baita de um desafio muito legal”.

A comissão julgadora contou com a participação de especialistas da área de design e das artes plásticas, além de representantes da EPC e da Fundação Espaço Cultural (Funesc). No trabalho de Camo estão presentes vários símbolos entoados em ‘Lua bonita’, como o próprio satélite natural, o sol, um casal que parece dançar apaixonado e a figura de São Jorge montada em um jumento, como declama a letra da canção. “Tem um trecho da música que fala ‘seu eu juntasse meu frio com o teu calor’. Onde a lua está, tem um fundo de cor roxa meio azulada. Justamente na união com amarelo, ela começa a esquentar mais, ganhando tons amarelos e vermelhos. Isso foi proposital por causa da letra da música”, exemplifica Camo.

Essas cores vivas cumprem ainda a função de destacar o preto e branco dos personagens pintados seguindo o estilo da xilogravura presente nos folhetos de cordel, tão importantes para a cultura popular exaltada por Zé do Norte. “Eu gosto muito do Sertão e de Cajazeiras, e costumo ir bastante para lá. Essa vinda para o Nordeste, assim como a minhas idas para o Sertão – para onde eu vou desde que cheguei à Paraíba –, mudou a minha própria paleta de cores, que ficaram muito mais quentes”, relaciona o artista.

Fomento cultural

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Foto: Roberto Guedes

A iniciativa do edital ocorre alinhada com o Festival de Música da Paraíba e acontece desde 2019, homenageando anualmente uma personalidade da arte paraibana. Neste período já foram celebrados nos muros da emissora artistas como Jackson do Pandeiro, Genival Macedo, Sivuca e Marinês. A escolha de ‘Lua bonita’ é devido a relevância que a música tem na história das canções populares nordestinas. A canção marcou, por exemplo, a infância de Caetano Veloso, em Santo Amaro da Purificação, Bahia. Foi ele quem sugeriu à irmã Maria Bethânia que gravasse a música ‘Lua Bonita’ no disco Meus quintais, de 2014. O próprio cantor deixou um registro emocionante com a mãe, Dona Canô, no documentário Pedrinha de Aruanda, de 2016. Outro baiano que teve a infância embalada pela música foi o roqueiro Raul Seixas. Em 1988 ele gravou ‘Lua Bonita’ no disco A Pedra do Gênesis, deixando de lado o costumeiro estilo debochado para respeitar o mesmo andamento triste da gravação original.

A canção está presente em O cangaceiro (1953), filme de Lima Barreto vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes, na França. O longa é considerado a primeira produção brasileira a conquistar ampla aceitação internacional e teve a trilha sonora de Zé do Norte premiada na competição de cinema. ‘Lua bonita’ também virou nome do álbum em 2011, dando a cantora paraibana Socorro Lira o prêmio de Melhor Cantora na categoria Regional no 23º Prêmio da Música Brasileira – o mais importante de sua carreira até hoje. A música tema no disco inteiramente dedicado ao artista sertanejo é cantada em parceria com o pernambucano Geraldo Azevedo. São tantas as reverências à canção, que ela merecia mesmo ter seus tons estampados para que todos possam vê-la.

Thiago “Camo” Silveira está na cultura do rabisco e da pichação desde os 10 anos de idade. Hoje, ele leva essa experiência para a área acadêmica pesquisando a história do grafite. No coletivo Nois Tudin ele se une a outros sete artistas que produzem de forma colaborativa em diferentes projetos há um longo período, fazendo intervenções principalmente em escolas e comunidades, mas também em espaços corporativos. “Nós, artistas, precisamos de fomento para não dependermos não somente do mercado. A gente não consegue viver só de arte. É muito importante para a gente esse fomento do poder público e que os órgãos do poder público compreendam que a gente precisa da arte para viver”, conclui Camo.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 23 de junho de 2023.