O objetivo da diretora carioca Ludmila Curi foi rodar o Brasil e a Rússia com o projeto de seu novo documentário, investigando os vestígios de sua personagem principal e o quanto desses fragmentos estariam na personalidade e na trajetória de outras mulheres. O resultado foi o filme Marias — no plural — que destaca além da protagonista, Maria Prestes, esposa do político e guerrilheiro Luís Carlos Prestes, o trabalho de líderes femininas. O longa-metragem ganha uma sessão hoje, às 20h, no Cine Aruanda, situado no Centro de Comunicação, Turismo e Artes da Universidade Federal da Paraíba (CCTA-UFPB). Essa exibição, com entrada franca, terá a presença de Lígia Prestes, neta de Maria.
Falecida em 2022, vítima da Covid-19, a pernambucana Altamira Rodrigues Sobral, conheceu Prestes em 1950, quando havia perdido o seu primeiro marido. Ao casar-se com ele, abraçou também sua luta política, tornando-se membro do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Fugindo das perseguições políticas no Brasil, mudou seu nome para Maria do Carmo e acompanhou o político em seu exílio na extinta União Soviética, retornando ao país no final dos anos 1970, com a Lei da Anistia. Teve, ao todo, nove filhos, sendo sete de Prestes.
Mesmo tratando-se de um relato majoritariamente documental, uma parte do filme foi encenada: interpretando Maria Prestes está outra neta da ativista, Maria do Carmo Ribeiro. E para dar corpo à narrativa e traçar paralelos com as lutas contemporâneas, a diretora rememora a vida de outros ícones femininos como a militante Olga Benário (também companheira de Prestes, morta em campo de concentração nazista ao ser deportada do Brasil, pelo governo de Getúlio Vargas), a ex-presidente Dilma Rousseff e a vereadora Marielle Franco.
Apesar de nem todas as personagens do documentário chamarem-se Maria, a diretora assevera que o nome resume muitas das características em comum entre as brasileiras, carregando consigo muitas imagens reconhecíveis. “A mulher que luta para conciliar o trabalho, o lar, e ainda defender seus ideais, no universo micro, da sua casa, nas ruas ou ocupando espaços de liderança e poder, mas sempre resistindo diariamente às opressões do machismo e tentando construir um mundo melhor”, detalhou.
Durante o processo de pesquisa para o longa, um fato que chamou a atenção de Ludmila foi a ausência de registros de época de muitas de suas personagens — incluindo a principal, Maria. “Na essência, o filme trata de uma verdade sabida — de que as mulheres desempenham um papel essencial na história. Também gera uma reflexão sobre as narrativas a que estamos acostumados, que são desequilibradas, parciais e incompletas e que muitas vezes apagam ou diminuem essas mulheres”, afirmou.
A realizadora revela que, em outras sessões comentadas do filme, a exemplo da que acontece hoje, na UFPB, o público engaja o debate — o interesse pela batalha silenciosa e clandestina de Maria Prestes é um dos pontos fortes. “Além disso, cada nova personagem que entra no filme emociona e sublinha momentos marcantes da história, que as pessoas lembram, se identificam e acionam memórias”, explicou.
Sobre as novas “gerações de Marias”, Ludmila sustenta que é possível, e preciso, tornar sua batalha menos árdua e que isso é factível com a promoção da representatividade — seja por meio do voto, seja com o ingresso de mulheres no serviço público ou na chefia de postos da iniciativa privada. “Apenas com mais mulheres nos parlamentos e ocupando cargos de liderança será possível a criação e a execução de uma política afirmativa que melhore a nossa sociedade estruturada no patriarcado”, finalizou.
MARIAS
- Brasil, 2024. Dir.: Ludmila Curi.
- Exibição hoje, às 20h no Cinema Aruanda (UFPB, Campus I, João Pessoa).
- Entrada franca.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 26 de novembro de 2024.